ISTO É FRANCISCO SÁ III –
POVO
Enoque Alves Rodrigues
francisco sá - rua do mercado |
Composta por raças, cores e credos miscigenados,
localizada no antigo polígono da seca no norte das Minas Gerais, Francisco Sá,
ou Brejo das Almas é o que podemos classificar como uma verdadeira pérola de
rara beleza, onde as abóbadas celestes se encontram. Nos campos, paisagens
naturais sem igual predominam em toda a extensão de seu vasto território. Rios,
florestas, cascatas e principalmente suas lagoas e brejos incontáveis que,
inclusive justificam seu toponímico, cobrem suas terras férteis, deixando-as
perfumadas pelo orvalho que emana das flores primaveris a cada amanhecer. Gama
infinita de pássaros, de várias espécies, em barulhentas estripulias cantam,
festejando todos os entardeceres. Isto é Francisco Sá, o meu Brejo das Almas
querido.
No perímetro urbano, ou na cidade, e em sua
periferia, casas e casebres exibem em suas janelas e vidraças, pequenos vasos
pintados à cal onde azaleias brancas, rosas e lilases debutam suas formosuras
enchendo os olhos dos passantes e viajores. Isto é Francisco Sá, o meu Brejo
das Almas querido. No centro nevrálgico,
brejeiros transitam por suas ruas num vai e vem sem fim. Olhares fitos e ternos
que vão do confiável ao desconfiável em hiatos curtos e longos em emaranhados
que levam do tudo ao nada e do nada ao tudo, em átimos de segundos aonde todos
se conduzem ou se fazem conduzirem pela ausência plena de qualquer
planejamento, mandando ás favas as complicações que a vida urbana impõe aos
homens que habitam os centros das grandes metrópoles ao redor do mundo. No
Brejo das Almas temos todos nós, as mesmas desenvolturas e graus elevados de
civilidade que permeiam os mais belos e pomposos perfis e personalidades de
nossos iguais mundo afora. Nada, absolutamente nada, possuem além do que nós
possuímos. Há, no entanto, muitos fatores que nós brejeiros temos que,
certamente, não se inserem nas personalidades de nossos iguais que habitam
outras plagas: a simplicidade que beira a ingenuidade. O falar manso e pausado.
O cumprimento caloroso. O trato com o fio do bigode. O Mineirismo que é a
maneira de dizermos tudo sem nos comprometermos com nada, mas que o
interlocutor entende claramente e no final das contas dá tudo certo. O nosso
semblante alegre e saudável. A nossa aparência física misturada com o preto,
branco, índio, mestiço, mulato e outras raças e etnias que nos tornam parecidos
com qualquer um. Transitamos em igualdade de condições e semelhança por todas e
quaisquer sociedades sem corrermos o risco de sermos taxados como diferentes ou
apontados como estranhos. Desigual. Somos, assim, virtuosos e “gigantes pela própria Natureza.” Nós
brejeiros estamos intrinsecamente fundidos ao barro da terra mãe que nos serviu
de berço. Também pudera. O imparcial e desapegado introito, preâmbulo ou
introdução destas mal traçadas linhas nos indicam, já em seu inicio, que não
teríamos como ser de outra forma. O lindo e o belo só podem surgir de origem
congênita e semelhante. É, então, por isso que somos assim.
É possível que existam em meio ao povo Brejeiro
alguns que não se vejam enquadrados nestes perfis de personalidade e caráter.
Talvez, quem sabe, se possa atribuir esta não percepção à busca incansável do
dia a dia por condições de vida melhores a que todos nós estamos sujeitos. Não
importa. Tendo ou não a consciência do que se expõe, é fato inquestionável que,
queiramos ou não, somos exatamente desse jeito. Ou seja, somos bonitos, belos,
feios, pretos, brancos, inteligentes, burros, etc. A massa com a qual fomos
moldados é esta. Viram, pelos vários porquês, que só temos motivos para nos
orgulharmos cada vez mais de nossa simplicidade de ser? Uai, mas esta
terminologia de se orgulhar de ser simples não nos remete a deselegância, ou falta
de polidez, comedimento e brandura, que nos recomenda evitar sempre as
referências pessoais e endeusamentos abomináveis ao mundo dito civilizado? Sim.
