domingo, 27 de maio de 2012

A FÊNIX BREJEIRA II - JESUINO DO QUILOMBO


A FÊNIX BREJEIRA II – JESUINO DO QUILOMBO

Enoque Alves Rodrigues

Ele surgiu em pleno centro da Cidade de Francisco Sá ou Brejo das Almas como se por encanto. Aliás, surgiu como todos eles surgem. Aparentemente do nada. É muito mais natural do que possamos imaginar, que a maioria daqueles que muitas vezes encontramos a trilhar um caminho insólito como se andarilhos fossem, receberam na verdade alguma missão especial a qual nós, desprovidos de um conhecimento que ainda se encontra a milhões de anos luz de distância, ignoramos inteiramente. Estávamos em meio à década de 1950. Caminhava, vagarosamente, manquitolando pelas ruas empoeiradas do Brejo. Trazia às costas um sujo saco de estopa onde podia se constatar o volume de algo em seu interior. Silencioso, jamais abriu a boca para pedir alguma coisa para alguém. Apenas caminhava. Depois de percorrer todas as poucas ruas do Brejo daqueles tempos, sentava-se em frente à igreja e lá ficava observando a paisagem. Depois de muito observar, fixava seu olhar em algum ponto do firmamento e dormia.

O apelido de Jesuíno do Quilombo, ele recebeu de algum engraçadinho talvez pelo fato de sua aparência física com o grande Zumbi dos Palmares pela tez preta, cabelos pixaim, alto e magro. A princípio, muitos acreditavam que o “quilombo” que trazia como sobrenome fosse por ser ele oriundo de uma respeitável comunidade, àquela época, pequeno reduto desta nobre raça, cuja comunidade se localiza ainda hoje no Município de Francisco Sá. No entanto, como se comprovariam depois, ele sequer a conhecia. Não demorou muito e sua verdadeira procedência foi descoberta, por acaso, pelo renomado poeta, jornalista e escritor Brejeiro de inquestionável expressão literária no norte de Minas Gerais, Olyntho da Silveira.

Jesuíno do Quilombo era na verdade Gotardo Apolinário de Souza e descendia de escravos de senhores de engenhos na Bahia, ou precisamente nas imediações de Vitória da Conquista. Ele chegou ao Brejo das Almas trazido por uma coluna de bandoleiros que lhe retiraram do convívio familiar, passando a explora-lo na condição de cozinheiro. No Brejo, aquele bando de sanguinários que estava sempre fugindo da Policia, escolhia os lugares estrategicamente afastados do centro da Cidade para que assim pudesse pinotear a qualquer momento, caso tivesse que recuar de algum confronto eventual com os meganhas. É por isso que ninguém no centro do Brejo das Almas conhecia ou sequer antes houvera tido qualquer contato com Jesuíno do Quilombo. 

Quando naquela cálida madrugada de Setembro o tempo fechou para os lados daquele bando cercado que foi por duas frentes federais que vinham de Montes Claros e de Monte Azul, surpreendido, não lhe restou nenhuma alternativa senão a da fuga vergonhosa e humilhante. Na correria acabou ficando sem seu cozinheiro que por possuir a perna esquerda mais curta que a direita, razão de seu manquitolar, não foi possível acompanhar sua turma. Como ele era apenas um cozinheiro, que nenhum mal houvera causado a qualquer local, não foi difícil a sua acolhida. A cidadezinha pacata de então, acabou por adota-lo como filho. E que filho amoroso ele era. 

Numa época em que os serviços de limpeza pública no Brejo capengavam, aquela alma, munida de galhos da velha palmeira que ainda hoje tremula em frente à Igreja Matriz, na Praça Jacinto Alves da Silveira, varria, graciosamente, todas as ruas por onde passava. Antes, ele tinha o cuidado de jogar água para apagar a poeira. Era por isso que, cansado, depois de finalizar suas tarefas de varrições do dia ele se dirigia para as escadarias da igreja para descansar e dormir.

Educado, Digno e nobre, quando algum brejeiro inadvertido lhe estendia uma moeda ele que na maior parte do tempo ficava silente, falava:  “por favor, meu senhor, guarde-a. Eu nada fiz por merecê-la. Mas eu poderei até aceita-la. Desde que o senhor me ofereça algum trabalho de limpeza ou cozinha para fazer. Os meus superiores não me permitem receber nada sem o devido esforço.”  Sem entender, o interlocutor, bom samaritano, lhe perguntava: mas a quais senhores você se refere? Sempre o vejo ai, sozinho? Ele assim respondia apontando para o Alto: “Eles estão Lá em Cima. Acham-se fora do alcance de nossas vistas mais muito próximo do nosso coração!”

Na gangorra da politica brejeira, Enéas, o Capitão, agora era Prefeito. Feliciano era seu vice. Poucos anos antes o jogo era inverso. O primeiro era vice do segundo. Entendeu? Não? Nem eu. Desvira tudo que você entende. Dá no mesmo!

O que importa é que o Prefeito Enéas, cujo coração de tão grande não cabia no peito, naquele dia ao sair da Prefeitura em direção a Fazenda Burarama, ao passar em frente ás escadarias da Matriz viu, de soslaio, Jesuíno do Quilombo, que voltava com seu galho de palmeira em punho, de mais um périplo de varrição pelas ruas do Brejo. Enéas, a quem nada passava despercebido, apeou. Aproximou-se de Jesuíno e passou-lhe a mão em cumprimento.

- Como vai, meu amigo!

- Bem. E o senhor?

- Bem, também! Você é Brejeiro?

- Não senhor. Sou Baiano!

- O que fazes com este ramo de palmeira na mão? Quis saber o Prefeitão Enéas Mineiro.

- É o meu instrumento de trabalho. Com ele eu faço a limpeza das ruas desta Cidade, que estão, diga-se de passagem, um verdadeiro lixo. Aliás, toda esta Cidade está uma porqueira só que dá gosto. Até parece que não tem Prefeito!

O Capitão, não perdia o rebolado jamais. Com simpatia e ternura, fitou Jesuíno de alto a baixo. Mesmo não sendo Mineiro além do sobrenome, sabia matutar e medir as palavras antes de proferi-las, próprio daqueles, que assim como eu, nasceram nas Alterosas. Foi aí que após pensar bastante, abriu os braços e um grande sorriso, e se apresentou:

- Pois é, meu amigo. Muito prazer! Talvez você ainda não saiba, mas sou eu o Prefeito desta Cidade que se chama Francisco Sá. Quero lhe informar que estou me empenhando o máximo para torna-la a mais limpa possível e com a sua ajuda, vamos conseguir!

- “E por que é que o senhor acha que eu estou lhe falando assim? Vossa Mercê pensa que eu que sempre me mantive calado falaria isso para qualquer um? Eu sou pobre e sujinho de roupa mais limpinho de coração. É por isso que eu só falo com o dono dos porcos. O senhor tem que convocar todo mundo para me ajudar a fazer a limpeza senão daqui a pouco as cobras vão sair dos brejos e vão invadir as casas. É muito trabalho para uma pessoa só... O senhor não acha?”

A partir daquele dia instituiu-se em definitivo o serviço de limpeza pública na Cidade.

É...

Por vezes, a chacoalhada vem de onde menos se espera. De pessoas que seriam inimagináveis, não tivessem boca.

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há 41 anos na área de Engenharia. É autor do livro “Liderança Conquistada” que já se encontra nas melhores Livrarias de São Paulo e poderá ser pedido diretamente pelo e-mail: enoque.rodrigues@ibest.com.br . É Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 19 de maio de 2012

ENOQUE RODRIGUES: ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – FREDÃO DE TONHAEnoque Al...


ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – FREDÃO DE TONHA

Enoque Alves Rodrigues

CENTRO DO BREJO DAS ALMAS
Ele residia num antigo casarão construido com adobe com fachada em cor verde musgo que ficava a três casas depois da casa da Dona Quino, na alameda central, em Francisco Sá, ou Brejo das Almas, em cujo frontispício se lia “pensão.” Ali ele vivia em companhia de Antônia Claudina Ferreira, a Tonha, e seis bacuris todos eles fora da Escola, apesar de se acharem em idade escolar.
 
Alfredo Dias Severino, 40 anos, agricultor, nascido no Ceará, mas radicado desde criancinha no Brejo, tinha que dar um duro dos diabos para poder sustentar sua grande família. Tonha cuidava das crianças, da casa e da horta, enquanto Fredão trabalhava nas fazendas da região na condição de camarada. A alcunha de Fredão era alusiva ao seu tamanhão de 2,05 metros, uma aberração para a época quando o raquitismo corria solto impedindo que até mesmo os ricos e bem nutridos ultrapassassem a altura de 1 metro e 60 centímetros. Naqueles  cafundós de meu Deus onde orgulhosamente nasci, quando, ao traçarem o perfil de alguém, se mencionasse “estatura mediana,” entender-se-ia que o individuo em referência possuía menos de 1 metro e 60 centímetros de altura. Era esta a nossa média. Um pouco mais que isso já era considerado alto. Hoje a estatura mediana para homens é de 1 metro e 70 centímetros. 

Alfredo, além de alto, era muito forte. Era como vamos ver mais adiante, um “costa larga.” Tremendo “pé de boi” na arte de trabalhar e produzir consumia, com a mesma voracidade em que detonava os eitos de roçados, duas imensas gamelas de comida no almoço e uma no jantar, esta regada a cachaça. A merenda que era servida ás duas da tarde tinha que ser composta de uma rapadura e duas cuias de farinha só para ele. A sua produção diária era superior á produção de dois homens juntos. Mas para contrata-lo o Fazendeiro ou meeiro tinha que ter “bala na agulha”, ou melhor, tinha que ter rango na panela, senão “a máquina” não girava.

Foi durante uma colheita de algodão na fazenda de Rosalino que ficava próximo a fazenda de meu avô, Liberato, que tive a oportunidade de conhecer, pessoalmente, aquela figura. Sua fama eu já conhecia de longa data. Por isso, quando o capataz de Rosalino, de nome Juca, nos informou que Fredão ia trabalhar com eles na colheita daquela safra de algodão, minha curiosidade ficou mais aguçada. 

Manhã de Segunda Feira. O ano era 1961. Atravessei a pinguela do afluente do quem-quem e, de longe, já pude visualizar do outro lado, o algodoal de Rosalino. Aproximei-me. Era verdade. Lá estava ele, o “gigante,” em meio a uma roda de outros camaradas tomando café e palestrando antes de iniciar o batente. Parei-me meio surpreso e pus-me a observa-lo. Mãos longas, mas proporcionais ao corpanzil. Aguardei o inicio das atividades do grandalhão. Desejava ver também como os outros “pequenos mortais” se comportariam. Queria também, se possível, no final do dia, assistir as pesagens das colheitas. Fazer as comparações apesar de nada daquilo me dizer respeito, etc.

Sete horas. Após o tilintar de uma velha enxada a guisa de sirene, assim como são dadas as largadas para as corridas, eis que todos saem cada qual em seu eito de algodão, com sacos amarrados à cintura enquanto os dedos ágeis, em frenéticos movimentos, estraçalham os capuchos, lançando-os aos sacos. Depois de sumirem de vista entre os eitos ou ruas, eis que, num passe de mágica, lá estão todos eles, exceto alguns retardatários, assim como o são nas retas de chegada das corridas, quando nem todos chegam ao mesmo tempo, fazendo a curva de volta, ganhando minha direção. Fredão, para minha decepção, se achava entre os retardatários. Pensei comigo: esse cara não é de nada. É literalmente um bundão. Só tem tamanho e fama. Foi tudo propaganda enganosa. 

Ledo engano. Aquele mestiço, brutamontes só estava mesmo “esquentando os motores.” Quando o relógio assinalou oito horas, o pau quebrou. Como se estivesse enlouquecido, o cara, entre um assovio e outro, deu uma chacoalhada nos quadris, endireitou o espinhaço e começou a cantar. Á maneira que ia cantando avançava sobre os eitos como se a melodia ditasse seu ritmo. Com uma só “mãozada” colhia vários capuchos de algodão e socava-os no saco. Enquanto os outros enchiam um saco ele já havia enchido dois. De longe, com um assovio seguido de um olhar estranho, entre, engraçado e diabólico, gritou para o balanceiro: 

- “Tadeu, seu cabrunco da mulésta, ampria ai o meu espácio próchimo da balância pra mim colocá os saco, apusquê hoje eu tô cum cão e cum a gota serena  e vô tirá seis arroba!”

Caramba. Aquilo não era possível. Principalmente se partirmos do pressuposto de que dificilmente alguém consegue colher mais que 45 quilos ou três arrobas de algodão por dia.

Retornei para a Sede da Fazenda de meu avô e à tarde quando iam iniciar as pesagens, regressei. Subi sobre um mourão que ficava próximo da balança, em meio á montanha de sacos de algodão, e, mais uma vez, pus-me a observar.

O balanceiro Tadeu, ao lado do capataz Juca, com uma velha caderneta onde fazia a contabilidade, sentado na sela de seu cavalo sobre o qual se viam duas grandes bruacas de couro abarrotadas de notas de cruzeiros, numa época abençoada em que ninguém roubava ninguém não só por medo dos efeitos coercitivos da lei dos homens, mas principalmente por temerem a Lei de Deus e o tridente do diabo, não transgredindo um dos mandamentos onde está escrito, não furtarás, ia chamando os peões um por um, por seus respectivos nomes seguidos do total da “apanha” e do valor correspondente ao pagamento da diária.

- Jazão do Brejo, duas arrobas, 20 cruzeiros. Felisbino de Vaca Brava, duas arrobas e meia, 25 cruzeiros. Elpídio do Mangal, uma arroba e meia, 15 cruzeiros. Jacó de Salinas, três arrobas, 30 cruzeiros. Manoel de Taiobeiras, duas arrobas, 20 cruzeiros. Gervásio de Cana Brava, duas arrobas e meia, 25 cruzeiros. Daniel do Catuni, três arrobas, 30 cruzeiros. Geninho de Orion, uma arroba, 10 cruzeiros, etc.

Ao chegar á vez da pesagem da colheita do “gigantão,” o capataz pigarreou, estufou o peitoral, empostou a voz, e, como se fosse proferir um longo discurso, mandou: 

- “Alfredo, de Tonha, pai de seis filhos, Cearense cabra da peste, que mora no Brejo, dois metros e cinco de altura, costas largas, que come duas gamelas de comida no almoço, uma rapadura com duas cuias de farinha na merenda e uma gamela de angu com um litro de cachaça na janta, grande pé de boi para trabalhar, seis arrobas, 60 cruzeiros.”

Com apresentação tão rica em pormenores como esta não me restaram mais dúvidas, mas somente a certeza de que Fredão era realmente imbatível. 

É...

As pessoas, por vezes, pecam pelo excesso de detalhes que nem sempre nos interessam.
E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há 40 anos na área de Engenharia. É Escritor, com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada que será lançado agora em maio/12 e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 12 de maio de 2012

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ - JARDIM PÚBLICO MUNICIPAL


ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – JARDIM PÚBLICO MUNICIPAL

Enoque Alves Rodrigues

PRAÇA JACINTO SILVEIRA
Quando a 31 de Janeiro do ano de 1969 o Prefeito Eurico Penna da Silveira inaugurou na Praça Jacinto Silveira, em frente á igreja matriz do Brejo das Almas ou Francisco Sá, “igual a ti, outro não há,” o Jardim Público Municipal, poucos Brejalminos acreditavam que aquele projeto havia finalmente se materializado, deixando em definitivo o papel.

Concebido na prancheta daquele a quem poderíamos chamar de “o Niemayer do Brejo,” o Dr. Arthur Jardim de Castro Gomes, parte integrante e indissolúvel da vida de Francisco Sá desde os primórdios, onde exerceu com fervor, transparência, dedicação e galhardia, os mais diversos cargos públicos, inclusive o de Prefeito em gestões coroadas de êxitos e muitas realizações com avanços em todas as áreas administrativas do município os quais hoje fica difícil pontuar.

