sábado, 10 de março de 2012

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – PADRE SALÚ E TIBÚRCIO

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ –  PADRE SALÚ E TIBÚRCIO

Enoque Alves Rodrigues

Quando em 17 de Março do ano de 1931, acometido por um câncer na garganta, o Padre Augusto falecia no Brejo das Almas, preocupações e incertezas se apossaram das famílias Brejalminas. Todas as atenções agora pairavam sobre uma dúvida muito séria, mas oportuna, pelo fato de que o Padre, que ora perdiam, era muito querido no lugarejo. Todos o adoravam. Ele fazia por merecer.

Quem seria o seu substituto?

Por muito tempo esta pergunta permaneceu no ar. As beatas, que já não sabiam mais o que fazer, sequer  conseguiam dormir. Não dava mais para levar adiante, até o seu final, novenas e terços. Além de terem que conviver com a ausência do Padre Augusto, ainda se sentiam  desamparadas pela falta de um condutor dos destinos dos católicos da região. Algum tempo depois, soavam-se as trombetas anunciando a chegada de um novo Pároco para os serviços eclesiásticos junto aos pecadores de Maria. Curiosos, todos, indistintamente, acorreram-se a velha Matriz para se certificarem da boa nova. Sim. Era verdade! Lá estava ele, robusto, o senhor Padre, vestido com sua batina de gala. Estrearia com ela a primeira missa na calorosa tarde outonal daquele mesmo dia.

Apesar de vir da diocese de Salinas, distante a poucos quilômetros de Francisco Sá ou Brejo das Almas, ninguém no Brejo o conhecia. Sequer antes ouviram falar seu nome. Logo o inevitável passou a acontecer. O povo, acostumado com a forma carinhosa do Padre Augusto que permaneceu à frente da Igreja do Brejo por trinta e cinco anos, passou a fazer comparações. No frigir dos ovos resultava como liquido e certo que aquele Padre que agora substituía o Padre Augusto, diferia deste como a água do vinho. Nada, absolutamente nada tinham em comum.

Salustiano Fernandes dos Anjos, ou Padre Salú, era este o nome do sucessor do Padre Augusto. Enquanto um era dado a longas conversas, preocupando sempre em ouvir atentamente o interlocutor para, no final, oferecer seus préstimos que sempre eram acompanhados por palavras de carinho, motivação e ternura, o outro era ríspido. De poucas palavras. Não era muito de ouvir. Chegava mesmo a interromper aos berros, fiéis em confissão. As missas já não tinham mais o ânimo de outrora e o povo começou a se debandar. A Igreja, aos poucos, foi se esvaziando e os casamentos e batizados se escassearam.  Os jovens continuavam com vontade de se casar, ter filhos, batiza-los, etc. No entanto, quando imaginavam a cara de bravo do Padre Salú, perdiam a vontade, neste caso, literalmente, perdiam o tesão. Questionava as moças e os mancebos quanto a seus respectivos celibatos numa época em que vários tabus existiam sobre este tema, que não era tratado nem mesmo no seio da família. Quando nas cerimonias de batismos ao perguntar aos pais que nome dariam ao filho, se este nome não fosse de seu agrado ele simplesmente o substituía por outro. Caso houvesse recusa dos pais ao novo nome, encerrava ali mesmo a cerimônia, deixando o anjinho pagão. O padre Salú era muito materialista. Não era mau, tanto que era Padre. Era demasiado criterioso e entendia que com estes pequenos exageros,  estaria zelando melhor de seu rebanho.

O fim não justifica os meios. Mas  é possível que o fato de o Padre Salú, ao contrário do Padre Augusto, vir de camadas sociais mais abastadas, o  tenha influenciado para que ele fosse desse jeito. Passava a impressão de que não gostava de pobre. Que apenas o tolerava por força de um oficio que pouco se parecia com uma vocação. Mas no fundo como eu já disse, ele era boa gente. Era do bem, indubitavelmente, desde que não comparado ao antecessor. Ai não tinha jeito mesmo. O outro ganhava de goleada.

Tibúrcio Procópio Soares, ele colaborava com o Padre Salú nos trabalhos da Igreja. Funcionava como ajudante de ordens e Sacristão, destes que muitas vezes se esquecem, até mesmo de tocar os sinos. Tibúrcio era nascido em Grão Mogol. De lá foi para Salinas onde trabalhou nas Fazendas dos pais do Padre Salú. Das fazendas passou a colaborar com o Padre nos trabalhos da Igreja. Foi por isso que ao ser transferido para a Freguesia do Brejo das Almas, sim, quando o Padre Salú chegou ao Brejo, o Brejo ainda não era Francisco Sá, pois só veio receber esta denominação em 1938, levou consigo seu ajudante e fiel escudeiro, Tibúrcio.

Vejam vocês as coincidências. Não foi, creiam-me, propósito meu. Na semana passada me achava aqui, neste mesmo horário e prefixo escrevendo sobre um ajudante de ordens de outro Padre. Nesse caso, o Wenceslau, ou “Azar”, que surgiu como por encanto e trabalhava com o Padre Augusto, cuja alusão, fiz acima. Já que, sem querer, comparamos  os costumes daquelas duas figuras exponenciais da vida religiosa do Brejo, por que não traçaríamos analogias entre seus dois serviçais? Não vou, no entanto, cansar vocês relembrando algumas façanhas do bom “Azar”. Voltarei a ele em outras oportunidades. Fixemos, agora, em Tibúrcio.

Vinte e seis anos, alto, mulato, semblante fechado, jamais sorria. Passava por todos nas ruas sem sequer cumprimentar. Mirava a todos com o olhar severo de uma Madre Superiora. De cima para baixo. Encrenqueiro dos mais temidos. Mentiroso de nascença e carteirinha. Garganteador. Nem ele mesmo acreditava no que falava. Somente o Padre lhe dava crédito. Certa vez arrumou um “fuzuê” na “ZBM” que ficava próximo ao Centro. Desentendeu-se com um tal de Calixto de Vaca Brava. Chegaram ás vias de fato. Rolaram pelo chão. Ele tinha dois metros e meio de altura. Calixto tinha três. Os cinquenta centímetros a mais fez a diferença. Levou uma tremenda sova. Chegou a Igreja todo ralado. Indagado pelo Padre Salú, foi logo dizendo: “Estava participando da novena ao São Gonçalo e ao passar defronte a uma casa suspeita fui atacado por um tal de Calixto.”

- Dê-me, disse-lhe o Padre, o nome completo desse facínora que eu vou amaldiçoa-lo agora mesmo! Que mal poderia fazer você, este “santo homem,” a ele para que agisse dessa maneira? Não se agride assim um “homem de Deus.”

O Padre Salú era assim: o que pertencia a ele era valorizado ao extremo ainda que pouco ou quase nenhum valor tivesse. O simples fato de fruir do convívio e confiança dele já era motivo mais que suficiente para que tivesse dele total proteção. Uma pena que somente Tibúrcio tinha esta primazia e deferência.

A aspereza e o jeito rústico de ser, destarte, haver tido uma boa educação de berço, ás vezes arrebatavam o Padre Salú aos mais tenebrosos pensamentos e comentários. Dizia, por exemplo, em seus devaneios, ao se referir ao câncer na garganta que ceifara a vida do Padre Augusto, seu antecessor, que “o Padre só morreu de doença ruim porque era muito bom para os outros. Dando assim uma falsa conotação de que os Céus não pertencem aos justos e bons.

Algum tempo depois, retornando de uma pescaria, sentiu uma pequena fisgada na perna esquerda. Depois veio uma dorzinha de cabeça chata que não passava nunca. Daí a pouco o  estomago começava a dar voltas. Comia, mas as substâncias dos alimentos não se retinham no organismo. Bebia um copo de água, por pequeno que fosse e se achava como se tivesse engolido um elefante inteiro. Nesse entrementes o humor que já era ruim, piorou. Não tinha “Niquinho”, nem “Francelino, o França”  os “doutores” da farmácia do Brejo, assim como não tinha também o Dr. João José Alves, na bela MOC.

Procurou, então, os médicos da Capital das Alterosas “Belzonte” que foram taxativos e implacáveis no diagnóstico: “Câncer em estágio avançado e irreversível nos intestinos!”

Após longo padecer, agora era a vez de Salustiano Fernandes dos Anjos, o Padre Salú, acompanhar o seu antecessor na longa viagem rumo ao Cosmos. Igualando-se a ele, pelo menos neste quesito, onde todos nós somos iguais perante as Leis Infinitas que Regem o Universo. Seu espirito, finalmente, pode comprovar meio decepcionado, que a morte não é o fim e que viver não é nenhum privilégio. Que não existem diferenças entre mortos e vivos senão a simples e ás vezes chocante e assustadora troca de vestimenta. Sim, porque mesmo que você não creia, saiba que quem escolhe os “modelitos” que pretende vestir lá em cima somos nós mesmos, enquanto aqui no chão.

Quanto a Tibúrcio, por algum tempo, ainda continuou no Brejo. Mas depois retornou para Salinas de onde ninguém mais teve noticias.

É...

Continuo com aquele certo William.

Por vezes, dizia ele, “há muito mais coisas entre o Céu e a Terra além do que supõe nossa vã filosofia.”

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há 40 anos na área de Engenharia. É Escritor, com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário