O deputado
Camilo Prates visitava seu Compadre e fiel correligionário, o coronel Olímpio
Dias em sua residência de Brejo das Almas, ou Francisco Sá, que se preparava
para mais uma
eleição. A agitação era geral e comícios pipocavam por todos os
lados. As duas únicas forças políticas que ditavam a ordem naquela pequena
localidade e que, portanto, traçavam os destinos do
povo brejeiro era
exatamente o Coronel Olímpio Dias apoiado pelo deputado Camilo Prates e o
Coronel Jacinto Silveira que por sua vez tinha o apoio do deputado Doutor
Honorato José Alves cuja base eleitoral, assim como a base eleitoral de Camilo
Prates, ficava em Montes Claros.
Ao contrário
do que ocorre hoje em muitas regiões do Brasil dito civilizado, onde
adversários políticos são também ferrenhos inimigos no campo pessoal, aqueles
dois baluartes da política brejeira eram, antes de tudo, grandes amigos, ou
melhor, eram compadres. Divergiam apenas e tão somente em suas ideologias
político-partidária. Suas diferenças ficavam ali. No mais eram cordiais,
respeitadores e afetuosos no trato mútuo. Frequentava um a casa do outro onde o
assunto com certeza não era política, por que naquelas ocasiões tratavam apenas
de amenidades, pois também não era costume falar mal da vida alheia.
Entretanto, nos
dias de eleições postavam-se cada qual em um lado da entrada da única secção
eleitoral existente e “observavam” o eleitor desde a sua chegada à secção até a
saída, de maneira que finalizada a votação já se sabia de antemão quem havia
sido o eleito. Hoje isso é ilegal não obstante sabermos que ainda campeiam ilícitas
e grosseiras artimanhas, apesar do grande advento cibernético eleitoral onde se
realizam apurações de milhões de sufrágios em algumas horas. Somos pioneiros
nesta tecnologia a qual exportamos para Países econômica e socialmente
desenvolvidos, mas que quase nada avançaram nesta direção.
Bem, voltemos
à visita de Camilo a Olímpio no Brejo das Almas naquela tarde quente outonal.
Antes quero ressaltar que a distância de dez léguas ou sessenta quilômetros que
separam Montes Claros onde vivia o Doutor Camilo do centro do Brejo onde residia
o Coronel Olímpio ainda era percorrida no lombo de cavalo. Somente depois de
muito tempo é que o Dr. Camilo adquiriu seu primeiro possante: um “fordeco” de
bigodes.
Após passar
pela Fazenda na encosta do morro do mocó adentrou, por fim, o lugarejo. Parou
na fazendinha de “Sá Jacinta” uma anciã de setenta anos que tinha algumas vacas
leiteiras. Lá bebeu água e trocou alguns dedinhos de prosa com a dona da casa.
Passou pelo Largo do Comércio e na Farmácia de Francelino, tomou uma pitada de bicarbonato
e rumou finalmente para o casarão que se localizava próximo ao antigo mercado
onde o anfitrião já o esperava no alpendre. Efetuados os formais cumprimentos
seguiram-se para a espaçosa sala de visitas para falarem do assunto do momento.
Eleições.
- Como andam as
eleições no Brejo, compadre? Indagou Camilo Prates a Olímpio Dias.
- Vai bem,
compadre. Mas os eleitores estão muito ariscos. Já não querem mais votar senão
mediante alguns agrados!
- Mais isso
não está certo... Todo Cidadão tem de exercer o seu dever de votar
espontaneamente!
- Pois é,
compadre, aqui por estas bandas, as coisas ainda não mudaram nada. Imagine o
senhor que na eleição passada além de ter de amargar a derrota ainda perdi
quase duzentas cabeças de porcos!
- Mas, o que
foi isso?
- Epidemia?
- Não... Foi
voto mesmo. Comprei... Paguei mais não levei. O infeliz do eleitor ao invés de
me entregar o voto, acabou votando no compadre jacinto que nem pagou nada...
