domingo, 1 de março de 2015

O BREJO E SUA GENTE III - NECO SURDO



O BREJO E SUA GENTE III – NECO SURDO


*Enoque Alves Rodrigues


Quando no final do ano letivo de 1924 o professor José Maria Fernandes que lecionava na única escola do Brejo das Almas foi substituído pelo professor Manuel José Veloso, vulgo Neco Surdo, codinome este alusivo ao seu estado de surdez, apenas a normalista Maria Luiza Silveira, maestra maior, cuja batuta o velho Neco obedecia, sabia que não se tratava de uma simples e corriqueira transição, não obstante tê-la efetuado sob o argumento mais que justificado que consistia no sério envolvimento do antecessor com o álcool. Discreta e silenciosamente, escrevia-se ali, com letras indeléveis, o prenúncio de uma nova era que revolucionaria, durante muito tempo, o ensino pedagógico no município recentemente emancipado.

Trôpego e alquebrado. Muito mais velho que o professor anterior, Neco Surdo também se diferia deste no tocante a metodologia. Também adepto da palmatória, é verdade, mas bem menos rigoroso e mesmo ranzinza, era, por vezes, alegre, compreensivo, tolerante e brincalhão. Enquanto José Maria se utilizava de uma rigidez arcaica onde qualquer displicência do aluno era punida com a palmatória, o sucessor, de jeitos simples e despojados, apesar de enérgico, distribuía simpatias na mesma proporção em que irradiava didática e cultura para a petizada carente do saber. A sua deficiência auditiva em nada interferia em sua conduta e eficiência pois, sempre que alguma dificuldade em entender ou fazer a leitura labial do aluno lhe surgia que o impossibilitasse de dispensar-lhe a atenção necessária e sanar ás duvidas, ele recorria, imediatamente, à mímica e trejeitos do inspetor escolar Mateus Alves. O único problema, bem, temos então um problema, contrariamente ao que afirmei poucas linhas atrás, era que o inspetor Mateus em matéria de mímica era uma negação. Jamais havia frequentado uma “Universidade de Mímica”. Sabia tanto de mímica quanto este velho engenheiro de medicina. Mas ele dava lá suas pauladinhas. E assim, de gestos em gestos, entre uma careta e outra, inspetor, professor e alunos iam se entendendo e a cultura ali só se expandia. Grandes homens se formaram naquela época pelas mãos do professor Neco Surdo.

Ao mesmo tempo em que se preparava para abolir a palmatória naquela escola, ele trouxe de volta ás mãos dos alunos, o lápis e o caderno que, inusitadamente, haviam sido proibidos pelo professor de antes que dizia serem desnecessários por que os alunos tinham de decorar em dez minutos os textos que ele escrevia no quadro negro assim como as frações aritméticas. Quanto aos intervalos de recreios onde José Maria colocava, sistematicamente, a molecada para carpir mato, o bom Manuel José aproveitava para brincar com as crianças e ao mesmo tempo solucionar questões pontuais que porventura não conseguiram assimilar na formalidade do ambiente escolar. Enquanto os meninos jogavam com bola de meia, ás meninas que se mantinham separadas dos meninos somente nos intervalos, jogavam peteca. Numa época em que sequer se falava em emancipação feminina era impensável imaginar que naquelas bandas pouca distinção havia entre meninos e meninas que compartilhavam dos mesmos anseios de ser alguém, depositando nas mãos de um simples professor ás rédeas de seus destinos que invariavelmente os conduziriam pelos caminhos do bem.

Certa vez ou precisamente no dia 22/12/1925 o padre Augusto Prudêncio da Silva saia de seu Orfanato na Rua da Amargura em direção a Rua das Aroeiras onde se localizava a escola do professor Neco. Vinha ele numa missão muito importante: elegeria os dez melhores alunos que haviam se destacado naquele ano para que passassem o Natal junto aos seus quarenta pequeninos dos quais ele cuidava com o maior carinho. O padre chegou ali na hora do recreio e desejava observar à maneira com que cada criança se comportava no pátio. Neco não sabia daquela visita inesperada. Não havia sido informado. Os padres daqueles tempos eram tidos como fieis representantes de Deus na terra além de serem dignos de todas as honras de um chefe de estado. Qualquer município tinha dois gestores, o padre e o prefeito. Sem contar que àquela época o padre Augusto que havia sido prefeito em Montes Claros (1901/1904) era, também, vereador no Brejo. Apesar de bondoso e compreensivo, ele era demasiado rigoroso. Todos conheciam sua fama de homem enérgico que não tergiversava quando tinha de falar a verdade.

Por uma razão que a própria desconhece, coube ao pobre do inspetor escolar Mateus Alves visualizar primeiro o padre que, aparentemente não o vira. Ato contínuo, disfarçada e sorrateiramente, tratou de correr para avisar o professor Neco Surdo que, entretido, batia uma bolinha com os seus pupilos do outro lado do muro. Apesar da curta distância, inútil seria gritar. Primeiro por que Neco era surdo e não o ouviria e segundo porque poderia chamar a atenção do padre que aguardava.

Criativo ou sem saída, não importa. É a necessidade que faz o sapo pular. Lançou mão de um pano branco o qual pôs sobre a cabeça e galgou a escada no sentido de sinalizar para Neco do outro lado. Por mais que Mateus tentasse, Neco não conseguia ler-lhe os gestos. Quando ele passava á mão sobre o pano branco na cabeça em alusão à túnica e aos cabelos brancos do padre, Neco, irritado, gesticulava de lá o chamando de velha coroca e caduca. Paciente, Mateus, cujo interesse era apenas salvar a pele do mestre, colocou um dos pés sobre o muro com o qual pretendia imitar o padre que mancava de uma das pernas. Escorregou-se caindo de costas aos pés do padre que bem mais alto que ele observava há muito tempo o professor Neco interagindo com os seus alunos em um momento de paz e descontração que o padre ao invés de repreender como pensava Mateus, elogiou, assim se expressando:

- “É muito bonito de se ver um professor, do alto do seu saber, se divertindo com os seus alunos onde por alguns instantes se nivelam como criaturinhas de Deus que são!”.

E virando-se para Mateus, disse-lhe:

- “Levanta-te daí, meu filho... Essa brincadeira sua de subir em muro e ficar pulando igual Saci Pererê com uma perna só não é nada saudável e você pode se machucar... Vá brincar junto aos demais. Por favor, avise ao professor Neco que quando terminar o recreio preciso falar com ele. É sobre o Natal das crianças daqui!”.

Pois é.

A vida é simples de ser vivida. Somos nós que a dificultamos, por vezes, quando queremos nos antecipar ao pensamento dos outros.

E tenho dito.

*Enoque Alves Rodrigues nasceu no Brejo das Almas.

Atenção: Vem ai, Feliciano Oliveira!

domingo, 1 de fevereiro de 2015

O BREJO E SUA GENTE II - PADRE AUGUSTO


O BREJO E SUA GENTE II – PADRE AUGUSTO

*Enoque Alves Rodrigues

Augusto Prudêncio da Silva nasceu no dia 31 de Julho de 1856, em Montes Claros, quando esta localidade situada ao norte de Minas Gerais já não era mais uma colônia dos temidos índios tapuias ou do bravo Bandeirante Antônio Gonçalves Figueira. A praça onde hoje se encontra erguida a velha Matriz era o ponto central da comunidade. Algumas ruas adjacentes já eram calçadas o que dava um aspecto limpo e civilizado ao lugar.

Aos cinco anos de idade, seus pais, Camilo Prudêncio e Maria já notavam sua forte inclinação para as coisas eclesiásticas. Aos sete anos Augusto Prudêncio já acompanhava o vigário, o cônego Chaves, seu padrinho, no lombo do cavalo em viagens pelas freguesias. Dois anos depois de o primeiro bispo de Diamantina, dom João Antônio dos Santos fundar o Seminário Diocesano naquela cidade, em 1865, Augusto, então com 11 anos foi internado neste Seminário no ano de 1867, graças á influência do cônego Chaves, de onde, 12 anos depois se sagraria padre, após receber a ordem de subdiácono em 20/06/1878, de diácono em 21/12/1878 e ter lecionado latim no próprio Seminário enquanto aguardava completar a idade mínima de 23 anos para ser consagrado padre o que viria a ocorrer no dia 03/08/1879.

Augusto era aos vinte e três anos quando se tornou padre, um jovem muito bonito, alto, (media 1,81 metro), musculoso, loiro, de olhos azuis, lábios grossos e usava óculos com lentes pequenas e aros de ouro em decorrência de leve miopia que segundo diziam, fora causada pela intensa leitura muitas vezes á luz de lamparina altas horas da noite.

Aos 23 anos ou precisamente no dia 16 de agosto de 1879, vestindo uma batina nova de tecido brilhante, colarinho rendado e um barrete de três bicos o jovem Augusto Prudêncio acompanhado de uma multidão de amigos e vizinhos, saia da residência de seus pais em direção a Igreja Matriz, que naquele tempo se denominava de Paróquia de Nossa Senhora da Conceição e São José de Montes Claros, onde celebraria a sua primeira missa. Augusto foi o terceiro pároco daquela Igreja construída inicialmente no ano de 1769 como simples capela passando por várias mutações até chegar ao estágio atual. A primeira criança batizada pelo padre Augusto, ainda em Montes Claros, chamou-se Osório tendo o jovem padre se afeiçoado tanto a este menino que o tomou como pupilo e foi responsável pela sua criação e educação. Talvez tenha iniciado ai o seu grande amor e devoção que demonstrou durante toda a sua vida de quase 75 anos de idade pelos pequeninos menos favorecidos que ampararia em seu orfanato na cidade que adotaria como berço como veremos na sequência.

De vez em quando o Padre Augusto, montava a cavalo e chegava até o distrito de São Gonçalo de Brejo das Almas, a fim de visitar os parentes. Ele já ia ali anteriormente para ministrar as festas religiosas, hospedando-se em casa do coronel Jacinto Silveira. Falecida a sua mãe, em Montes Claros, consolidou-se a sua transferência em definitivo para a freguesia de Brejo das Almas.

