sexta-feira, 8 de julho de 2011

MINEIRISMO BREJEIRO – JUCA E SATURNINO

Enoque Alves Rodrigues
São Geraldo, 1960. A bela Florisbela, 18 anos, era minha Professora, tendo a Dona Ana Lucila, como substituta, enquanto que minha querida mãe, ser angelical, era Diretora daquele humilde, no entanto, importante, por ser o único, Grupo Escolar. Diminuta casa de  alvenaria de uma porta só, que ficava bem em frente ao cemitério daquele outrora pequenino povoado de São Geraldo, que pertence ao Município de Francisco Sá, ou Brejo das Almas. Nossa casa ficava bem ao lado do Grupo Escolar, tendo como cenário ao fundo, vasto e seco serrado onde de verde restava apenas um antiguíssimo pé de umbu, em cujas copas e folhagens algumas maritacas tagarelavam, sem cessar. O sol ali era abrasador. Mamonas nativas estalavam ao longe demonstrando suas fragilidades diante do calor que se assemelhava a densidade do mesmo que se esvaia das fogueiras das inquisições onde os santos ardiam. A cigarra, incondicional amante da seca, inseria seu cantar a plenos pulmões, a cada intervalo de um pipocar e outro. Era a vida que fluía por aquelas plagas, implacável, mas preguiçosamente...
Na sede do Município, Francisco Sá, Silveira, Oliveira e outros se sucediam. Em Cana Brava Zeca reinava absoluto, enquanto que em Burarama, Enéas, já no final de sua linda e proba existência, ainda dava as cartas como o dono do pedaço e senhor absoluto. Muito fez em defesa de seu povo e de seu torrão que hoje se denomina Capitão Enéas,  a Cidade das avenidas, por suas vastas, planas e bem traçadas ruas, cuja planície, presente da Natureza, por concessão única ou quiçá por descuido dos deuses, àquele abençoado recanto localizado ao norte de Minas, estado que se encontra em quase seu todo, coberto por montanhas e elevações, dai vindo o seu codinome “alterosas”.
Em São Geraldo, Juca e Saturnino ou Saturnino e Juca, conduziam os destinos políticos e econômicos daquela plebe proletária cuja subsistência muitas vezes ou quase sempre, dependia de alguma ação por parte daqueles dois caciques que, cada qual a sua maneira, se desdobrava  no intuito de atender os mais comezinhos reclamos e, por via de conseqüência natural, colher algum dividendo, quer ele político, social ou mesmo convertido num simples massagear de ego.
Logo na entrada do lugarejo ficava o casarão da fazenda de Saturnino, cuja densidade geográfica ia até a metade do lugar. A partir dali entrava-se nos domínios de Juca, com sua grande e assobradada casa, dentro de um grande manguezal,  localizados na saída do povoado de São Geraldo. Eles eram adversários políticos, sendo um da antiga ARENA e o outro do MDB. Evidentemente que nas eleições eles faziam campanhas e Comícios fartos para os candidatos de suas respectivas predileções e assim, ganhava o candidato daquele que conseguia arregimentar aos tais comícios quantidade maior de pessoas.
Será?
Nem sempre!
O certo é que se você fosse visto em Comícios de Saturnino não poderia nem pensar em dar as caras nos Comícios de Juca e, vice-versa. É ai que entrava em cena a grande “expertise” ou jogo de cintura às avessas, do proleta “brejeiro-geraldino” – seria esse o gentílico? Sei lá, não importa! O fato é que a barriga dos frágeis “bacuris” ainda em idade tenra,  reclamava os teores calóricos necessários a uma subsistência digna. Não tinha conversa bonita, não. Era rango no prato e pronto! Nada mais interessava. E como dizia o senhor Madruga, personagem do seriado “Chaves”: “quando a fome aperta a vergonha afrouxa”. E afrouxava mesmo. O caboclo, para não perder a “boquinha” do churrasco fácil com cachaça, o fiado no vendeiro da esquina, a peça de tergal para cobrir as vergonhas da mulher, o emulsão scott para expelir as solitárias das barriguinhas de “mandi de enchente” dos filhos, tinha mesmo que ir à luta. Nem que para isso tivesse que gastar o seu autêntico mineirismo. Quando alguém era pilhado em Comícios adversários, era comum ouvir-se o seguinte diálogo:
- “Vi-o, ontem à noite, no Comício de Saturnino!”
- “Negativo. Jamais estive lá. Era o meu irmão gêmeo!”...
- “Uai, mais você não é o filho único da dona Maria do seu Lalau do açougue?”
- “Sou! Por acaso você não sabe que acabaram de adotar um irmão para mim lá em casa?”
- “Não. Não sei. Tudo que sei é que se o seu irmão é adotado ele não pode ser nenhum gêmeo seu. Portanto, não deveria parecer nada com você!”
- “É que você não entende de genética,  sô!”
“Uai, espere um pouco. Se você esteve ontem no Comício de Saturnino e viu o meu irmão gêmeo, que diabos você está fazendo aqui no Comício de Juca?”
- “E quem foi que lhe disse que eu estive lá?”
- “Uai, mas você acabou de me dizer!”
- “Por acaso eu lhe falei que estive lá, pessoalmente?”
- “Não. Isso você não falou. Você só disse que havia me visto lá. Nada mais!”
- “Então,  pronto. Está tudo explicado... Já ouviu falar num negócio chamado “espírito?”
- “Já!”
- “Pois é, seu bocó,  quem lhe viu ontem a noite, comendo churrasco e bebendo cachaça lá no Comício de Saturnino, foi o meu espírito, enquanto eu dormia!”
- “É verdade, sô. Acabo de me lembrar...” – finalizou o outro agora preocupado em ficar bem na fita: “o sujeito feio, desdentado, faminto e barrigudo que o seu espírito viu lá no comício de Saturnino comendo churrasco e bebendo cachaça também não era eu não. Era o meu espírito, aquele sem-vergonha, que fica batendo pernas por ai enquanto eu durmo como um anjinho.”
É...

Por vezes, o melhor mesmo é fingir-se de morto para não correr o risco de se perder a boquinha.
E tenho dito!
Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá,  Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/

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