domingo, 27 de março de 2011

AS JOIAS DO BREJO VII– DONA QUINÓ


Enoque Alves Rodrigues


É possível que muitos dos meus conterrâneos do Brejo das Almas, Francisco Sá, “beldade do norte de minas”, ainda se lembrem da pensão da dona Quinó। Ela se localizava na hoje movimentada alameda principal, em cujas lojas transitam ainda hoje desde a mais pura nata brejeira à plebe cada vez mais empobrecida, em busca de novidades e bens necessários। Por ali, obrigatoriamente se movimenta desde o topo à base da pirâmide econômica e social do Brejo das Almas। A verdade é que este “point”, desde os mais longínquos e remotos tempos, sempre foi o mais agitado de Francisco Sá। Outrora, todos os ônibus procedentes de Salinas, Taiobeiras, Grão Mogol com destino a Montes Claros passavam por ali। As linhas que tinham como ponto final o Brejo de todas as Almas, paravam exatamente em frente à pensão da dona Quinó, onde os motoristas e passageiros pousavam em pernoite, no aguardo de partirem no dia seguinte em seus ônibus em busca de seus destinos, sabe-se lá Deus, aonde। As distancias naquela época eram indiscutivelmente muito mais longas do que o são hoje। A maioria fazia os percursos em lombo de cavalo, pois em muitas estradas devido a suas precárias condições de conservação, eram inacessíveis a ônibus ou qualquer outro elemento rodante। Predominavam, quando se queria observar um desses gigantes em movimento, aperfeiçoados que foram pelo americano Henry Ford, somente as famosas “federais” (estradas de terra batida e depois asfaltadas que rompiam os sertões, feitas pelo Governo Federal), ou, claro, os centros das cidades। Era muito divertido. Falava eu, sobre a dona Quinó, minha “jóia brejeira” homenageada na crônica de hoje. Mulher bonita, estatura mediana, tez meio parda (existe esta definição?). Não importa. Comunicativa, tonalidade de voz alta (tipo italiano), mas pausado, próprio de nós mineiros. Vestia-se despojadamente, mas seus colares e pulseiras em ouro muitas vezes a assemelhavam as damas da elite do brejo daquela época. No peito sempre a pulsar um lindo e bondoso coração. Tinha grande vocação para a caridade. Por isso, no exercício de suas funções como dona daquela pensão, objetivava sempre a colaboração antes dos lucros e dividendos financeiros auferidos, sob trabalho árduo. Levantava-se ás 4 horas da manhã e já partia para a luta. Mesa posta com desjejum para os hóspedes, rumava-se para o mercado velho onde fazia as compras dos gêneros alimentícios, frutas, verduras, legumes, etc., sempre fresquinhos. Preparava, artesanalmente, o almoço que era servido pontualmente, ás 11 horas. Tempero igual o da dona Quinó, jamais vi ou saboreei. Talvez somente o tempero de minha santa avozinha, a dona Justina, que Deus a tenha em sua Santa Glória se equiparava ao tempero da dona Quinó. Qualquer pessoa que naqueles tempos passasse em frente a Pensão era, fatalmente convidado, a apreciar, inaladamente, claro, os sabores daqueles que eram, sem duvidas, o mais fino tempero mineiro. Já ao longe, ainda na Praça Jacinto Silveira, se sentia o cheiro dos feijões que, entre alhos, cebolas, coentros e outros cheiros verdes produzidos no cinturão verde que rodeavam a minha terra, berço querido da minha infância, tilintavam dentro da panela de ferro ainda na primeira fervura. A cada fritura de bifes, o brejo parava... O cidadão, se enfermo, sarava, aleijados andavam e os cachorros, desesperadamente, latiam. Os transeuntes não tinham nenhuma outra escapatória senão pararem-se, com seus olfatos aguçados em frente à pensão, no aguardo dos acontecimentos. Ou quiçá de um convite inesperado da dona, para entrarem e, de repente, saborearem alguns pequenos bocados daqueles manjares dos Deuses das Alterosas. A dona Quinó reinava absoluta na arte da cozinha. Ela era poderosa nesta arte milenar e tinha total conhecimento disso. Por isso, muitas foram às vezes que a vi prestar estas verdadeiras homenagens a algumas pessoas ali aglomeradas, quando preparava pequenas marmitas e ofereciam-nas. Aliás, jamais consegui entender por quais mistérios aquela bondosa senhora conseguia manter e levar adiante aquela pensão. Ela tinha, – desculpem-me se utilizo o verbo no passado ao referir-me a dona Quinó. Fazem tantos anos que a vi, que não sei se ela ainda vive entre nós-, uma forma hoje muito rara e peculiar de controlar o seu negocio, cuja forma, hoje inexistente: Utilizava-se de uma velha caderneta para registrar nela o velho e impoluto “fiado”. Naqueles saudosos tempos, quando a mosca velhaca do capitalismo desumano e selvagem ainda não havia picado o homem, a palavra, uma vez dada, tinha muito mais peso e força que qualquer documento escrito, assinado, carimbado e registrado. Lembro-me, e olha que eu só tenho 57 aninhos, do meu avô vendendo e comprando gado, lá na sua fazenda “Terra Branca”, perto de Cana-Brava. Era mais ou menos assim: “traga aqueles garrotes que eu vi com o senhor ontem na sua fazenda que daqui a quatro meses, no dia X eu lhe pago”. Não dava outra! Motoristas, cobradores, boiadeiros, tropeiros, carregadores do velho mercado, que ali faziam ponto, comiam, bebiam e dormiam. Tudo na base do fiado. No final do mês, ao receberem seus proventos, lá estavam todos, em fila indiana, saudando os seus compromissos com aquela grande senhora, de bondade impar. O casarão onde antes ficava a pensão da dona Quinó ainda resiste ao tempo. Há dois anos quando em sua frente estive, permanecia forte e inabalável, assim como um dia o fora a sua primeira dona. Belos tempos, aqueles... É... Por vezes, a maior e mais perfeita lembrança que repousa em nosso recôndito se faz presente nas coisas mais simples e naturais, possíveis. Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Queridos leitores: informo que estarei publicando minhas crônicas a Francisco Sá também neste blog:http://enoquerodrigues-earodrigues।blogspot.com/

