sábado, 4 de agosto de 2012

CASOS DO BREJO I - NALDINHO E MABÉL: GEOGRAFIA E HIDROGRAFIA


CASOS DO BREJO I –  NALDINHO E MABÉL: GEOGRAFIA E HIDROGRAFIA

Enoque Alves Rodrigues

Não. Não podia ser. Aquilo não era verdade. Bem, poderia até ser real. Verdadeiro. Desde que não fosse com ele. Por acaso ele não havia se preparado a vida toda para ser um exemplar pai de família? Um ótimo professor? Optara, desde a mais tenra idade pelo sacerdócio do ensinar e agora estava ali, ouvindo aquilo. Fora, durante toda a vida um estudante aplicado. Orgulho maior de todos os seus professores que se gabavam ao chama-lo a lousa para dissertar sobre os mais variados temas. Ele deixava qualquer um de boca aberta. A sua inteligência era o que se podia classificar como privilegiada. Tinha, com toda certeza um QI de três dígitos. 

Brejeiro, nascido na Praça Jacinto Silveira, num lindo casarão onde hoje se localiza um Hotel, Agnaldo Francisco da Conceição, ou Naldinho, parecia biblioteca ambulante. Era a cultura em ebulição. Transpirava o saber por todos os poros.

Menino, ainda, conheceu Maria Isabel Dias ou Mabel nos áureos tempos de Mariquinhas. Lindos dias. Nas namorações veladas dos dois celibatários, onde um se assentava em uma ponta do banco e o outro na outra, o assunto que, pelas circunstancias naturais, tinha que versar sobre as coisas do coração, quando menos se esperava, debandava pelos campos da ciência, da astrologia, da geografia brejeira e da bacia hidrográfica que banha aqueles rincões. Era engraçado de ver. Ele, por força do hábito, Inseria, sem querer, entre as temáticas do emocional, as friezas medonhas e cansativas das ciências e coisas. Estes temas não se coadunam entre si. Era mais ou menos assim:

- Naldinho, temos que marcar logo o noivado. A mãe que está na ponta daquele banco e o pai que está na outra ponta estão me pressionando.

- Pois é, Mabel, você sabia que o rio São Domingos que nasce aqui na serra do Catuni,  desagua no rio Verde Grande? E que o rio Verde Grande divide o nosso município de Brejo das Almas do município de Montes Claros? Que a rede hidrográfica do Brejo das Almas é muito pobre devido á maioria de seus córregos secarem quando não chove? Imagine você, uma coisa, Mabel, como é que pode isso? Temos tantos córregos, veja: do lado norte temos o córrego do carrapato, o sitio novo, o ribeirão de cana brava, o córrego pau preto, o do brejão, o mamonas, o traçadal e o rio quem-quem que passa na fazenda Terra Branca do “seu” Liberato. Sem falar do grande rio gorutuba com suas belíssimas praias de areias que banham o povoado do Catuni. Já do lado Sul, nós temos outro montão de córregos, como, o rio boa vista, vaca brava, o córrego dos patos, o rio caititu, o rio da prata e o córrego rico. E as nossas lagoas? Você já imaginou quantas são? Mouras, da barra, da prata, das pedras, lagoa nova. E a lagoa do tabual... E mesmo assim, tudo isso seco... Já imaginou?

- Então, Naldinho, o que você me diz do nosso casamento? 