É verdade! Mas não podemos ficar aqui enclausurados matutando sobre todas estas
nossas belezas apenas com os nossos botões. Há momentos que necessário se faz
nos manifestarmos sobre este ou aquele tema, mesmo sendo nós próprios o foco como
no caso em tela. A nossa terra, o nosso berço, as nossas raízes, são motivos
inquestionáveis das alegrias e entusiasmos que nos aprazem. Isto é Francisco
Sá, o meu Brejo das Almas querido. Isto é ser brejeiro autêntico, vivendo ou
não no Brejo. Ser Brejeiro não consiste somente em ter nascido no Brejo, dormir
e acordar nele. Nada disso: ser brejeiro é, antes de tudo, estado de espirito.
É, sim, sairmos do Brejo sem que o Brejo saia de nós. É mantermos
imaculadamente incólumes, os nossos costumes. É preservarmos e sermos fiéis as
nossas tradições por onde quer que andemos.
Ludgero (Lud) era um brejeiro autêntico. Ele sabia
de tudo isso e muito mais. Mas ele preferia viver na moita como caititu, por
conta do Bonifácio. De dia “manguaçava.” De noite dormia. Ele morava num Sitio,
no Catuni, naquele tempo um diminuto povoado ainda vinculado ao Brejo. Foi
assim que ao ver-se frente a frente com as primeiras contrações de Antonia
(Tonha) que esperava Maria (Lia), desesperou-se. Passou a perna no “carrálo”
(cavalo) e se mandou para o Centro do Brejo em busca de remédios. O doutor da
Farmácia de nome Francelino, (França) estava postado diante de sua Botica. Conhecia
Lud de longa data e sabia que o amigo, em consequência dos vários gorós que
consumira durante toda a vida, não batia bem da cuca. Foi por isso que antes
mesmo que Ludgero apeasse do “carrálo” França foi logo indagando:
- Qual é o motivo de tanta pressa, Lud? Porque
esporeia desesperadamente o mansinho?
- Não tenho muito tempo a perder, França. A Tonha
não está bem da barriga. O escaldado de ontem a noite com leite e farinha de
mandioca parece que lhe travou os intestinos. Está empanzinada. Com a barriga
dura!
- Aqui está, respondeu-lhe o sempre prestativo
França, que durante muitos anos foi considerado o melhor Médico do Brejo sem
que tivesse diploma de Medicina- É só você lhe dar isto!
Entregou-lhe uma garrafinha branca com óleo de
rícino que na verdade se tratava de um potente laxante da família dos
denominados “tiro e queda.” Felizmente não foi necessário ministrar. Ludgero,
de longe, antes de chegar frente à primeira porteira já escutava os berros de
Lia que acabava de nascer. Adentrou, e, surpreso, com os olhos esbugalhados de
susto, observou que Tonha, deitada e feliz, amamentava Lia, que faminta,
sugava-lhe os seios. Ainda atordoado deu um abraço na patroa, chutou a
esquálida cadela “pulguinha” que lambia o rostinho angelical de Lia, pegou no
colo o belo rebento e, na sequência, cheio de entusiasmo, á guisa de
comemoração pela nova vida que ali pulsava, confundiu com “chora Rita” o
líquido da garrafinha que trazia à mão entornando-o, goela abaixo, de uma só
vez.
Ai, meu nego, não teve jeito. Foi só correr para o
abraço. Como naqueles “memoráveis” tempos a “casinha” ficava distante do
“casão” imaginemos que pelo menos, naquela primeira noite, o nosso amigo não
teve muito o que comemorar.
É...
Por vezes, é bom festejarmos as dádivas que a vida,
de quando em vez, nos oferece, com moderado entusiasmo. Ir com muita sede ao
pote não pode ser um bom negócio.
E tenho dito.
Enoque Alves Rodrigues, que vive
em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há mais de 41 anos na
área de Engenharia. É autor do livro “Liderança
Conquistada” temática simples sobre otimismo, liderança e motivação, cuja primeira
edição já se encontra esgotada. É Colunista, Palestrante Motivacional,
Historiador e Divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas
Gerais, Brasil.