Em 1904, depois de haver exercido o cargo de presidente da Câmara de Vereadores e chefe do Executivo municipal (prefeito – 1901/1904) em sua terra natal, Montes Claros, após eleição disputadíssima e cheia de peripécias, por solicitação própria feita a Dom Joaquim Silvério, sucessor de Dom João, foi transferido para a freguesia de São Gonçalo de Brejo das Almas, hoje Francisco Sá. Tratava-se de um recanto solitário, para onde nenhum outro padre se arriscaria. Pequeno lugarejo próximo á serra do Catuni cuja origem remonta á época colonial, quando o garimpeiro audacioso se aventurava pelos sertões à procura de pedras preciosas, no mesmo lugar onde um dia (02/11/1704) certo bandeirante fincou um rústico cruzeiro em madeira e bradou alto e bom som um vaticínio que infelizmente ainda hoje em dias atuais do ano da graça de 2015 não se confirmou completamente de que aquela terra se transformaria em um comércio próspero e que muito orgulho daria aos seus locais. O amigão ao qual me refiro que não era Mineiro do brejo como nós, mas Paulista de Santos, só não conseguiu ver em sua bola de cristal os obstáculos que seus pósteros teriam de transpor para levarem adiante a árdua tarefa diagnosticada em sua otimista premonição da qual podemos dizer com a imparcialidade natural de filhos das Alterosas que até o momento pouco se cumpriu, a não ser o amor, orgulho e devoção que mantemos pelo Brejo das Almas, nossa terra, que permanecem impregnados, incondicionalmente, em nossa mente, coração e espirito e como bons Brejeiros que somos almejamos um dia ver todas as predições do grande desbravador cumpridas.

Sua posse como vigário do Brejo foi festejada durante oito dias seguidos, recebendo a freguesia das mãos do vigário de Grão Mogol, padre Agapito. Como a paróquia não tinha casa para residência do padre, Augusto passou a residir em companhia de Jacinto Silveira.

No Brejo das Almas o grande Brasileiro, pescador de almas, Augusto Prudêncio da Silva, foi escrevendo, paulatinamente, com a caneta da humildade e amor ao próximo os seus exemplos de vida, cuja marca persiste até hoje não obstante decorridos 84 anos desde que partiu (17/03/1931) vitimado por um câncer na garganta, primeiramente descoberto pelo competente “doutor da farmácia” Niquinho, e depois confirmado pelo doutorzão João José Alves, na bela MOC.

A primeira escola pública de Brejo das Almas deve a sua criação ao Padre Augusto, que a construiu ao lado da casa de Jacinto Silveira. Como a esposa deste era normalista, a seu pedido, o Governo nomeou-a professora, abrindo assim a primeira picada no ensino primário naquela diminuta povoação. Árduo defensor dos pobres e oprimidos construiu anexo à casa paroquial um orfanato onde amparava a infância órfã de quarenta crianças o qual mantinha á duras penas com os parcos recursos que conseguia angariar.

Realizou a ampliação da antiga igreja e no campo da religião promoveu verdadeira revolução litúrgica junto aos fiéis que só fazia aumentar. Comandava pessoalmente as festas religiosas com danças, cânticos e gincanas onde a população prazerosamente se divertia. Nas artes, com os meninos de seu orfanato, organizou uma banda de música a qual deu o nome de LIRA que tinha a frente o Mestre José Maria e com ela disputavam torneios musicais com bandas de Montes Claros. Com isto o padre Augusto incentivava o culto das artes e das letras completando a formação intelectual de seus alunos, pois os mesmos já tinham oficinas de carpintaria e sapataria onde aprendiam o ofício para a conquista do pão.

Na Política Brejeira Augusto foi vereador atuante (1924/1930) na primeira legislatura do recém-instalado município. Na ordem pública, peitou muitos bandoleiros em inúmeras colunas de desordeiros que antes se formavam nos confins do nordeste e que se dirigiam ás localidades ermas para promoverem a barbárie como assaltos, estupros e assassinatos de pessoas indefesas. Entre os bandoleiros, Manduca e Alfredo, vulgo “Alfredão” eram os mais temidos. O primeiro cismou de amarrar um cavalo no cruzeiro em frente à igreja quando o padre rezava missa. Incontinenti, pediu licença aos fiéis, interrompeu a missa, foi lá fora e passou o maior sabão no valente Manduca que, amedrontado com o padre, desamarrou a animália do cruzeiro, mas no dia seguinte foi à forra, roubando-lhe três vacas que o padre de igual forma o fez devolver debaixo de vaias de seus capangas. Já Alfredo teve de interromper várias festas que promovia ao som de músicas altas e muita cachaça. O padre Augusto chegava, dava um horário para o bandoleiro por fim a farra e não tinha mais conversa.

Possuía o dom da premonição e clarividência. Com o seu simples olhar mandava quebrantos e outras mandingas para o espaço. No tempo em que viveu, a lei do mais forte era mantida á mira da escopeta. A sua forma correta de ser e agir o fez se encontrar muitas vezes na mira de alguém com o dedo no gatilho que, no entanto, não disparava por que na hora “h” o dedão do valente borra-botas travava o qual pilhado pelo padre em seu desafortunado intento se derretia todo se ajoelhando aos pés do padre a pedir perdão que só era dado depois de grande sermão que invariavelmente deixava o absolvido em palpos de aranha. São inúmeras as ações com as forças ocultas que tem o padre Augusto no centro. Possuía uma força no olhar capaz de ver atrás dos montes e mover montanhas. Não as utilizava, no entanto, salvo quando necessário.

Em seus aniversários a Rua da Amargura onde morava era toda enfeitada. Em 31/07/1916 quando ele completou sessenta anos, vários discursos foram ali proferido sendo o que mais o emocionou foi o da menina Edith Silveira com o menino José Galvão Bicalho que lhe ofereceram um ramalhete de flores.  Á missa de ação de graças comparecia quase toda população brejeira.

Afirmam os médicos que o câncer é uma das doenças mais cruéis e que mais atormenta o organismo do homem. Como corolário aos que vieram ao mundo em missão santificada, o padre Augusto Prudêncio da Silva colhido que foi pela doença, muito sofreu. Jamais a amaldiçoou. Ao contrário, cansado, com 74 anos, vergava agora sob o peso inclemente das dores que nem mesmo a agulhada de morfina conseguia conter. Nestes momentos de dores extensas seus olhos azuis lacrimejavam e ele delirava. Em seu delírio de frases desconexas o que se ouvia entre um gemido e outro eram “Senhor”... “Maria”... “Estou”... “Aqui”... ”Abade”... “Confessor”...

A folhinha marcava 17 de março do ano de 1931. Um velho patacão talhado em madeira localizado em sua cabeceira assinalava 15 horas e 23 minutos, quando o Padre Augusto Prudêncio da Silva deu o seu último suspiro após receber a extrema unção que lhe foi dada pelo Cônego Marcos Premonstatense, Salineiro, de origem belga.

Ninguém ali queria acreditar que um ser tão bondoso fosse colhido nas malhas da morte. O imenso cortejo o levaria de novo à velha Matriz onde merecidamente frui o repouso dos justos. Sim, apenas repousa, por que os justos e bons não dormem, jamais.

E tenho dito.

*Enoque Alves Rodrigues nasceu no Brejo das Almas.
 

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O BREJO E SUA GENTE I - JACINTO SILVEIRA


O BREJO E SUA GENTE I – JACINTO SILVEIRA
 
*Enoque Alves Rodrigues
 
No próximo dia 8 de Janeiro de 2015 o nosso querido Brejo das Almas ou Francisco Sá estará completando 77 anos desde que viu partir rumo ao mundo maior, com quase 67 anos de idade, o seu fundador e principal defensor Jacinto Alves da Silveira, que durante toda a vida travou, no campo de batalha da politica, na maioria das vezes enfrentando inimigos sem rostos, ocultos por falsidades e traições, lutas ferozes que varavam noites, no sentido de ver concretizado o sonho de emancipação politico-administrativa do Brejo das Almas do município de Montes Claros o que ocorreria em 1923/24, para que através deste feito, conforme ele imaginava, o seu povo pudesse usufruir-se de dias melhores e de um futuro menos incerto. Faleceu Jacinto em 1938 depois de ter padecido durante doze longos anos do mal de Parkinson cuja patologia neurológica degenerativa o obrigava a arrastar-se pelas ruas do Brejo até a antiga sede do agora município onde trabalhava arduamente numa demonstração clara e inequívoca de dignidade, retidão de caráter, força e persistência, deixando gravado em letras indeléveis à posteridade os mais sólidos e reais exemplos de vida que se encontram apenas na lide honrada uma vez que somente por este caminho o homem consegue escrever o seu próprio nome nos anais de uma história igualmente digna e longeva.
 
Lutador incansável pelos direitos de seu povo, íntegro, transparente, correto em todas as suas atitudes, honesto até a medula, numa época em que a mosca varejeira já sobrevoava o mundo da política, Jacinto Silveira conduzia os destinos do povo Brejeiro para o porvir, assim como Moisés do Egito o seu povo rumo à Terra Prometida. Jamais perdeu uma eleição. O Brejeiro daqueles tempos sabia reconhecer os valores inalienáveis daquele homem e o tinha como a um verdadeiro Líder. E como tal ele se comportava: respeitador e cerimonioso, de falar pausado, mirava sempre nos olhos do interlocutor e não o interrompia enquanto falava. Firme, convincente e assertivo. Jamais tergiversou ou se utilizou de meias verdades para expressar o seu pensamento. Era homem de posições claras e definidas. Benevolente e despojado, servia a todos com amor sem pedir nada em troca. Disciplinado, sabia ser enérgico sem ser jactante. Muitos foram os Governadores de Estado que utilizaram o prestigio de Jacinto. A palavra dele era uma ordem e nela todo e qualquer Brejeiro acreditava cegamente por que Jacinto a proferia com clareza e nunca deixou de cumpri-la.
 