Foi só na lábia!
- Mas
compadre, isso não existe. Enquanto houver alguém que se propõe pagar haverá sempre
alguém pronto para vender.
- Vamos mudar
isso?
- Vamos!
Naquela noite
grande palanque estava montado no centro do Brejo. O comício, como o próprio
nome diz, comia solto e com ele brejeiros homens que votavam e brejeiras
mulheres que ainda não votavam, mas lá estavam, saboreavam os apetitosos comes
e bebes sendo que os comes compreendiam-se robustos espetos de carne de boi
atravessados sobre serpenteante valeta que se perdia de vista. Quanto aos
bebes, entendam-se, se possível, a mais pura e destilada aguardente acompanhada
de bebida adocicada denominada Cinzano de um tal de Francesco que pelo nome
devia ser Italiano.
Lá pelas nove
horas da noite antes que aquela “bomba” ou coquetel começasse a explodir, quando
o respeitável público presente teria, certamente, dificuldades em reter na cachola
algum fragmento do discurso e por consequência não se lembrar do compromisso do
voto que firmariam com Olímpio, este, acompanhado de Camilo e mais de uma
dezena de candidatos regionais subiram ao palanque.
Enquanto isto,
em pequena roda, conversava animadamente, Nezinho Pena, João Caixeiro, Patrício
Pena e Estelito, todos comerciantes, além do escrivão de paz Pedro Ferreira.
- Desejo, -
iniciou Olímpio seu discurso - agradecer a todos vocês pela massiva votação no
pleito anterior, mas que não foi suficiente para me eleger, devido alguns que
mesmo tendo empenhado sua palavra de votar na minha pessoa na hora “h” acabaram
por votar no outro candidato...
“Muito bem...
É isso aí... Temos de votar bem para melhorar o Brejo das Almas. Vamos escolher
o homem certo para gerir bem essa joça!” – Respondeu ao fundo um grupinho de
comisseiros etílicos contumazes, enquanto Olímpio prosseguia...
- Estou certo
que desta vez será diferente, por que espero que todos aqueles que aqui estão
desfrutando deste saboroso churrasco regado com o que há de mais puro em termos
de bebida votarão em mim. Este momento maravilhoso permanecerá gravado em suas
memórias inclusive na hora do grande sufrágio... Vocês se recordarão,
certamente, do meu nome na boca da urna, pois estou convicto que ninguém por estes
lados foi capaz de lhes proporcionar tão inesquecível regalia.
“Muito bem...
É isso ai... Temos de votar bem para melhorar o Brejo das Almas. Vamos...”.
Olímpio
escutava aquele grupinho que se manifestava sem uma palma sequer. Mesmo assim
sua verve e eloquência se afloravam cada vez mais dando ao seu discurso inusitado
e desproporcional entusiasmo.
Enquanto Olímpio divagava em sua tentativa de empolgar
a massa, Nezinho Pena interveio.
- Coronel
Olímpio...
- Pois não!
- O senhor não
está notando algo errado?
- Não... Não
estou!
E
utilizando-se de palavras firmes e ríspidas, próprias dos coronéis de antanho,
inquiriu.
- Como é que
eu vou saber diabo, se você não me explicar?
- Pois é,
coronel... O senhor não entendeu... O povo está dizendo que “vai escolher o
homem certo para gerir bem o Brejo. Só que o povo não disse que esse homem certo
vai ser o senhor!”.
- Puta merda,
caralho, é mesmo!
Agora foi a
vez de Camilo Prates intervir, jogando uma pá de cal nos sonhos de Olímpio.
- Tá vendo?
Não é o que eu lhe disse, compadre? Esse povo não se deixa vender por nada.
Política não se faz assim. Vai dar Jacinto de novo!
E deu Jacinto!
É...
Por vezes, ou
quase sempre, o melhor atalho é fazer a coisa certa. Quanto ao resto... Bem, o
resto você deixa pra lá.
E tenho dito!
*O autor é
Brejeiro.