CASOS DO BREJO II – JUAREZ DE QUADROS
Enoque Alves Rodrigues
Morro da Masseira - Francisco Sá, MG |
Definitivamente
ele estava com o burro na sombra. Nasceu numa família onde criar e vender gado de
corte era tradição centenária. Assim como seu tio que vivia nababescamente, já
em idade avançada, na bela Curralinho dos tempos antigos, ele também se
enveredou pelos caminhos da fazenda. Depois de muita labuta e escorregões em
bosta de vaca, agora ele estava colhendo os frutos que havia plantado na
juventude. Deitado eternamente em berço esplêndido. Ao som do mar não, porque
Minas, assim como o Brejo das Almas onde ele nasceu, não tem mar. Porque se o tivesse,
certamente que o acolheria. De mais a mais, usufruía de todas as regalias ou
benesses. Claro que eu sei que esta estrofe se refere a nossa Pátria Mãe Gentil
e que se trata de uma exaltação ao nosso gigantismo e pujança. Ele era
merecedor do que possuía. Venceu na vida sem se utilizar de atalhos. Tampouco à
sombra do tio rico. Ele correu atrás. Foi à luta. Ele conseguiu.
Juarez Dias de
Quadros era este o seu nome, não obstante ter feito todos os seus estudos na
Capital Mineira, onde se formou em medicina, jamais quis exercer esta
profissão. Aliás, no Brejo das Almas ou Francisco Sá, quase ninguém sabia que
ele era médico. Importante salientar que este sobrenome “Dias de Quadros” não
tem nenhuma ramificação familiar com homônima atual. O dele descendia do Pará.
Ao seu retorno
para o Brejo das Almas, seu tio Olacyr o presenteou com uma imensa fazenda. Foi por isso que antes de prestar o
juramento de Hipócrates, a inclinação para com as coisas da terra já estava em
seu sangue.
Casou-se com
Vanda. Nunca tiveram filhos. Com isso, tempos depois, ricos, estavam agora,
Juarez e Vanda, sozinhos no casarão daquela fazenda em cujo frontispício se
achava uma cabeça empalada de boi, acima da qual se lia em letras garrafais:
“Fazenda Pau Preto – propriedade de Juarez e Vanda – 1932”.
Velhos e
alquebrados. Tiveram o privilegio de avançar na vida e na idade. Ninguém vive
sem envelhecer. Mas eles eram felizes. Plenamente? Bem! Talvez. Quem sabe.
Eram. Claro, não lhes faltava nada. Esperem um pouco, sem mineirismo: Juarez e
Vanda eram felizes porque tinham tudo? Ou porque não lhes faltava nada! Particularmente,
se eu pudesse, não sairia da zona de conforto. Eu ficaria, por certo, com as
duas alternativas. Mas sabemos que há momentos na vida em que temos que decidir.
Temos que optar...
Pois é, meus
conterrâneos Brejeiros, eles se achavam felizes exatamente porque na concepção
deles, não lhes faltava nada. Mas eles não tinham mais a doce sensação de
levantar todos os dias de manhã e sair em busca de algo. Uai, sendo assim eles
não tinham tudo. Mas também haviam passado quase todos os anos de suas vidas
levantando-se de madrugada para conseguirem amealhar patrimônio que pudesse
sustenta-los pelo resto da existência. E agora colhiam os frutos.
Bem, não
demorou muito e o implacável senhor da razão mandou-lhes a fatura. O burro,
conforme eu disse na introdução, estava realmente na sombra. Tudo que Juarez e
Vanda desejavam conquistar os deuses lhes deram em dobro. Vocês já perceberam
que alguns que parecem nem ter trabalhado tanto conseguem enriquecer com muito
mais facilidades que outros que ralaram a vida toda? Eles venceram, é verdade,
eu já disse. Mas o carnê agora chegava e tinha que ser quitado. Vinha com juros
e correções.
Começou com
uma dorzinha nas costas de Juarez. Algum tempo depois Vanda reclamava da mesma
dor que baixou para as pernas. Transcorridos dois dias, Juarez também passou a
reclamar da dita cuja nas pernas, que endureceram. As de Vanda, também. Agora
passavam os dias sentados, um ao lado do outro, cada qual numa bela e bem trançada
cadeira em vime. O rico patrimônio, dores e endurecimento nas articulações,
somados com a falta de necessidades materiais, eram agora motivos, ou melhor,
justificativas, mais que suficientes para manter aqueles dois pombinhos no
ócio. Não se mexiam. Também não precisavam. Serviçais zelosos que se esmeravam
aos seus cuidados dias e noites, anos a fio, estavam ali, para servi-los.
Foi oportuna e
indispensável á intervenção de pequena Plêiade que lá de cima os observava.
Dizia um deles
que parecia ser o líder:
- O que são
aqueles dois pontinhos escuros e imóveis, lá embaixo, no Brejo das Almas, ao pé
do morro da masseira?
- Não saberia
informar-lhe, Senhor. Da altitude em que nos encontramos é muito difícil
distinguir alguma coisa!
- Vá lá,
então. Certifique-se do que se trata e venha me contar. Não é possível: Há 10
anos, 9 meses, 25 dias, 6 horas, 33 minutos e 28 segundos que não consigo
registrar em meus apontamentos um minuto sequer de trabalho daqueles dois. Mal
consigo sentir a vibração dos elos que os unem a nós e que são alimentados pela
força do trabalho. A continuarem assim, em pouquíssimo tempo, os elos vão se
romper, e ai, eu não poderei fazer mais nada.
Foi
assustadora a chegada do anjo àquelas paragens. Com o dedo em riste apontava
para Juarez e Vanda, esbravejando:
- Quem diabos
vocês pensam ser? Quem foi que lhes autorizou a parar de trabalhar? Qual foi o
tonto que lhes disse que vocês já estão com a vida ganha? Vocês não sabem que
um ano trabalhado aqui embaixo representa somente uma hora de estadia lá em
cima? Mexam-se, seus preguiçosos. Vocês estão se enferrujando e daqui a pouco
não vamos mais conseguir ver vocês. O chefe mandou dizer que se vocês não se
movimentarem. Não forem à luta e não trabalharem para seguirem contando pontos,
ele vai “puxar vocês”!
Ai, brejeiro,
não teve jeito. Quando a água bate na bunda neguinho pula. Todos querem o
Paraiso, mas ninguém quer morrer. Saltaram da cadeira e retomaram a luta. Bater
o ponto era preciso.
É...
Por vezes, é
quando pensamos que temos a vida ganha que mais necessitamos trabalhar. Os
apontadores do além não dão moleza. Eles não dormem nunca.
E tenho dito!
Enoque Alves Rodrigues, que vive
em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há mais de 41 anos na
área de Engenharia. É autor do livro “Liderança
Conquistada” temática simples sobre otimismo, liderança e motivação, cuja
primeira edição já se encontra esgotada. É Colunista, Palestrante Motivacional,
Historiador e Divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas
Gerais, Brasil.
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