Jacinto Alves da Silveira foi, até hoje, o único capaz de reunir todos os predicados que habilitam qualquer individuo a afirmar ter vivido a vida em toda a sua plenitude na prática do bem. Descendente de famílias de Ouro Preto, assim como Pena, Oliveira, Dias, Xavier, entre outras, Jacinto, um dos muitos filhos do velho Fazendeiro José Alves da Silveira, nasceu no Brejo, lá pelos idos de 1871, quando o Brejo sequer sonhava em ter as feições de hoje. Assemelhava-se, muito mais, ao longínquo dois de novembro de 1704, quando não passava de uma vasta mata às margens dos rios Verde Grande, São Domingos e Gorutuba, onde Antônio Gonçalves Figueira fincou pela primeira vez, ao lado da Lagoa das Pedras, o imenso cruzeiro que marcaria para sempre, no tempo e no espaço, o inicio de uma nova era. Jacinto, ao contrário de seus outros irmãos que eram todos Fazendeiros, desde a infância, apesar de rústico, já se revelava muito inteligente, quando lia, escrevia e realizava cálculos difíceis até mesmo para quem tinha a mais elevada cultura. Era, desde aqueles tempos, um iluminado, na mais clara e límpida definição do termo.
 
Alto, bigodes aparados e cabelos cortados à escovinha, Jacinto trajava-se sempre de brim-cáqui. Em sua juventude percorria no lombo do cavalo por estradas de chão batido, a longa distância de 270 quilômetros conduzindo grandes manadas de gados de corte que eram vendidas na cidade de Curralinho, hoje, Corinto, situada ao norte de Minas Gerais. Com 24 anos conheceu e casou-se com a normalista Maria Luiza de Araújo, na velha Matriz de Montes Claros, no dia 16 de Novembro de 1895. Maria Luiza foi durante toda a vida, sua fiel e inseparável companheira, a qual foi responsável pela condução dos destinos do povo brejeiro no campo da educação e cultura, enquanto Jacinto preparava esse mesmo povo na política e principalmente para a emancipação administrativa do Brejo. Jacinto foi o primeiro presidente da primeira legislatura municipal brejeira, 1924/1930, que era composta pelos seguintes vereadores: Padre Augusto Prudêncio da Silva, Francisco Fernandes de Oliveira, José Dias Pereira Zeca, João de Deus Dias de Farias e Rogério da Costa Negro, este último, um grande comerciante do ramo de tecidos.
 
Rico, dono de várias fazendas de gado e cultivo, casas comerciais e muitas outras fontes de renda, Jacinto Alves da Silveira, homem que durante toda a existência sempre teve a casa cheia de amigos e correligionários aos quais sempre ajudava com recursos pessoais, sem qualquer interesse ou apego material senão ao simples prazer de servir. Bancava, do próprio bolso, inúmeros candidatos em campanhas eleitorais caríssimas. Depois de ter custeado a emancipação do Brejo das Almas onde, também, doou ao estado prédios de sua propriedade para comporem a Sede Administrativa e o Conjunto Arquitetônico do Município, condição esta indispensável a sua aprovação e homologação, morreu, no entanto, pobre, mas digno e praticamente só, tendo ao seu lado apenas os familiares mais próximos.
 
Não é sem motivo que um de seus filhos, o também Coronel Geraldo Tito Silveira, assim se expressa em um de seus lindos libelos, referindo-se as indiferenças das quais fora vitima o pai: “Nos áureos tempos de sua vida abastada, quando ele plantava as sementes de uma pequena fortuna, depois esbanjada nos ardores da política, feita somente para o bem-estar de outrem, sua casa solarenga vivia repleta de “amigos”. Até então, não se via pela estrada real, que ia dar à Bahia, uma só pousada ou hospedaria, de modo que os forasteiros que por ali passavam procuravam a casa do Coronel Jacinto, onde recebiam todo o conforto, gratuitamente. Muitas dessas pessoas eram acometidas de terríveis pestes inclusive febre brava!”.
 
E arremata o grande escritor do Norte de Minas, Geraldo Tito Silveira, agora lamentando mais uma grande injustiça com a qual brindaram o pai. Aliás, muito já falei sobre tal injustiça que espero um dia, quiçá nessa atual encarnação ver corrigida: “Como corolário da ingratidão dos homens, mudaram o nome de Brejo das Almas, não para perpetuar o nome de Jacinto Silveira, na terra que engrandecera, mas para honrar o nome de outro Brasileiro, Ilustre, é verdade, mas que nada fizera por ela.”. Refere-se ao Doutor Francisco Sá, (1862-1936), nascido na fazenda Brejo de Santo André, que naqueles tempos pertencia ao Município de Grão Mogol e que foi Ministro da Viação e levou a Estrada de Ferro Central do Brasil até Montes Claros, esta sim, muito lhe deve.
 
Servidor nato e dedicado que jamais guardou mágoas ou fugiu à luta, não obstante toda a ingratidão que recebeu, em virtude de seu incondicional amor pelo Brejo e seu povo, se realizassem hoje uma chamada oral convocando homens de bem a colaborarem com qualquer causa que tivesse por objetivo o bem comum, a justiça social, a luta contra as desigualdades dos menos favorecidos, alguém, digno, decente, probo e humano em quem, todos nós pudéssemos nos espelhar, ao gritarem o nome “Jacinto Alves da Silveira!”, com toda certeza ouviríamos, prontamente, em algum lugar do Brasil a voz firme, forte e determinada do coronel e grande Líder Brejeiro:
 
“Presente... Eis-me aqui!”.
 
E tenho dito.
 
*Enoque Alves Rodrigues nasceu no Brejo das Almas.
 

sábado, 27 de dezembro de 2014

FELIZ ANO NOVO BREJEIROS!


FELIZ ANO NOVO, BREJEIROS!

 

Desejo a todos vocês amigos e conterrâneos de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, um ano de 2015 cheio de muita saúde, paz e incontáveis realizações em suas vidas material e espiritual.

Que todos os seus sonhos se cumpram com muito trabalho, persistência e comprometimento com a moral, ética e retidão de caráter.

Que jamais se enveredem por caminhos aparentemente fáceis, por que na vida nada se consegue sem que seja com muita luta e árdua lide.

Que nunca se esqueçam durante os 365 dias do ano  que iremos começar de que quando se trabalha focado na excelência de resultados, tudo se consegue.

Sinceros votos de muito sucesso e um forte abraço do Brejeiro distante.

FELIZ 2015 hoje, amanhã e sempre!

 

sábado, 13 de dezembro de 2014

FELIZ NATAL, BREJEIROS!!!


FELIZ NATAL, BREJEIROS!

Neste momento quando todas as atenções e expectativas se voltam para os verdadeiros sentidos do renascimento, quero aqui neste espaço que utilizo durante todo o ano desejar a todos vocês, amigos e conterrâneos do Brejo das Almas que sempre me honram com suas visitas os mais sinceros e profundos votos de um Feliz Natal.

Que todos os vossos propósitos possam se concretizar e que a Luz que há mais de dois mil anos veio iluminar o mundo possa se fazer presente em vossos corações em todos os dias do ano e de suas vidas!

FELIZ NATAL, BREJEIROS!!!

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

COISAS DO BREJO - GARAPAS BREJEIRAS I


Coisas do Brejo – Garapas Brejeiras I

*Enoque Alves Rodrigues

Herança de nossos antepassados que aqui se aportaram com suas caravelas, ainda hoje, esporadicamente, aqui e ali, se cultiva no Brasil e principalmente no norte de Minas Gerais, a tradição milenar dos engenhos artesanais que em sua maioria são aqueles cuja moagem é feita mediantes tração animal ou especificamente por algumas cangas de bois quando se quer produzir em grandes escalas melado, rapadura, mascavo, doce, “puxa”, cachaça, etc.

Em meus tempos de menino quaisquer famílias detentoras de um pequeno pedaço de terra se destacavam pelo cultivo da cana de açúcar e a sua posição econômica era medida pelo tamanho do engenho que tinha assim como pela quantidade de cangas, trelas ou parelhas de bois que utilizavam aos seus serviços.

No Brejo das Almas ou Francisco Sá e suas adjacências as moagens se iniciavam lá pelo mês de Julho e se estendiam até o mês de dezembro absorvendo mão de obra excedente e barata que, via de regra, tornava-se obsoleta imediatamente após o término das atividades nos engenhos. Durante a colheita e moagem da cana famílias inteiras se acorriam ás fazendas por que sabiam que em todas elas havia o fator gerador de seus estipêndios com os quais pelo menos durante aquele semestre supririam suas necessidades mais elementares. O “ganhâme” era pouco, mas o trabalho pesado que as mantinham era constante e com isso dava para ir enganando o estômago. Todas as fazendas iniciavam ao mesmo tempo a moagem da cana quando o cantar dolente das moendas em sinfonia perfeita, ecoava pelas quebradas do sertão sem fim. Eu ficava extasiado naquele mundo e me sentia como se os meus pés tocassem o solo de outro planeta.

Mantendo a tradição, o meu avô que possuía um bom pedaço de terra também tinha o seu engenho. Portanto, conheço muito bem essa rotina de perto, pois com ela convivi em infância. Aliás, várias foram as oportunidades em que me referi aos engenhos do meu avô em minhas crônicas e livros. Por que era uma rotina no mínimo curiosa até mesmo para quem “é do meio.”.

No caso particular do meu avô e seu engenho, ao contrário do que muitos possam pensar, os preparativos se iniciavam em Janeiro de cada ano á partir da seleção e treinamento “workshop” dos bois e composição de seus respectivos pares com os quais iriam conviver por longos seis meses. Tinha de existir uma química entre as parelhas e esta química se aferia desde a sintonia dos olhares passando pela arrancada ao mesmo tempo em obediência á ordem do tocador até a manutenção do mesmo ritmo de puxamento á nova ordem de parada ou “break” para um “lanche ou café” dos dignos colaboradores ruminantes, bem como dos humanos que não ruminam, mas também são filhos de Deus e não são de ferro, pois saco vazio não para em pé. Soma-se aos preparativos dos bois ás cangas em madeira leve e macia que o meu avô talhava com toda maestria e carinho para não machuca-los. Relhos e ferrões ou qualquer efeito coercitivo não existiam ali. Todos trabalhavam ordeira e prazerosamente sem imposição alguma por que todos ali tinham conhecimento e consciência plena de suas importâncias e tarefas que coroariam com êxitos a busca obstinada da excelência no final da jornada.

