terça-feira, 15 de outubro de 2013

O BREJO ERA ASSIM... DE TUDO UM POUCO



O BREJO ERA ASSIM... DE TUDO UM POUCO

*Enoque Alves Rodrigues

O povoado:

Em 1830 o povoado de São Gonçalo do Brejo das Almas florescia em torno de diminuta capela deste santo padroeiro. Ao contrário do que possa parecer à povoação do Brejo das Almas não se deu em torno do cruzeiro fincado ali pelo Bandeirante Antônio Figueira, cruz esta que deu a primeira denominação do lugar de Cruz das Almas das Caatingas do Rio Verde. Todas as casas mais antigas foram construídas na Rua das Aroeiras e no Largo da Matriz. Elevado á categoria de distrito do Município de Grão Mogol, forças politicas daquele lugarejo começaram a se movimentar junto á assembleia da província no sentido de que o mesmo fosse anexado ao Município de Montes Claros à época dotado de melhor infraestrutura cuja efetivação veio a ocorrer em cinco de Outubro de 1870.

Emancipação:

Através da Lei 843, de sete de setembro de 1923 depois de árdua batalha, finalmente conseguiam emancipar aquele outrora pequeno distrito e exatamente um ano depois eram empossados na Câmara Municipal do Brejo das Almas, hoje Francisco Sá, a primeira legislatura que daria os primeiros passos rumo ao desenvolvimento social, econômico e político do Município.

Primeira Escola:

A primeira Escola com instrução máxima até o curso primário funcionava em prédio precário que assim como todos os demais foi doado por Jacinto, criada em 1923, tinha inicialmente como professoras as normalistas a própria dona Maria Luiza, esposa de Jacinto Silveira, dona Augusta Guimarães Ataíde e como interina dona Maria Augusta Dias. Naqueles tempos somente alguns abastados fazendeiros possuíam linhas telefônicas com as quais se conectavam com o mundo limitado a sua volta, entre eles, figuravam-se, Francelino Dias, Altino Soares Pereira, José Dias Pereira e mais uns três além deles.

Um Professor “Arrojado”:

Algum tempo depois ingressou naquela escola um professor arrojado de nome José Maria Fernandes ao qual foi facultado implantar sua metodologia de ensino que veio revolucionar as infantis cabeças dos Brejeirinhos. O método era simples. Ele queria somente ensinar os seus alunos a pensar. Inusitada e impensadamente para nós em dias atuais começou por abolir o uso do lápis e do caderno. Ele escrevia no quadro negro e o aluno tinha dez minutos para ler e decorar os textos, assim como as frações aritméticas. Ao fim de cada chamada ia selecionando os que respondiam corretamente enquanto que aos pobres coitados que errava ele entregava a cada um uma enxada com ordens expressas para utilizar todo o tempo do recreio carpindo ao redor da escola e quando não se tinha mais o que carpir ali mandava o infeliz carpir as erva na Rua das Aroeiras onde ficava o Grupo. Quando a tarefa de carpir não era executava integralmente ele fazia uso da palmatória e ai meu nego, o pau comia literalmente. Toda ação da molecada era supervisionada pelo Inspetor Escolar Mateus Alves, um crioulo de quase dois metros de altura que era à sombra de cada aluno, relatando ao mestre José Maria todas as estripulias. Quando por fim José Maria Fernandes devido a envolvimento com o álcool foi substituído pelo Professor Manuel José Veloso, ou Neco Surdo em 1924, os alunos assim como os seus pais fizeram uma festa. Até mesmo os pais se incomodavam com os métodos primitivos de José Maria, enquanto que Neco Surdo, figura tranquila totalmente oposta ao antecessor era querido por todos.

Lagoa das Pedras:

A denominação de Lagoa das Pedras é atribuída a um veio de pedras calcárias de grosso porte que se encontrava ao lado Sul, na antiga estrada de Boa Vista para o Areal rumo a serra do Catuni a qual margeia em direção ao Norte prosseguindo muito além. Para se atravessar esse veio calcário, que formava lajedos, lutava-se com muitas dificuldades, principalmente se fosse a cavalo, pois era muito escorregadio e somente os cavalos ferrados conseguiam manter-se de pé, em equilíbrio.
Somente depois de se erguerem ali muitas caieiras em tempos remotos onde arrebentaram as pedras para produzirem à cal as pedras mais salientes foram removidas o que tornou possível o tráfego de caminhões e outros veículos motorizados. Esta é sem duvida alguma a razão do nome “Lagoa das Pedras”, hoje inexistente nos moldes anteriormente vistos e que muita gente atraia ás suas margens. Não passa de lenda a versão de que os primeiros moradores do Brejo se agrupavam em torno do cruzeiro erguido pelo Frei Clemente à cabeceira da Lagoa das Pedras. Tampouco a povoação do Brejo começou ali.

Igreja Matriz do Brejo:

É uma incógnita até mesmo nos dias de hoje a atribuição direta e definitiva do principal responsável pela construção da Igreja Matriz do Brejo das Almas ou Francisco Sá. Restam apenas especulações que dão conta de que a mesma foi erguida pelo povo numa faixa de dois quilômetros quadrados de terra que foi doada pelo Sargento Mor Jerônimo Xavier ao São Gonçalo. Outra versão dá conta de que a construção desta Igreja foi feita pelo próprio Sargento Mor. Mais verossímil se é que assim podemos chamar, é a narrativa de que a construção da Matriz se deve ao Major Antônio Gonçalves da Silva que motivado por sua esposa, ao erguer um casarão no Arraial do Brejo das Almas aproveitou o ensejo e construiu a Igreja Matriz. Nada no entanto confirma nenhuma dessas versões. O certo é que esta Igreja é a primeira do Brejo, pois a ela o Padre Augusto Prudêncio da Silva que faleceu em 1931 se referia como bicentenária. Havia livros e farta documentação que era guardada no porão que dava acesso ao altar mor entrando pela sacristia à esquerda onde seguramente constava o “registro de nascimento e batistério” de nossa primeira igreja. Todos estes livros e documentos, entretanto, foram queimados propositadamente pelo Padre Salustiano Fernandes dos Anjos, o Padre Salú, que sucedeu o Padre Augusto. É certo, no entanto, que a conclusão daquela pequena capela, hoje nossa Igreja Matriz se deu no ano de 1768. No compulsar de alguns livros podemos encontrar um tal de Joaquim Benedito do Amaral, natural da antiga Serro Frio, colaborando com a construção da Matriz na condição de Mestre de Obras, no ano de 1764 o qual veio a falecer exatamente no ano de sua inauguração, em 1768. Essa ultima versão era sustentada pelo Deputado e ex-prefeito do Brejo Feliciano Oliveira. Repito que nenhuma dessas versões teve sua veracidade confirmada. Muito já pesquisei nesse sentido e hoje é tudo que sei. Apesar de sua má fama o Padre salú foi responsável por importante reforma na Matriz no que tange a parte outrora ladrilhada enquanto que seu antecessor o Padre Augusto com a mão de obra do Carpinteiro Antônio Carapina responde pelos altares mores, abóboda e assoalhos de madeira lá pelos idos de 1914-1915. Ali existiam muitas sepulturas o que indica ter sido aquele local o antigo cemitério do lugar. Durante as escavações daquela área nas administrações do Dr. Paulo Cerqueira e do Dr. João Bawden no sentido de nivelar a praça muitas ossadas humanas foram encontradas.

E tenho dito.

*O autor nasceu no Brejo das Almas.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

BREJO DAS ALMAS - NOVENTA ANOS DE EMANCIPAÇÃO


*Enoque Alves Rodrigues

Recebi do amigo Dr. Charles Luis, convite que muito me honrou para participar dos festejos comemorativos pelos noventa anos de emancipação político administrativa de nossa Cidade de Francisco Sá ou Brejo das Almas. No entanto, compromissos profissionais impossibilitam minha presença ao evento. Por este motivo, fisicamente distante, envio à minha Cidade e ao meu povo Brejeiro, as mais sinceras e cordiais felicitações seguidas de algumas singelas palavras.

Ao comemorarmos, festivamente uma data tão importante para o calendário de nossa terra e de nosso povo, não podemos nos esquecer daqueles que um dia lutaram e muitas vezes tombaram no sentido de que tudo isso que hoje vivenciamos se realizasse. Os grandes homens que hoje conduzem com eficiência os destinos deste nosso pujante Município rumo a excelência em todos os seus aspectos, foram, de igual forma, precedidos por outros empreendedores contumazes que deixaram para todos nós, brejeiros, seus pósteros, obras magnificas, indissociáveis de suas impolutas figuras. Sensíveis que somos a tudo o que se encontra a nossa volta, no brejo ou fora dele, não nos é preciso seguir uma cronologia exata para nos depararmos com aqueles que deram os primeiros passos na construção de nosso Município para que ele se transformasse no que hoje é. Certamente que indispensáveis se fizeram as incontáveis idas e vindas de muitos Joãos de barro ás Lagoas que antes existiam em busca da principal matéria prima com a qual dariam início à edificação de um amontoado de pequeninas casas que se chamaria Brejo das Almas e depois Francisco Sá.

A história do Brejo começou em 1704. Engana-se quem pensa que a história de um Município só se inicia quando ele atinge a sua emancipação. A emancipação é apenas uma etapa no processo histórico de desenvolvimento político, cultural, social e econômico de um núcleo demográfico e sua respectiva geografia.

Da chegada a estas plagas na tarde do dia 02/11/1704 acompanhado por vinte homens, de um Sertanista de nome Antônio, Paulista de Santos, filho de Maria Gonçalves Figueira de quem herdou o sobrenome e de Manoel Afonso Gaia, remanescente da expedição de um certo Fernão, até o primeiro tremor no dedo indicador de um Coronel de nome Jacinto que acusaria, tempos depois, a presença do Parkinson, durante acirrada discussão na Câmara Municipal da bela MOC, cuja pauta era exatamente a aprovação do projeto de lei que emanciparia (07/09/23) o Brejo das Almas, ou Francisco Sá (17/12/38), muitas águas rolaram no Gorutuba e no São Domingos.

De 08/01/38 desencarne de Jacinto ao decreto lei 148 de 17/12/38 transcorreram-se onze meses. Promoveu a alteração toponímica do Município de São Gonçalo do Brejo das Almas para Francisco Sá, ilustre Ministro de Viação, mas que ao contrário do grande Jacinto, nada fizera pelo Brejo. Ao invés de aproveitarem o calor dos acontecimentos da perda irreparável do grande Líder, oferecendo à Cidade pela qual lutou e finalmente emancipou, o seu nome, deram a ela o nome de alguém muito importante para o Brasil, mas insignificante para o Brejo.

Do inicio da emancipação feminina em 1940 à construção do Mariquinha Silveira que foi concebido nos anos 1950 onde foi criado o curso ginasial que preparava as mulheres para uma nova vida até então restrita a lavoura e cuidar da casa, foram dois lustros. Da transformação e mudança de nome do Mariquinha Silveira para Tiburtino Pena na década de 1960 foi um pulo. Da implantação do curso do Magistério no Tiburtino Pena em 1965 que capacitava as nossas deusas brejeiras a voos mais altos no campo do intelecto até a formação da primeira turma de normalistas em 1967 passaram-se dois anos somente. Do luto velado e permanente das viúvas até a participação ainda que tímida do divino ser brejeiro (mulher) na política local foi uma eternidade. Pouco mais de uma dezena de nossas guerreiras chegaram à Vereança. Em 2004 tivemos no Brejo a primeira candidata mulher á Prefeitura. Vários partos de porco espinho se deram para que tudo isso se tornasse realidade. Barreiras e entraves até curiosos, pacientemente, superados, fundem a história da emancipação da mulher brejeira com a do próprio Brejo. Não, nenhum machismo: o mundo era assim e não sei se você sabe, o nosso brejo querido é parte integrante do mundo.

