sábado, 24 de maio de 2014

EXEMPLOS DE BONS BREJEIROS - PARTE I



Exemplos de  Bons Brejeiros – Parte I

*Enoque Alves Rodrigues

Quando criança passava minhas férias Escolares na Fazenda Terra Branca, no Município do Brejo das Almas ou Francisco Sá, próximo ao morro da masseira, de propriedade de meu saudoso avô Liberato ou João Albério Rodrigues.

Adventista, vegetariano e Sabatista, denominação esta atribuída aqueles que guardam o Sábado. Lembro-me que o casarão daquela Fazenda que ficava ao norte de Minas Gerais era todo rodeado de pequeninas casas onde residiam alguns colaboradores serviçais além de outros parentes, próximos ou distantes, que meu avô socorria, levando-os para morar ali, onde participavam dos cultos assim como de toda liberdade na casa como se familiares também fossem. Naquela fazenda cortada por caudaloso rio, além da criação de gado leiteiro mantinha o cultivo de todo tipo de cultura, além de um grande canavial que quando era tempo da colheita o Engenho de madeira puxado por duas trelas de bois gemia dia e noite meses a fio, na fabricação de rapadura, melado e puxa. Que gostoso.

Minha diversão era cavalgar sobre um velho pangaré que de vez em quando cismava e me atirava ao chão saindo em desabalada carreira, deixando-me sozinho naquelas quebradas no mais completo abandono.

Certa manhã quando o meu avô tirava o leite das vacas vi, ao longe, descendo a serra por uma picada que ficava em frente á Fazenda, trôpego e cansado, um senhor alto, de idade avançada, com barbas brancas, que ao postar-se diante de nós apresentou-se:

- Bom dia, eu sou o Laudelino...

- Que o Senhor esteja nesta casa! Saudou-nos.

- Amém, assim seja irmão. Seja bem-vindo em nome de Jesus! Respondeu-lhe o meu avô.

Lembro-me, que jamais saia de perto do meu avô, que eu estava com uma cuia tomando o leite quentinho que ele acabava de tirar, misturado com farinha de milho e rapadura raspada. O meu avô não conhecia Laudelino, mas ao escutar sua saudação de chegada foi logo dizendo para mim: não se assuste Noquinho, é um irmão da Igreja.

- Preciso de um “poiso” por esta noite. Necessito descansar para seguir viagem!

- É um prazer, em nome de Deus, recebe-lo, irmão, em nossa humilde casa. Sinta-se a vontade!

- Amém!

A família que o meu avô constituiu era numerosa.  Era composta por ele, minha avó, sete filhas mulheres, sendo uma casada à época (tia Cota) e seis solteiras, além de três homens sendo o meu pai o mais velho.

Os adventistas daqueles tempos eram bem mais rígidos por que tinham toda a sua Doutrina fundamentada no Velho Testamento. A denominação seguida por meu avô e sua família era a do (movimento de reformas que depois passou a chamar-se da completa reforma.). O meu avô, já velho, ao levantar-se todos os dias, passava em frente aos dormitórios de todas as filhas e filhos batendo nas portas, e antes de sair para o batente duro realizava um culto matinal ás 6 horas onde todos tinham de participar. Ele sempre se postava na cabeceira da mesa e após entoar hinos punha-se a leitura da Bíblia. Apenas ele como o chefe daquela família tinha aquela primazia. A ninguém mais, nem mesmo ao filho mais velho era permitido assumir a posição de destaque do meu avô na direção do culto e na cabeceira da mesa. Naquela manhã, por volta das cinco horas, no entanto, algo de muito inusitado estava acontecendo naquela “jurisdição disciplinada de quartel.”.  Pois antes que meu querido avô se levantasse, já podia escutar lá fora cânticos de louvores e alguém a tilintar uma velha enxada convidando os moradores daquela imensa casa a acompanha-lo no culto que faria. Era o velho Laudelino, o forasteiro, recém- chegado àquelas plagas. Observador que sempre fui, Recordo-me, ainda hoje das feições de meu avô naquele episódio inesperado. Seus aposentos ficavam na parte de cima da casa e da janela pode observar esta cena: Laudelino, que tinha a mesma idade (73) anos e feição de meu avô, inclusive a mesma barba longa e branca, própria dos adventistas de antanho, havia montado uma mesa na frente da casa sobre a qual tinha sua Bíblia e na cabeceira assentou-se iniciando ali o culto. Em meio ao culto Laudelino, como se estivesse rodeado de uma multidão de pessoas presentes, passava a palavra para alguns que depois de “darem seus respectivos testemunhos” devolviam-na ao dirigente Laudelino que agora, ou seja, quarenta minutos depois finalizava o culto. Enquanto isto o meu avô, calmo como sempre foi, assistia a tudo aquilo de sua janela, tranquilo e sereno e, passivamente, como era de seu costume, sorrindo, deslizando a mão pela sua bem cuidada barba e a cada refrão de Glória a Deus de Laudelino lá embaixo meu avô respondia lá de cima em sua janela: Aleluia, amém, irmão!

Curioso, passei a matutar em meu cantinho.

Para quem, diabos, Laudelino estava pregando? Quem eram aqueles seres invisíveis a quem ele concedia a palavra? Por que eu não os via? Eram eles realmente verdadeiros? De carne e osso?

E agora? O que aconteceria depois de Laudelino terminar o culto? O meu avô faria outro culto ou “validaria” o culto de Laudelino?

De onde veio Laudelino? Quem era ele? O que pretendia ele ali naquela localidade? Foi enviado por alguém? Continuaria por lá?

Quem, finalmente, se revelaria por debaixo daquela velha carcaça? Uma pessoa de boa ou má índole? Por quanto tempo o meu amado avô o toleraria?

A que se dedicaria ali? Sim, por que não obstante ele ter a mesma idade de meu avô, em termos de condicionamento e força física não o assemelhava em nada. Estava demasiado gasto e até mesmo para dar um passo manquitolava.

Trabalhador incansável que sempre foi o meu avô, será que ele o manteria ali em sua fazenda sem condições para o trabalho?

É o que veremos no desenrolar dessa verídica história de minha infância.

Até a próxima, Brejeiros. Fraternal abraço.

* O autor é Brejeiro de nascimento.
Brejo das Almas e Adjacências - Atrás destes morros ficava a Fazenda Terra Branca - Propriedade de meu avô