As atribuições hierárquicas desenvolvidas pelos seres humanos dentro de um engenho em plena produção é algo hoje impensável e seguramente difícil de acreditar razão pela qual me poupo de me aprofundar em sua narrativa pela complexidade que incansavelmente já expliquei ou pelo menos tentei explicar em crônicas antiguíssimas e mais recentemente em meu livro “O Brejo das Almas em Crônicas”. Para lhe refrescar um pouco as ideias as atividades interativas (por que em um engenho de verdade não existe ninguém trabalhando só, isoladamente) lembram, e muito, o trabalho de formiguinhas em seus habitat.

Enquanto no canavial um caboclo corta a cana o outro a transporta para o carro de bois onde outro caboclo depois de acomoda-las ordena aos bois para que puxem o carro até o engenho aonde outros bois esperam para triturar a cana convertendo-a em bagaço. Chegando ao engenho outro caboclo (o singular que utilizo é uma mera “licença poética” por que em um grande engenho tudo é superlativo. Tudo é no plural) limpa a cana e leva até as moendas que após moê-las subtrai-lhes, à exaustão, determinado “líquido dos deuses” que ainda em sua fase primitiva recebe o nome nada pomposo de “garapa” o qual, felizmente, ostenta por pouquíssimo tempo ou somente enquanto percorre dentro do cocho a distância entre ás moendas e o tacho de bronze fumegante pelo fogo nos fundilhos. Dali, ela, a garapa, vai passar por várias mutações e metamorfoses de acordo com a determinação do dono do engenho que fica muito difícil imaginar que o produto final no qual resultou tudo aquilo foi garapa algum dia.

É uma caminhada escalonada e progressiva a que a garapa empreende desde que sai da cana e a cada ponto por ela atingido é um produto pronto e acabado. De posse de uma cuia escumadeira ou espumadeira, com a qual se retira a espuma, quem determina o ponto certo e a qual produto o mesmo corresponde é uma cabocla ou caboclo, no meu tempo era cabocla fêmea que recebia o nome de “viradeira de garapa”, em alusão ao vai-e-vem frenético de sua enxada de madeira que revirava a garapa transformando-a em estado sólido sem queimar ou endurecer precocemente o que seria uma perda total da taxada.

O ponto que mais me atraia na taxada e que eu esperava ansiosamente era o segundo ponto. Você sabe qual é o segundo ponto da garapa? Não?

Pois é exatamente o ponto onde a garapa atingiu o estado semissólido que é aquele onde se faz a puxa e os doces antes de ela endurecer o coração nas formas de madeira que a transformam em rapadura que como todos sabem, é doce, mas não é mole. Poderia discorrer longamente sobre ás mil e uma utilidades da cana e seus derivados, bem como nominar cada etapa de seus produtos. Mas fatalmente eu não poderia fazê-lo sem chegar à “mardita” que me reservo o direito de me abster pelo fato de jamais ter ingerido álcool e não vou aqui fazer apologia ou propaganda de algo do qual não sei o gosto. Fazer cachaça eu sei. Beber cachaça, não.

Sinceramente, não sei se em meu Brejo das Almas ainda há engenhos. Se existem é certo que não são como descrevi. É possível que assim como as mutações e metamorfoses pelas quais passam a cana na confecção de seus produtos, os engenhos brejeiros hoje não devem ter o menor resquício do que foram antes. Perderam status. Suas moendas outrora barulhentas emudeceram. Não cantam mais. Gostaria muito que em minha próxima ida ao Brejo das Almas algum local me apresentasse a um engenho para que eu o compare com a imagem do que restou no fundo de minhas reminiscências.

E tenho dito!

*Enoque Alves Rodrigues é Brejeiro de nascimento.

sábado, 1 de novembro de 2014

O BREJO DAS ALMAS E AS SECAS DA MINHA INFÂNCIA


O BREJO DAS ALMAS E AS SECAS DA MINHA INFÂNCIA

*Enoque Alves Rodrigues

O período de escassez de chuvas que atualmente assola grande parte do Brasil onde se destacam por ordem de intensidade os Estados de São Paulo e Minas Gerais me transporta ao querido torrão natal de Brejo das Almas dos meus tempos de menino, quando, munidos de garrafas com água e guiados por dona Lú (Maria de Lurdes), saiamos da Vila Vieira, antiga Lagoa, em novenas intermináveis onde, depois de passarmos pelo Centro do Brejo e largo da Matriz, seguíamos em direção ao morro da Caixa D’agua onde depositávamos aquelas garrafas contendo o mais precioso líquido juntamente com as nossas esperanças de que a entidade responsável pela torneira que faz chover nos atenderia. Quanto mais o Homem lá de cima aquecia o seu maçarico mais nós rezávamos aqui em baixo. Tempos difíceis àqueles onde o sol não dava tréguas ardendo sem dó e piedade no lombo do caboclo.

Graciliano Ramos dizia que as secas se diferem uma da outra apenas pela sua duração por que todas as secas são iguais por afetar diretamente o que o sertanejo tem de mais sagrado: a roça, o sustento e a dignidade.

A seca que estamos vivendo nos dias atuais em Minas e em São Paulo além de ser uma das mais longas em quase 80 anos é sem duvida alguma a mais grave e prejudicial por que afeta todos os setores da economia, impactando, invariavelmente, na conta de todos que além de ter de conviver com a falta d’agua para suprir necessidades básicas de sobrevivência terá de arcar com os aumentos escorchantes dos produtos que certamente irão reduzir o feijão na mesa do pobre e a água que o rico esbanjava lavando seus carrões. Foi-se o tempo em que as secas as quais se referia Graciliano castigava só o sertanejo. Naquela época o homem nascia, vivia e morria no campo onde produzia safras que consumia e vendia o seu excedente aos pequenos e grandes centros urbanos. Hoje não. Com o êxodo rural que aos poucos foi tirando o homem do campo devido á absoluta falta de oportunidades de lá seguir produzindo, empurrou-o para a cidade com a cabeça cheia de esperança de dias melhores que na maioria das vezes não passa de uma vã ilusão ou utopia, pois as barreiras com as quais o sertanejo que não foi preparado para viver na cidade terá de enfrentar superarão, e muito, as que dificuldades que ele, outrora, galhardamente driblava no cultivo da terra seca.

Não entrarei no mérito da crise do desabastecimento de água de São Paulo ou do nível do Cantareira. Vivo em São Paulo, mas sequer sei onde fica essa joça. Isso, no entanto pouco importa. O que importa é que independente da gravidade destas estiagens faltou gestão e sobrou incompetência do Governo. Faltou consciência e sobrou desperdício do povo. Mas, nem mesmo isso me interessa já que não escrevo sobre São Paulo.

Voltando para o meu Brejo das Almas, vejo o esforço hercúleo que as autoridades estão fazendo para amenizar o impacto desta terrível seca na vida de seus cidadãos munícipes. Os rios principais que banham a cidade de Francisco Sá estão minguando. Queira Deus não desapareçam completamente. Córregos que antes corriam o ano todo agora estão secos. Há partes que sequer se consegue acreditar ter existido água algum dia. Lagoas e Brejos que dão nome ao meu rincão querido se esturricaram há muitíssimo tempo.

Materialmente diríamos que a situação é desesperadora e que beira a calamidade não fosse à fé que ainda temos na Providencia Divina. Quando as ações humanas não tem muito que fazer, ou avançar, a alternativa mais sensata que se tem além de seguir lutando com todas as forças, é contar com a ajuda de Deus que a ninguém despreza e no final acaba sempre fazendo o melhor, contemplando-nos com a graça das sonhadas chuvas. Isso já ocorreu com as novenas de Maria de Lurdes que narrei em uma de minhas crônicas antigas.

Sejamos perseverantes em nossos melhores propósitos, confiando, primeiro em Deus e depois naqueles que tem ás mãos os destinos do nosso Brejo das Almas. Teremos muito em breve água farta. É questão de tempo.

Enquanto isto não acontece, retorno-me, em sonhos, á minha infância Brejeira e vou solvendo, lentamente, os momentos felizes onde vejo ás enchentes do rio São Domingos com suas águas barrentas que, qual avalanche, traz em seu leito, serra abaixo, troncos e toras, peixes e sapos que dispensa, violentamente, no rio verde grande. Ao norte da minha cidade vejo na elegância dos seus bancos de areia o rio Gorutuba onde aproveito para descansar. Ainda ao norte correm piscosos os córregos do carrapato, sitio novo, ribeirão de cana brava, o córrego do pau preto, do brejão, mamonas, traçadal e do quem-quem. Já ao sul da “beldade do norte de Minas” onde nasci, observo caudalosos, rio boa vista, vaca brava, córrego dos patos, rio caititu (olha o capitão Enéas ai, gente!), o rio da prata e o córrego rico. Vejo ainda no caminho de Salinas a lagoa da barra. E o que dizer da lagoa das pedras e seus encantos?

Que tristeza que tudo isso não passa de um sonho. Que alegria por a seca ainda não me ter roubado o dom de sonhar. Quanta decepção ao acordar e constatar que o meu sonho não é uma realidade. Quão incomensurável é a minha felicidade em saber que os meus olhos um dia presenciaram tão maravilhosos acontecimentos. Pena que as minhas retinas de menino não “reteram” tudo aquilo. Via com naturalidade o infinito na finitude das coisas e tempos e imaginava que aquelas belezas jamais se acabariam.

Eu era feliz e não sabia!

E tenho dito.

*Enoque Alves Rodrigues nasceu no Brejo das Almas.