- Interessante mesmo Mabel, não é a nossa hidrografia, mas sim, a nossa geografia. Veja: você sabia que o nosso município se situa na bacia do rio São Francisco? Que o nosso vasto território fica  no vale médio do verde grande? Que somos limítrofes, ao norte com Grão Mogol. Ao sul com Montes Claros e Capitão Enéas. Ao leste com o município de Juramento e a oeste com Janaúba? Que estamos distantes de Belo Horizonte 480 quilômetros? Que a nossa área territorial compõe-se de 2.749.393 quilômetros quadrados? Que a nossa densidade demográfica gira em torno de 9.5 habitantes por quilômetro quadrado, sendo 49,5% de homens e 50,5% de mulheres? Você sabia que o nosso município de Brejo das Almas seria maior hoje não fossem as duas grandes mutilações que ele sofreu para “dar a luz” aos municípios de Janaúba e Capitão Enéas? Sabia que o nosso município tem vida própria e é habitado por um povo laborioso, pacato, de hábitos simples e hospitaleiro o que muito dignificam as nossas origens? E o que você me diz, Mabel, de nossa altitude de 667 metros acima do nível do mar? E sobre as nossas coordenadas geográficas de 16º’27’00 de altitude sul e de 43º’28’00 de longitude WGr? E o nosso fundador, Seu Jacinto. Você já leu alguma coisa sobre ele? E os nossos ancestrais? Você já imaginou como o Bandeirante Antonio Gonçalves Figueira conseguiu chegar por nossas terras?

Bem, convenhamos que o “papo firme” do amigo Agnaldo, que, aliás, não possuía em nenhuma parte de seu bojo uma pitada sequer de romantismo, destoava, inteiramente, do que a bela brejeira Mabel queria ouvir. Se ele tivesse ao menos falado das matas, dos pássaros e principalmente das flores silvestres que cercam e ainda perfumam a minha terra, poderia ter recebido um desconto. Mas desta vez a sua mente iluminada o traíra. Ele não falou das flores. E, por não ter ele falado das flores estava agora ali, no veneno, literalmente “no brejo”.   

Era exatamente por isso que ele agora se amaldiçoava. Maldizia a sua sina. Não acreditava no que lhe reservara o destino. Lamentava, conforme o encontramos na introdução destas mal traçadas linhas. Levara um tremendo pé no traseiro que o deixou desnorteado. Desiludido, abandonou numa esquina qualquer do Brejo o sonho de ser professor. Casar, constituir família e viver uma vida simples, mas, tranquila e sossegada, a beira do rio. Rio? Não! Isso não... Foi exatamente por falar tanto em rios, córregos, lagoas, altitudes, longitudes, densidades, extensões territoriais e o diabo a quatro, era que ele agora estava ali, sozinho. Sem o amor de Mabel. Ele teria que viver em algum lugar que não fosse o Brejo das Almas, e, de preferência, onde não existisse nada que o fizesse recordar da dor da perda de sua Mabel. Pensou. Repensou. Matutou. Ruminou e não chegou a nenhuma conclusão. Bem... Chegou, sim. A de que na terra ou em qualquer lugar sobre ela, não existiria nada que o fizesse olvidar aquela desilusão. Num misto de fraqueza, coragem e covardia, tomou a pior e mais abominável das decisões. Encontramo-lo, agora, vagando sem rumo pela crosta sem poder subir ou descer. Lá não há elevador nem ascensorista.  Coitado, percebeu, tardiamente, que nem mesmo aquele seu tresloucado gesto de “bravura” conseguira liberta-lo do peso da culpa pela perda daquela paixão transitória. Muitíssimos anos depois, em idade avançada, partiu do Brejo a bela Mabel em direção ao Infinito. Não. Não se encontraram. Eles transitam por vibrações diferentes cuja distancia, um do outro, nenhuma medida astronômica conseguiria mesurar. Enquanto isso, aqui em baixo, no velho campo santo do Brejo das Almas, ou Francisco Sá, até bem pouco tempo atrás, por coincidência ou obra do destino, seus corpos jaziam, quase numa mesma cova, um ao lado do outro. Foram colocados ali, involuntariamente. Será?

É...

Por vezes, ou quase sempre, nem tudo que está junto na terra significa que esteja também junto no Céu.

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há mais de 41 anos na área de Engenharia. É autor do livro “Liderança Conquistada” temática simples sobre otimismo, liderança e motivação, cuja primeira edição já se encontra esgotada. É Colunista, Palestrante Motivacional, Historiador e Divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. 

Se você é Brejeiro e deseja participar da seleção de minhas melhores crônicas que serão inseridas no meu próximo livro “O Brejo das Almas em Crônicas” entre nestes sites e escolha. Ao final envie-me o titulo da crônica pelo e-mail: enoque.rodrigues@ibest.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário