sábado, 11 de agosto de 2012

CASOS DO BREJO II - JUAREZ DE QUADROS


CASOS DO BREJO II –  JUAREZ DE QUADROS

Enoque Alves Rodrigues

Morro da Masseira - Francisco Sá, MG
Definitivamente ele estava com o burro na sombra. Nasceu numa família onde criar e vender gado de corte era tradição centenária. Assim como seu tio que vivia nababescamente, já em idade avançada, na bela Curralinho dos tempos antigos, ele também se enveredou pelos caminhos da fazenda. Depois de muita labuta e escorregões em bosta de vaca, agora ele estava colhendo os frutos que havia plantado na juventude. Deitado eternamente em berço esplêndido. Ao som do mar não, porque Minas, assim como o Brejo das Almas onde ele nasceu, não tem mar. Porque se o tivesse, certamente que o acolheria. De mais a mais, usufruía de todas as regalias ou benesses. Claro que eu sei que esta estrofe se refere a nossa Pátria Mãe Gentil e que se trata de uma exaltação ao nosso gigantismo e pujança. Ele era merecedor do que possuía. Venceu na vida sem se utilizar de atalhos. Tampouco à sombra do tio rico. Ele correu atrás. Foi à luta. Ele conseguiu.

Juarez Dias de Quadros era este o seu nome, não obstante ter feito todos os seus estudos na Capital Mineira, onde se formou em medicina, jamais quis exercer esta profissão. Aliás, no Brejo das Almas ou Francisco Sá, quase ninguém sabia que ele era médico. Importante salientar que este sobrenome “Dias de Quadros” não tem nenhuma ramificação familiar com homônima atual. O dele descendia do Pará. 

Ao seu retorno para o Brejo das Almas, seu tio Olacyr o presenteou com uma imensa fazenda.   Foi por isso que antes de prestar o juramento de Hipócrates, a inclinação para com as coisas da terra já estava em seu sangue.

Casou-se com Vanda. Nunca tiveram filhos. Com isso, tempos depois, ricos, estavam agora, Juarez e Vanda, sozinhos no casarão daquela fazenda em cujo frontispício se achava uma cabeça empalada de boi, acima da qual se lia em letras garrafais: “Fazenda Pau Preto – propriedade de Juarez e Vanda – 1932”.

Velhos e alquebrados. Tiveram o privilegio de avançar na vida e na idade. Ninguém vive sem envelhecer. Mas eles eram felizes. Plenamente? Bem! Talvez. Quem sabe. Eram. Claro, não lhes faltava nada. Esperem um pouco, sem mineirismo: Juarez e Vanda eram felizes porque tinham tudo? Ou porque não lhes faltava nada! Particularmente, se eu pudesse, não sairia da zona de conforto. Eu ficaria, por certo, com as duas alternativas. Mas sabemos que há momentos na vida em que temos que decidir. Temos que optar... 

Pois é, meus conterrâneos Brejeiros, eles se achavam felizes exatamente porque na concepção deles, não lhes faltava nada. Mas eles não tinham mais a doce sensação de levantar todos os dias de manhã e sair em busca de algo. Uai, sendo assim eles não tinham tudo. Mas também haviam passado quase todos os anos de suas vidas levantando-se de madrugada para conseguirem amealhar patrimônio que pudesse sustenta-los pelo resto da existência. E agora colhiam os frutos.

Bem, não demorou muito e o implacável senhor da razão mandou-lhes a fatura. O burro, conforme eu disse na introdução, estava realmente na sombra. Tudo que Juarez e Vanda desejavam conquistar os deuses lhes deram em dobro. Vocês já perceberam que alguns que parecem nem ter trabalhado tanto conseguem enriquecer com muito mais facilidades que outros que ralaram a vida toda? Eles venceram, é verdade, eu já disse. Mas o carnê agora chegava e tinha que ser quitado. Vinha com juros e correções.

Começou com uma dorzinha nas costas de Juarez. Algum tempo depois Vanda reclamava da mesma dor que baixou para as pernas. Transcorridos dois dias, Juarez também passou a reclamar da dita cuja nas pernas, que endureceram. As de Vanda, também. Agora passavam os dias sentados, um ao lado do outro, cada qual numa bela e bem trançada cadeira em vime. O rico patrimônio, dores e endurecimento nas articulações, somados com a falta de necessidades materiais, eram agora motivos, ou melhor, justificativas, mais que suficientes para manter aqueles dois pombinhos no ócio. Não se mexiam. Também não precisavam. Serviçais zelosos que se esmeravam aos seus cuidados dias e noites, anos a fio, estavam ali, para servi-los. 

Foi oportuna e indispensável á intervenção de pequena Plêiade que lá de cima os observava.
Dizia um deles que parecia ser o líder:

- O que são aqueles dois pontinhos escuros e imóveis, lá embaixo, no Brejo das Almas, ao pé do morro da masseira?

- Não saberia informar-lhe, Senhor. Da altitude em que nos encontramos é muito difícil distinguir alguma coisa!
- Vá lá, então. Certifique-se do que se trata e venha me contar. Não é possível: Há 10 anos, 9 meses, 25 dias, 6 horas, 33 minutos e 28 segundos que não consigo registrar em meus apontamentos um minuto sequer de trabalho daqueles dois. Mal consigo sentir a vibração dos elos que os unem a nós e que são alimentados pela força do trabalho. A continuarem assim, em pouquíssimo tempo, os elos vão se romper, e ai, eu não poderei fazer mais nada.
Foi assustadora a chegada do anjo àquelas paragens. Com o dedo em riste apontava para Juarez e Vanda, esbravejando: 

- Quem diabos vocês pensam ser? Quem foi que lhes autorizou a parar de trabalhar? Qual foi o tonto que lhes disse que vocês já estão com a vida ganha? Vocês não sabem que um ano trabalhado aqui embaixo representa somente uma hora de estadia lá em cima? Mexam-se, seus preguiçosos. Vocês estão se enferrujando e daqui a pouco não vamos mais conseguir ver vocês. O chefe mandou dizer que se vocês não se movimentarem. Não forem à luta e não trabalharem para seguirem contando pontos, ele vai “puxar vocês”!

Ai, brejeiro, não teve jeito. Quando a água bate na bunda neguinho pula. Todos querem o Paraiso, mas ninguém quer morrer. Saltaram da cadeira e retomaram a luta. Bater o ponto era preciso. 

É...

Por vezes, é quando pensamos que temos a vida ganha que mais necessitamos trabalhar. Os apontadores do além não dão moleza. Eles não dormem nunca.

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há mais de 41 anos na área de Engenharia. É autor do livro “Liderança Conquistada” temática simples sobre otimismo, liderança e motivação, cuja primeira edição já se encontra esgotada. É Colunista, Palestrante Motivacional, Historiador e Divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

Se você é Brejeiro e deseja participar da seleção de minhas melhores crônicas que serão inseridas no meu próximo livro “O Brejo das Almas em Crônicas” entre nos meus blogs e escolha. Ao final envie-me o titulo da crônica pelo e-mail: enoque.rodrigues@ibest.com.br

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