domingo, 20 de março de 2011

AS JOIAS DO BREJO VI – ROGÉRIO DA COSTA NEGRO

AS JOIAS DO BREJO VI – ROGÉRIO DA COSTA NEGRO

Enoque Alves Rodrigues

Antes que algum conterrâneo ou leitor pense que eu me esqueci de alguma das muitas jóias produzidas pelo Brejo das Almas, devido ainda não tê-las publicado nesta serie de crônicas, quero me antecipar informando que esta serie é dividida por etapas. Ou seja, na primeira etapa estão elencadas “as jóias do brejo”, na segunda, “as jóias raras do brejo” e na terceira e ultima, “as jóias raríssimas do brejo”. Independente da ordem de grandeza,  saliento que todas as jóias aqui relatadas, tiveram, resguardadas as devidas proporções, importância fundamental no cotidiano do velho Brejo das Almas. Todas elas, todos nós, inclusive este humilde operário da engenharia a qual se dedica arduamente em tempo integral e que ainda busca tempo para, com todo o amor e orgulho falar de sua terra querida, somos todos indispensáveis à vida do Brejo das Almas. Vamos então ao querido Rogério da Costa Negro.
Quando aos 7 de setembro do ano de 1924 se instalou o Município de Brejo das Almas a sua Câmara Municipal se constituía de 8 vereadores. Um deles que depois viria a ser presidente da câmara era Rogério da Costa Negro.
Nascido em Grão Mogol, no ano de 1889, filho de um rico português com uma criada, Rogério jamais fora reconhecido pelo pai. Ainda jovem, com a mãe mudou-se para o Brejo das Almas. Lá chegando, com muita dificuldade, abriu um pequeno comércio de uma porta só, onde colocava algumas peças de tecidos para vender. Não demorou muito e graças à dedicação e tino comercial de Rogério, aquela pequenina loja de transformou em um grande conglomerado de empresas no ramo de tecidos recebendo o pomposo nome de “Casa Branca & Costa Negro”.
Rogério da Costa Negro progredia a olhos vistos. Possuía agora grandes fazendas de gado, plantações de diversas culturas a perderem-se de vista. Jovem, rico, bonito e famoso, ainda exercia grande influencia na política do lugar, Rogério não tinha do que reclamar.
A sorte sem dúvida alguma o bafejara. A vida, com toda certeza lhe sorrira. Será?
Ainda jovem, no ano de 1925 construiu um luxuoso casarão com grande e aclimatado jardim de inverno e janelas com vitrais azuis, na Praça Duque de Caxias. Era indiscutivelmente a melhor e mais bem projetada residência do Brejo das Almas de então. Muitas festas eram dadas naquele rico e imponente casarão.
Juiz de Paz, tinha ele o poder de mandar prender e soltar, presidente da câmara e outras atividades, Rogério fazia sucesso junto ao universo feminino. Onde quer que chegasse causava o maior frisson. Sempre perfumado, roupas impecáveis, sapatos lustrados, não tinha para mais ninguém.
Não demorou muito e Rogério da Costa Negro conheceu e casou-se com Isméria com quem teve cinco filhos. Algum tempo depois não resistindo aos encantos de uma beldade de beleza brejeira estonteante, de nome Raimunda, não pensou duas vezes e com ela teve também cinco filhos.
Rogério se auto-intitulava amante de mulheres, músicas e flores. Boêmio até a medula, varava noites e madrugadas em boates onde, despojadamente, distribuía gordas e polpudas gorjetas aos cantores e mulheres animadas. Saia da boate e se dirigia a sua linda residência, sempre acompanhado por famosa orquestra da época denominada “turma do sereno”. Rogério chegava, subia aos seus aposentos ao som de sua música preferida “sonho azul” e da janela ouvia os cantos embaixo e de lá mesmo jogava para os cantores várias cédulas de dinheiro. É claro que ninguém arredava pé dali. A fonte era muito pródiga e inesgotável.
Inseri propositadamente uma interrogação no final do parágrafo “a vida com toda certeza lhe sorrira. Será?
Pois é. Tudo na vida se acaba. Com Rogério não foi diferente. Diante dos obstáculos naturais que a vida nos coloca, Rogério acabou por derrapar em uma das muitas curvas da estrada. Com muitos filhos, agora casados, todos eles educados nas melhores escolas, gastos incontroláveis com futilidades, desperdícios infindáveis, farras homéricas, não demorou muito para que o sólido patrimônio de Costa Negro começasse a se esvair. A virar pó, literalmente. Dali a falência total foi um pulo. O golpe de misericórdia que culminou com a venda de suas fazendas de gado, plantações, e da própria loja de tecidos, foi dado por um de seus filhos que havia contraído grande divida, cabendo a Rogério paga-la a fim de preservar o bom nome da família. Pouquíssimo tempo depois, até mesmo o lindo casarão de estilo colonial onde ele vivia com a família, foi dividido em pequeninos cômodos que eram alugados para pequenos comerciantes.
Rogério da Costa Negro agora era apenas um pobre velho trôpego e alquebrado. De toda a sua imensa prole, somente Edinha, sua filha doente e solteira, restou para lhe fazer companhia. Rogério, mesmo diante da situação de penúria ainda mantinha o espírito elevado e a alma tranqüila. Conservava toda a elegância, brilho no olhar, coragem e determinação de seus agora longínquos tempos de juventude e grande riqueza.
No dia 20 de Novembro de 1977, numa bela manhã primaveril, Rogério da Costa Negro partiu desta vida em direção a uma melhor, onde, para os que assim como eu, acreditam, as riquezas conquistadas aqui na terra mediante o esforço dedicado ao amor ao próximo, a benevolência, a tolerância, a caridade e principalmente o desapego as coisas materiais, jamais se acabam. São eternas.
Comovida, a gente brejeira fez-se presente em peso para dar o último adeus aquele que muito significou para o brejo. A multidão que acompanhava o cortejo de Rogério cantando sua música preferida “sonho azul” era tão grande que dava-se a impressão que nas casas do brejo não havia sobrado mais ninguém. No sepultamento a comoção era geral e incontrolável. Ao baixar o caixão ao fundo do túmulo, pétalas de rosas e aromáticos perfumes eram lançados sobre o mesmo juntamente com lágrimas de gratidão.
Rogério, certamente, agradecido pelas dádivas que ele mais admirava em vida, sorria a todos, de algum ponto invisível a olho nu do infinito.
É...
Por vezes, a maior e mais perfeita riqueza que podemos conquistar não se retém nas mãos, mas no mais além.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.