CENAS BREJEIRAS 10 – FINAL - NANÁ PRAXEDES
*Enoque Alves Rodrigues
Contemporânea de Sá Antonina que
tinha seu Sitio bem na entrada de Francisco Sá ou Brejo das Almas, Naná
Praxedes era uma senhora de idade já avançada. Morena, alta, enviuvou cedo de Nonô que contava
quarenta anos quando faleceu de amarelão. Como herança deixou-lhe aquela
fazenda denominada “barriguda” que se
localizava a beira da antiga estrada de Cana Brava ou especificamente na “baixa
da migrada”, no município do Brejo. Tinha ela o jeitão das matronas da época,
quando, a mulher, divino ser, não conseguia revelar sua feminilidade a não ser
na condução austera dos destinos do lar, e da família. Eram comuns as
dificuldades que a mulher tinha naqueles tempos quando se via de repente só.
Naná, muito pelo contrário, depois de perder Nonô arregaçou ás mangas e foi à
luta. Com dois filhos já adultos, Deda e Durval que a ajudavam nos trabalhos da
fazenda, não demorou muito e aquele amontoado de torrões ressecados ganhou uma
nova visão panorâmica de um verde indescritível.
Tudo que Naná plantava,
independente da época, vingava. Ela, que ao lado de Nonô, tinham seis vaquinhas
sofridas que nem crias davam juntamente com aquele pobre e fraco genérico de
reprodutor que até mesmo para comer o colonião seco tinha que encostar-se nos
barrancos, agora possuía uma grande manada de gado. Vacas leiteiras, bois de
corte, bezerrinhos mamando, desmamando, nascendo, etc. No chiqueiro a porcada
só reproduzia e Naná feliz progredia. O paiol abarrotado de milho, feijão,
algodão e outras culturas. A peonada na roça se desdobrava para dar conta de
tanto trabalho. O arado não parava um minuto sequer. A terra fértil reclamava o
lançar da semente para em pouco tempo, leal, faceira e orgulhosa, devolver a
Naná o resultado multiplicado milhares de vezes.
Carretas saiam da bela MOC e de
outros confins e se aportavam diante da fazenda “Barriguda” para retirar produtos comprados a peso de ouro. Mas o
que era aquilo? Enquanto a seca castigava quase todas as regiões, consumindo
sítios e fazendas, a “barriguda” jamais sentia qualquer revés. Seguia
produzindo de tudo e em grandes quantidades...
Enquanto isso Manoel Flor, ou “Mané Fulô”, vizinho e proprietário da
fazenda “Pau D’alho” que fazia divisa
com a fazenda de Naná, desolado e com inveja observava todo aquele movimento.
Tentava buscar, inutilmente, em suas lembranças, algo parecido ou próximo de todo
aquele sucesso. De tanto retroagir, eis que se achou no dia de seu próprio
nascimento. Na mesma fazenda setenta e três anos antes onde se viu chorando de
fome. Aquilo não era vida! Como foi possível ter passado todo aquele tempo sem
que ele sequer saísse do lugar? O que teria acontecido de tão grave que o
impediu de crescer? Será que ele tinha caminhado para trás? Sim por que aquela
fazenda ele havia herdado do pai e como já mencionei, mesmo fazendeiro, ele
sempre viveu em dificuldades.
O que mais o corroía, de inveja e
de ódio, era ver aquela mulher prosperar. Como podia ser aquilo? Quando o
marido vivia as terras deles que eram divididas por um pequeno afluente do
Quém-Quém não produziam nada e agora... Bem, ele continuava não produzindo,
mas, e Naná...
“Aquela mulher” – agora era assim
que ele se referia a sua vizinha e amiga de infância -, estava lhe tirando o sono.
Próximo, pensava ele, estava o dia em que todos mangariam dele... Deixou-se
vencer por uma mulher... Naná, imbatível... Naná, “sortuda”... Por que será que
só Naná colhia? Por que será que ele não conseguia colher? Por que será... Por
que será?
