CENAS BREJEIRAS 7 – MARIANA PERES
*Enoque Alves Rodrigues
Ela estava decidida. Não ficaria
nem mais um minuto ali. Dificuldades extemporâneas à sua rotina e a atual
decepção amorosa a estavam escorraçando de sua linda e querida Lagoinha,
pequena comunidade pertencente ao Município de Brejo das Almas ou Francisco Sá,
ao norte de Minas Gerais, onde nascera. Nenhuma oportunidade de estudos tivera.
Mariana Peres tinha as mãozinhas calejadas pela lide pesada na lavoura de onde
tirava o sustento próprio e de sua prole constituída com Juca Peres composta de
oito boquinhas nervosas.
Juca, caboclo forte e destemido,
pau pra toda obra, sempre pronto a ir à luta em busca de dias melhores agora
estava desmotivado e já não se dedicava ao trabalho e a família com a mesma intensidade
de antes. Autoestimas pífias aproximavam aquele brejeiro da inércia total. De
repente ele que era um batalhador incansável começou a encostar o corpo. Foi em
uma de suas muitas idas ao centro de Francisco Sá que aquela mudança inesperada
se apoderou dele. Agora, levantava-se de manhã e ao invés de ir para a roça, já
com o mato a invadir as plantações, o fazia pelos caminhos dos botecos brejeiros,
ou especificamente no humilde, mas sempre badalado “pé na cova” aonde se enturmava com outros desocupados bebuns. Lá
ele passava todo o dia lamentando a sina e degustando as “detonam fígado” de então. Ali ele marcava o ponto. Era, por mais
incrível que pareça, naquele paraíso ás avessa que ele encontrava o sossego
almejado.
Não adianta buscar no campo da
psicologia uma explicação lógica e racional que permita definir com clareza necessária
o que se passa na mente humana. Tampouco, nem mesmo Sigmund, conseguiu entender os motivos capazes de arrebatar alguém
de uma vida simples e pacata, mas digna e cheia de sonhos e perspectivas, atirando-o
ao mais triste e tenebroso atoleiro de dúvidas e incertezas. Ocorre que o nosso
cérebro é habitado por vários mundos, sendo quase todos eles impenetráveis.
Pois é. Imaginemos então que as ideias de nosso amigo e conterrâneo Juca Peres,
de Lagoinha, estavam uma verdadeira quiçaça assim como na quiçaça estavam suas
roças que reclamavam sua presença, pois há muito tempo não viam o fio da
enxada, nem ouviam o seu tilintar contra as pedras na defesa das viçosas
floradas sem as quais vargem alguma vingaria, comprometendo, assim, quaisquer
quesitos relacionados à colheita e fartura. Juca havia mergulhado de cabeça na
bebida e ociosidade e agora não conseguia sair do marasmo que tornou sua existência.
Aliás, na verdade, não saia por que nenhuma força de vontade tinha. Entregou-se
inteiramente ao vicio e agora via escapar por entre os dedos eventuais
oportunidades que a vida, porventura, lhe havia reservado. Não há, no modesto raciocínio
deste escriba, nada que antes tenha sido arquitetado por qualquer plano,
impassível aos nossos próprios desejos de mudar ou transformar. A vontade que
nos impulsiona a seguir adiante é a mesma que nos leva a mudar aquilo que está
à nossa volta, adequando-o ao nosso “modus
vivendi”. Mais Juca não queria sair do lamaçal. Fazer o que?
Por conta destes motivos vemos
agora Mariana lamentando a sorte que ela não escolheu. Estava, aquele divino
ser, entre a cruz e a caldeirinha. Mas ela tinha de fazer alguma coisa. E fez.
Ao retornar certo dia de mais uma
bebedeira Juca encontrou a casa vazia. Mariana foi embora com as crianças. Mudou-se
para Grão Mogol distante aproximadamente setenta e seis quilômetros do Brejo.
Juca até que a procurou durante alguns dias, mas depois desistiu de vez. Ai foi
que a coisa entornou mesmo. Juca afundava cada vez mais na bebida pela qual
trocou seu Sitio com todas as roças e algumas cabeças de gado. Depois de beber
tudo que tinha tornou-se indigente. Morador de rua. Elegeu como seu “point” a escada, de apenas três degraus,
da antiga Igreja de São Gonçalo, no centro do Brejo. A todos quantos ali
transitavam mendigava uma moeda para, segundo dizia, comprar um pão para matar
a fome.
Compadecido do deplorável estado de Juca, certa ocasião o grande Feliciano
Oliveira, cujos pais eram donos de fazendas na região, convidou-o para
colaborar com os mesmos nas tarefas diárias da fazenda e em troca receberia um
soldo a cada fim de mês.
Quem de longe observasse veria, por
certo, o segundo personagem desta verídica história ocorrida no Brejo das Almas
no inicio da década de 1960, se esvaindo em lágrimas, procurando, improficuamente,
lá no fundo de seu limitado vocabulário palavras de gratidão àquela mão
salvadora. No dia seguinte Juca
amanhecia na fazenda dos pais de Feliciano, dedicando-lhes toda a sua longa
existência no árduo trabalho não mais voltando ao vicio da bebida. Foi
eternamente grato a Feliciano a quem jamais decepcionou.
Enquanto isso, em Grão Mogol,
Mariana refazia sua vida. Contraiu novas núpcias e a prole só fez aumentar. Com
quarenta anos era mãe de doze filhos. Quase todos, exceto um, Djalma, o mais
velho, viviam com ela. Firmino Ferreira, seu atual esposo era um sujeito de
posses e não deixava que nada faltasse a Mariana e aos meninos. Mariana estava
muito feliz. Pudera, ela não se acomodou. Correu atrás da própria felicidade e
agora em idade madura a alcançava. Que bom. Finalmente, depois de vários
trancos, a vida agora lhe sorria.
Será?
Residiam na Rua Alfredo Colares no
Centro de Grão Mogol. Manhã de uma primavera de pouco verde. Era outubro de
1961. Saudosa de sua Lagoinha, lá estava ela a visitar parentes. De lá se
dirigiu ao velho Centro do Brejo das Almas. Às quinze horas encontramos aqueles delicados
pezinhos, antes rachados, a palmilharem as ruas adjacentes empoeiradas. Passou
em frente à Igreja Matriz e continuou sua caminhada que, no entanto, foi
interrompida abruptamente. Ao chegar diante da Igreja de São Gonçalo, ao fixar seu
olhar em algo, na realidade, um farrapo em forma de gente que se encontrava
estirado sobre o último degrau do solo sagrado, atônita, não conseguia
acreditar no que via. Por alguns instantes permaneceu estática. Teimava em não
aceitar o que o destino cruel lhe reservara. Prostrado ali, à beira de um coma
alcoólico, no mesmíssimo lugar onde antes, num passado distante, se encontrava
o pai Juca, lá estava seu filho mais velho Djalma. Todas as tentativas
empreendidas por aquela mãe desesperada resultaram-se infrutíferas, pois desta
vez o maldito vicio conseguiu vencer, ceifando, três meses depois, a vida do
jovem Djalma.
Carma? Coincidência?
Premeditação? Estava escrito? E, nesse caso, como ficaria a irremovível vontade
de mudar as coisas da qual falei logo atrás?
Uai, sô, quantas perguntas
difíceis de responder! Se nem Sigmund
as responderia, por que eu? Por via das dúvidas... Bem, não vou entrar nessa...
Prefiro não ter opinião formada a esse respeito... Faço meus os seus
pensamentos, comentários e interpretações, mesmo não sabendo quais são... Caititu
fora de manada é papo pra onça.
É...
Por vezes, quando não conseguimos
identificar de pronto à origem de certas provas que a vida nos impõe, o melhor
mesmo é aceita-las, sem questionamentos.
Um forte abraço, brejeiros. Até
mês que vem!
E tenho dito!
*O autor nasceu em Francisco Sá, Brejo das Almas, MG.
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