Das missas rezadas em latim nos áureos tempos do despojado Augusto á modernidade da igreja do abastado Silvestre, muitos badalos bateram. A centenária palmeira, postada ali, silenciosa, a guisa de atalaia não me deixa mentir.

Da fartura do ouro branco (algodão e alho) dos meus tempos de menino ás secas que esturricavam o solo sob o pipocar de mamonas e fretenes tristes das cigarras não se passou muito tempo. Somente 18 anos, mas que foram suficientes para me tangerem da vida cotidiana do Brejo que até hoje, seguramente, ainda “lamenta” a minha perda, não obstante não existir ali uma vivalma sequer que me conheça pessoalmente. Quanto a mim, então, mesmo tendo conseguido tudo que quis mediante trabalho árduo, mas que me apraz, devo dizer, sem falso romantismo, que continuo escutando o gorjear dos pássaros brejeiros, o barulho de todos os rios que o banham, o cantar da juriti e das revoadas de suas maritacas, assim como do coaxar vespertino de “meu igual” cururu na Lagoa das Pedras de antanho.

Quantas eleições foram ganhas com a palavra dada e cumprida apenas com o fio do bigode? Do mesmo jeito quantas eleições foram perdidas por que alguém deixou de cumprir promessas vazias feitas no afã de iludir o povo, soberano em sua sabedoria?

Enquanto isso, na velha Câmara, de Jacinto a Rogério, de Augusto a Gentil, de Francelino a Jacinto, o Teixeira, de Zé de Deus a Euler, de Adalberto a Valda, de Zé Nunes a Alineu, de Idalino a Ronaldo apenas para citar alguns, até os dias atuais quantos projetos, simples e polêmicos foram aprovados ou deixados de aprovar debaixo de acaloradas discussões?

E na prefeitura do mestre Benfica? Quantos já se passaram? O que fizeram ou deixaram de fazer?

E no São Dimas, quantas vidas foram salvas? Quantas pereceram? Se salvas, é o estado se fazendo presente no amparo ao Cidadão pagador de impostos. Se perdidas, aonde, Deus, se achava o estado? O que aconteceu? Por que diabos deixou que o Cidadão Brejeiro morresse? Bem, é fácil de explicar: Cidadãos morrem aqui e em qualquer lugar, até mesmo na Suíça! Ok, parcialmente de acordo, mas você vive na Suíça ou no Brejo? Então: por mim ninguém morreria em parte alguma, mas se alguém tem de morrer desamparado que não seja em meu Brejo, uai?

Acalmem se, por favor... Chega de urticárias... Não empurrem... Vamos devagar por que eu tenho pressa. Mas ainda não acabei...

Dos digníssimos homens públicos do passado sobre os quais falei acima ao mais vil e reles que constrangeu e decepcionou a nossa gente até o palanque comemorativo das atuais festividades onde desfilam consciências imaculadamente límpidas e comprometidas com as causas dos menos favorecidos, revezando-se em seus comedidos discursos onde não tem vez e voz as vaidades e promoções pessoais mais apenas às alusões ao que representa este dia 07 de setembro de 2013 para o nosso lugar, quanto tempo se passou? Muito, mas valeu a pena!

Portanto, regozijam-se Brejeiros. Saiam ás ruas em desfile e brindem essa data. Temos muito que comemorar. Os tempos são outros. As mudanças que se faziam necessárias estão, aos poucos, se processando. Estejam certos que o amor filial que vocês demonstram á querida mãe que se chama Brejo das Almas é recíproco e verdadeiro. A jovem e bem cuidada senhora de noventa anos, alegre e feliz, comovida e carinhosamente lhes agradecem.

E tenho dito.

*O autor nasceu no Brejo.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Parabéns, Brejo das Almas - Uma Jovem Senhora de 90 anos!



 Alô brejeiros, alô Brasil!

*Enoque Alves Rodrigues

 Francisco Sá, o nosso querido Brejo das Almas, ao norte de Minas Gerais, estará completando no dia da Independência

do Brasil,  90 anos de sua emancipação político administrativa (07/09/1923-24). 