Manoel se questionava, mas sem se
preocupar em procurar as verdadeiras razões de sua desgraça. É próprio dos
fracos e derrotados de nascença buscar no sucesso dos outros o motivo de seu
insucesso ao invés de ir à luta.
A vegetação seca e rasteira há
muitos anos havia invadido aquela sua imensa fazenda, não obstante,
privilegiada pela Natureza que a brindou com dois olhos d’agua onde nascia o
afluente do caudaloso Quém-Quém. Touceiras de quiçaça esturricada rangiam ao
sopro do vento de agosto. A caçarema deitava e rolava a vontade em seus ninhos
em copas de arbustos miseráveis, a guisa de cupins. Aliás, pasmem brejeiros,
aquele infeliz ser, em sua inabalável inércia atribuía parte de sua desdita ao
primeiro surgimento da fétida Caçarema que segundo afirmava, foi a partir dali
que a chuva sumiu de vez. Ela era de mau agouro! Mentira. Não era nada disso.
Se assim fosse a fazenda de Naná também não produziria.
A Natureza é pródiga para com os
que trabalham. Que não têm medo de trampo. Para aqueles que morrem de pé. Mas,
também, sabe ser implacável para com os preguiçosos, insolentes e fúteis que
desejam passar pela vida sem vivê-la. Sem deixar uma marca por mais simples que
seja.
A terra também é assim. Quando
não é cultivada pelo menos de vez em quando, revolta-se contra a desídia e
abandono do agricultor. Ela empaca. Fica estéril e ai, meu nego, não produz
porra nenhuma. Nem quiçaça ou ervas daninhas brotam mais. Por que seria
diferente com Mané Fulô?
Pois é...
Um belo dia, quando a voz da
consciência se lembrou dele, pediu-lhe que fosse imediatamente à luta. Que
saísse a semear sem mais perda de tempo. Velho, reumático por que as juntas
haviam se enferrujado durante o longevo tempo de ociosidade e obsolescência, 72
janeiros no espinhaço, todo torto, lá foi o infeliz se reconciliar com aquela
que já não lhe suportava mais o peso do corpo esquelético. Com uma má vontade
dos diabos deu ali a primeira enxadada. Sentou-se para descansar.
Ele estava
cansado de não fazer nada e o corpo agora só queria sossego.
- O senhor vai semear este ano,
seu Mané?
- Sei não, uai! – Estou pensando
o que vou fazer desta terra improdutiva. Aqui não se produz mais nada, sô!
- Mas como é que o senhor sabe? –
Quando foi que o senhor a cultivou pela ultima vez?
- Sei não, uai, mas me parece que
já faz uns trinta anos, mais ou menos!
- Sendo assim, fica difícil!
- Eu acho que vou vender essas
terras... Mais quem vai comprar isso?
- Eu compro suas terras, seu
Mané! – Bota ai o seu preço. Considere-se que estamos negociando uma terra
improdutiva!
- Mané arregalou os olhos. Aquilo
era uma visagem. Aquela proposta não era verdadeira. Mesmo assim, entre
aturdido e desconfiado, pôs o preço.
- O interlocutor que só queria
trabalhar e produzir não pensou nem um segundo. Fechou o negócio ali mesmo. Em
cartório no Centro do Brejo registrou-se a escritura onde Mané recebeu sua
bolada. No Centro do mesmo Brejo das Almas, cinco anos depois, Mané mendigava
para sobreviver sem um centavo sequer nos bolsos.
Fazer o que se essa foi á vida
que ele pediu pra Deus!
Enquanto isso a fazenda barriguda,
que teve seu tamanho triplicado com esta aquisição feita por ninguém menos que
Naná, só prosperava.
É...
Por vezes, ou quase sempre, não é
preciso muita força para converter pedra bruta em ouro fino. Um pouquinho de
vontade já é suficiente.
E tenho dito!
*O autor nasceu no Brejo das
Almas, MG.
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