Não percam a singela homenagem que este filho distante fará à terra mãe que lhe serviu de berço.

Apresentarei uma série de fragmentos retrospectivos além de atualizar os fatos aos dias de hoje.

Conheçam um pouco mais de Francisco Sá, MG.

Aguardem!

Um abraço a todos e até o dia 07 de Setembro quando nos encontraremos neste mesmo prefixo.

Enoque.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

HISTÓRIA BREJEIRA I – INÍCIO DO SÉCULO XX


*Enoque Alves Rodrigues
O deputado Camilo Prates visitava seu Compadre e fiel correligionário, o coronel Olímpio Dias em sua residência de Brejo das Almas, ou Francisco Sá, que se preparava para mais uma
eleição. A agitação era geral e comícios pipocavam por todos os lados. As duas únicas forças políticas que ditavam a ordem naquela pequena localidade e que, portanto, traçavam os destinos do
povo brejeiro era exatamente o Coronel Olímpio Dias apoiado pelo deputado Camilo Prates e o Coronel Jacinto Silveira que por sua vez tinha o apoio do deputado Doutor Honorato José Alves cuja base eleitoral, assim como a base eleitoral de Camilo Prates, ficava em Montes Claros.
Ao contrário do que ocorre hoje em muitas regiões do Brasil dito civilizado, onde adversários políticos são também ferrenhos inimigos no campo pessoal, aqueles dois baluartes da política brejeira eram, antes de tudo, grandes amigos, ou melhor, eram compadres. Divergiam apenas e tão somente em suas ideologias político-partidária. Suas diferenças ficavam ali. No mais eram cordiais, respeitadores e afetuosos no trato mútuo. Frequentava um a casa do outro onde o assunto com certeza não era política, por que naquelas ocasiões tratavam apenas de amenidades, pois também não era costume falar mal da vida alheia.
Entretanto, nos dias de eleições postavam-se cada qual em um lado da entrada da única secção eleitoral existente e “observavam” o eleitor desde a sua chegada à secção até a saída, de maneira que finalizada a votação já se sabia de antemão quem havia sido o eleito. Hoje isso é ilegal não obstante sabermos que ainda campeiam ilícitas e grosseiras artimanhas, apesar do grande advento cibernético eleitoral onde se realizam apurações de milhões de sufrágios em algumas horas. Somos pioneiros nesta tecnologia a qual exportamos para Países econômica e socialmente desenvolvidos, mas que quase nada avançaram nesta direção.
Bem, voltemos à visita de Camilo a Olímpio no Brejo das Almas naquela tarde quente outonal. Antes quero ressaltar que a distância de dez léguas ou sessenta quilômetros que separam Montes Claros onde vivia o Doutor Camilo do centro do Brejo onde residia o Coronel Olímpio ainda era percorrida no lombo de cavalo. Somente depois de muito tempo é que o Dr. Camilo adquiriu seu primeiro possante: um “fordeco” de bigodes.
Após passar pela Fazenda na encosta do morro do mocó adentrou, por fim, o lugarejo. Parou na fazendinha de “Sá Jacinta” uma anciã de setenta anos que tinha algumas vacas leiteiras. Lá bebeu água e trocou alguns dedinhos de prosa com a dona da casa. Passou pelo Largo do Comércio e na Farmácia de Francelino, tomou uma pitada de bicarbonato e rumou finalmente para o casarão que se localizava próximo ao antigo mercado onde o anfitrião já o esperava no alpendre. Efetuados os formais cumprimentos seguiram-se para a espaçosa sala de visitas para falarem do assunto do momento. Eleições.
- Como andam as eleições no Brejo, compadre? Indagou Camilo Prates a Olímpio Dias.
- Vai bem, compadre. Mas os eleitores estão muito ariscos. Já não querem mais votar senão mediante alguns agrados!
- Mais isso não está certo... Todo Cidadão tem de exercer o seu dever de votar espontaneamente!
- Pois é, compadre, aqui por estas bandas, as coisas ainda não mudaram nada. Imagine o senhor que na eleição passada além de ter de amargar a derrota ainda perdi quase duzentas cabeças de porcos!
- Mas, o que foi isso?
- Epidemia?
- Não... Foi voto mesmo. Comprei... Paguei mais não levei. O infeliz do eleitor ao invés de me entregar o voto, acabou votando no compadre jacinto que nem pagou nada... Foi só na lábia!
- Mas compadre, isso não existe. Enquanto houver alguém que se propõe pagar haverá sempre alguém pronto para vender.
- Vamos mudar isso?
- Vamos!
Naquela noite grande palanque estava montado no centro do Brejo. O comício, como o próprio nome diz, comia solto e com ele brejeiros homens que votavam e brejeiras mulheres que ainda não votavam, mas lá estavam, saboreavam os apetitosos comes e bebes sendo que os comes compreendiam-se robustos espetos de carne de boi atravessados sobre serpenteante valeta que se perdia de vista. Quanto aos bebes, entendam-se, se possível, a mais pura e destilada aguardente acompanhada de bebida adocicada denominada Cinzano de um tal de Francesco que pelo nome devia ser Italiano.
Lá pelas nove horas da noite antes que aquela “bomba” ou coquetel começasse a explodir, quando o respeitável público presente teria, certamente, dificuldades em reter na cachola algum fragmento do discurso e por consequência não se lembrar do compromisso do voto que firmariam com Olímpio, este, acompanhado de Camilo e mais de uma dezena de candidatos regionais subiram ao palanque.
Enquanto isto, em pequena roda, conversava animadamente, Nezinho Pena, João Caixeiro, Patrício Pena e Estelito, todos comerciantes, além do escrivão de paz Pedro Ferreira.
- Desejo, - iniciou Olímpio seu discurso - agradecer a todos vocês pela massiva votação no pleito anterior, mas que não foi suficiente para me eleger, devido alguns que mesmo tendo empenhado sua palavra de votar na minha pessoa na hora “h” acabaram por votar no outro candidato...
“Muito bem... É isso aí... Temos de votar bem para melhorar o Brejo das Almas. Vamos escolher o homem certo para gerir bem essa joça!” – Respondeu ao fundo um grupinho de comisseiros etílicos contumazes, enquanto Olímpio prosseguia...
- Estou certo que desta vez será diferente, por que espero que todos aqueles que aqui estão desfrutando deste saboroso churrasco regado com o que há de mais puro em termos de bebida votarão em mim. Este momento maravilhoso permanecerá gravado em suas memórias inclusive na hora do grande sufrágio... Vocês se recordarão, certamente, do meu nome na boca da urna, pois estou convicto que ninguém por estes lados foi capaz de lhes proporcionar tão inesquecível regalia.
“Muito bem... É isso ai... Temos de votar bem para melhorar o Brejo das Almas. Vamos...”.
Olímpio escutava aquele grupinho que se manifestava sem uma palma sequer. Mesmo assim sua verve e eloquência se afloravam cada vez mais dando ao seu discurso inusitado e desproporcional entusiasmo.
 Enquanto Olímpio divagava em sua tentativa de empolgar a massa, Nezinho Pena interveio.
- Coronel Olímpio...
- Pois não!
- O senhor não está notando algo errado?
- Não... Não estou!
E utilizando-se de palavras firmes e ríspidas, próprias dos coronéis de antanho, inquiriu.
- Como é que eu vou saber diabo, se você não me explicar?
- Pois é, coronel... O senhor não entendeu... O povo está dizendo que “vai escolher o homem certo para gerir bem o Brejo. Só que o povo não disse que esse homem certo vai ser o senhor!”.
- Puta merda, caralho, é mesmo!
Agora foi a vez de Camilo Prates intervir, jogando uma pá de cal nos sonhos de Olímpio.
- Tá vendo? Não é o que eu lhe disse, compadre? Esse povo não se deixa vender por nada. Política não se faz assim. Vai dar Jacinto de novo!
E deu Jacinto!
É...
Por vezes, ou quase sempre, o melhor atalho é fazer a coisa certa. Quanto ao resto... Bem, o resto você deixa pra lá.
E tenho dito!
*O autor é Brejeiro.
 

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

HISTÓRIA BREJEIRA I – INÍCIO DO SÉCULO XX


*Enoque Alves Rodrigues

O deputado Camilo Prates visitava seu Compadre e fiel correligionário, o coronel Olímpio Dias em sua residência de Brejo das Almas, ou Francisco Sá, que se preparava para mais uma
eleição. A agitação era geral e comícios pipocavam por todos os lados. As duas únicas forças políticas que ditavam a ordem naquela pequena localidade e que, portanto, traçavam os destinos do
povo brejeiro era exatamente o Coronel Olímpio Dias apoiado pelo deputado Camilo Prates e o Coronel Jacinto Silveira que por sua vez tinha o apoio do deputado Doutor Honorato José Alves cuja base eleitoral, assim como a base eleitoral de Camilo Prates, ficava em Montes Claros.
Ao contrário do que ocorre hoje em muitas regiões do Brasil dito civilizado, onde adversários políticos são também ferrenhos inimigos no campo pessoal, aqueles dois baluartes da política brejeira eram, antes de tudo, grandes amigos, ou melhor, eram compadres. Divergiam apenas e tão somente em suas ideologias político-partidária. Suas diferenças ficavam ali. No mais eram cordiais, respeitadores e afetuosos no trato mútuo. Frequentava um a casa do outro onde o assunto com certeza não era política, por que naquelas ocasiões tratavam apenas de amenidades, pois também não era costume falar mal da vida alheia.
Entretanto, nos dias de eleições postavam-se cada qual em um lado da entrada da única secção eleitoral existente e “observavam” o eleitor desde a sua chegada à secção até a saída, de maneira que finalizada a votação já se sabia de antemão quem havia sido o eleito. Hoje isso é ilegal não obstante sabermos que ainda campeiam ilícitas e grosseiras artimanhas, apesar do grande advento cibernético eleitoral onde se realizam apurações de milhões de sufrágios em algumas horas. Somos pioneiros nesta tecnologia a qual exportamos para Países econômica e socialmente desenvolvidos, mas que quase nada avançaram nesta direção.
Bem, voltemos à visita de Camilo a Olímpio no Brejo das Almas naquela tarde quente outonal. Antes quero ressaltar que a distância de dez léguas ou sessenta quilômetros que separam Montes Claros onde vivia o Doutor Camilo do centro do Brejo onde residia o Coronel Olímpio ainda era percorrida no lombo de cavalo. Somente depois de muito tempo é que o Dr. Camilo adquiriu seu primeiro possante: um “fordeco” de bigodes.
Após passar pela Fazenda na encosta do morro do mocó adentrou, por fim, o lugarejo. Parou na fazendinha de “Sá Jacinta” uma anciã de setenta anos que tinha algumas vacas leiteiras. Lá bebeu água e trocou alguns dedinhos de prosa com a dona da casa. Passou pelo Largo do Comércio e na Farmácia de Francelino, tomou uma pitada de bicarbonato e rumou finalmente para o casarão que se localizava próximo ao antigo mercado onde o anfitrião já o esperava no alpendre. Efetuados os formais cumprimentos seguiram-se para a espaçosa sala de visitas para falarem do assunto do momento. Eleições.
- Como andam as eleições no Brejo, compadre? Indagou Camilo Prates a Olímpio Dias.
- Vai bem, compadre. Mas os eleitores estão muito ariscos. Já não querem mais votar senão mediante alguns agrados!
- Mais isso não está certo... Todo Cidadão tem de exercer o seu dever de votar espontaneamente!
- Pois é, compadre, aqui por estas bandas, as coisas ainda não mudaram nada. Imagine o senhor que na eleição passada além de ter de amargar a derrota ainda perdi quase duzentas cabeças de porcos!
- Mas, o que foi isso?
- Epidemia?
- Não... Foi voto mesmo. Comprei... Paguei mais não levei. O infeliz do eleitor ao invés de me entregar o voto, acabou votando no compadre jacinto que nem pagou nada... Foi só na lábia!
- Mas compadre, isso não existe. Enquanto houver alguém que se propõe pagar haverá sempre alguém pronto para vender.
- Vamos mudar isso?
- Vamos!
Naquela noite grande palanque estava montado no centro do Brejo. O comício, como o próprio nome diz, comia solto e com ele brejeiros homens que votavam e brejeiras mulheres que ainda não votavam, mas lá estavam, saboreavam os apetitosos comes e bebes sendo que os comes compreendiam-se robustos espetos de carne de boi atravessados sobre serpenteante valeta que se perdia de vista. Quanto aos bebes, entendam-se, se possível, a mais pura e destilada aguardente acompanhada de bebida adocicada denominada Cinzano de um tal de Francesco que pelo nome devia ser Italiano.
Lá pelas nove horas da noite antes que aquela “bomba” ou coquetel começasse a explodir, quando o respeitável público presente teria, certamente, dificuldades em reter na cachola algum fragmento do discurso e por consequência não se lembrar do compromisso do voto que firmariam com Olímpio, este, acompanhado de Camilo e mais de uma dezena de candidatos regionais subiram ao palanque.
Enquanto isto, em pequena roda, conversava animadamente, Nezinho Pena, João Caixeiro, Patrício Pena e Estelito, todos comerciantes, além do escrivão de paz Pedro Ferreira.
- Desejo, - iniciou Olímpio seu discurso - agradecer a todos vocês pela massiva votação no pleito anterior, mas que não foi suficiente para me eleger, devido alguns que mesmo tendo empenhado sua palavra de votar na minha pessoa na hora “h” acabaram por votar no outro candidato...
“Muito bem... É isso aí... Temos de votar bem para melhorar o Brejo das Almas. Vamos escolher o homem certo para gerir bem essa joça!” – Respondeu ao fundo um grupinho de comisseiros etílicos contumazes, enquanto Olímpio prosseguia...
- Estou certo que desta vez será diferente, por que espero que todos aqueles que aqui estão desfrutando deste saboroso churrasco regado com o que há de mais puro em termos de bebida votarão em mim. Este momento maravilhoso permanecerá gravado em suas memórias inclusive na hora do grande sufrágio... Vocês se recordarão, certamente, do meu nome na boca da urna, pois estou convicto que ninguém por estes lados foi capaz de lhes proporcionar tão inesquecível regalia.
“Muito bem... É isso ai... Temos de votar bem para melhorar o Brejo das Almas. Vamos...”.
Olímpio escutava aquele grupinho que se manifestava sem uma palma sequer. Mesmo assim sua verve e eloquência se afloravam cada vez mais dando ao seu discurso inusitado e desproporcional entusiasmo.
 Enquanto Olímpio divagava em sua tentativa de empolgar a massa, Nezinho Pena interveio.
- Coronel Olímpio...
- Pois não!
- O senhor não está notando algo errado?
- Não... Não estou!
E utilizando-se de palavras firmes e ríspidas, próprias dos coronéis de antanho, inquiriu.
- Como é que eu vou saber diabo, se você não me explicar?
- Pois é, coronel... O senhor não entendeu... O povo está dizendo que “vai escolher o homem certo para gerir bem o Brejo. Só que o povo não disse que esse homem certo vai ser o senhor!”.
- Puta merda, caralho, é mesmo!
Agora foi a vez de Camilo Prates intervir, jogando uma pá de cal nos sonhos de Olímpio.
- Tá vendo? Não é o que eu lhe disse, compadre? Esse povo não se deixa vender por nada. Política não se faz assim. Vai dar Jacinto de novo!
E deu Jacinto!
É...
Por vezes, ou quase sempre, o melhor atalho é fazer a coisa certa. Quanto ao resto... Bem, o resto você deixa pra lá.
E tenho dito!
*O autor é Brejeiro.