A execução da obra do Jardim Público Municipal ficou a cargo de Antonio Plácido que muito se desdobrou para que o cronograma fosse cumprido dentro do curtíssimo prazo estipulado por Eurico.
Muitos brejeiros hão de lembrar, pois, afinal, não faz tanto tempo assim. Em 31/01/1969 eu tinha dezesseis anos incompletos e lá estava em meio á quase totalidade da população do Brejo naquela praça, em frente aquele “monumental e gigantesco amontoado de concreto.” Todos queriam assistir ao rompimento da fita inaugural e presenciar aquele feito inédito e indescritível.

Um pouco antes do discurso de Eurico Penna a praça já estava tomada pela multidão ávida por ouvi-lo. Todos se acotovelavam em busca do melhor ângulo onde pudessem observa-lo e escuta-lo sem se perder nenhum detalhe. Baixinho à época, não me restou nenhuma alternativa senão me atracar ao tronco liso da centenária palmeira que ainda hoje insiste em manter-se de pé no mesmo lugar, de onde, enquanto “a cacunda” aguentava, podia visualizar toda a cerimônia que transcorria animada e na mais perfeita ordem. Depois das bênçãos do Padre que proferiu nas escadarias da Matriz uma breve homilia, deu-se, de fato, o inicio dos trabalhos. Eurico iniciou seu discurso ressaltando os feitos que havia realizado até então e as ações que ainda restavam por tomar frente á Prefeitura Brejeira. Enfatizou a importância daquela obra do Jardim Público para os munícipes de Francisco Sá. 

No tronco da palmeira, em pensamento, tentava eu entender a quais importâncias Eurico se referiam. O que haveria de tão relevante numa obra de um pequeno e diminuto jardim onde nem flores existiam? O que, de positivo, agregaria a vida de todos nós, Brejeiros? Seria ou não aquele discurso exagerado e tendencioso que não passava de um monte de falácias desprovidas de qualquer cunho de verdade?

Enquanto eu me via perdido no mundo emaranhado das interrogações, eis que Eurico já se achava finalizando sua fala. Se eu tivesse tido o dom da paciência e sido menos precipitado, certamente que nenhuma daquelas duvidas e questionamentos teriam povoado a minha mente. Involuntariamente, mas como se tivesse lendo o meu pensamento, o grande Prefeito Eurico Penna da Silveira, sim, este “Silveira” pertence á mesma linhagem e estirpe do “cara”. O maior de todos, passou a justificar:

“É possível que algum conterrâneo que aqui se encontra neste momento maravilhoso esteja tentando entender qual seria a importância desse simples jardim público para o Brejo. Quiçá esteja imaginando também que este monumento terá como sua única incumbência segurar a placa que nele se encontra ostentando o meu nome, etc. No entanto, quero dizer que ele muito representará para todos nós hoje e para os pósteros. Durante muito tempo este projeto do Dr. Jardim ficou engavetado porque os meus antecessores não queriam correr o risco de passar por tais questionamentos. As minhas explicações são simples. Tudo que pudermos fazer, por pequenino que possa parecer, para embelezar a paisagem urbana da nossa cidade, ela vai nos agradecer. E, tirando do bolso da camisa duas fotos em branco e preto acenou-as para a multidão: veja aqui em minha mão o antes, onde esta praça se acha sem o jardim, e o depois, onde ela já aparece munida do seu jardim. É ou não é incontestável a diferença? Vocês reconheceriam esta praça se aqui não estivessem?”
Não. Respondemos todos.
É...

Por vezes, dizia um certo politico mineiro de nome José Maria Alkmin, nascido em 11/06/1901, em Bocaiuva. Lembram-se dele? “Em política o que importa é a versão e não os fatos.” No caso em tela que acabo de descrever, esta máxima foi pras cucúias, pois, fato e versão, coadunavam-se. Contra fatos não há argumentos e os fatos estavam ali, em nossa frente, em mãos de Eurico, consolidado incontestavelmente por duas trêmulas, distorcidas e meio desfocadas fotos que muito representavam.

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há 40 anos na área de Engenharia. É Escritor, com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada que será lançado agora em maio/12 e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 5 de maio de 2012

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – O PRÉDIO DA PREFEITURA


ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – O PRÉDIO DA PREFEITURA

Enoque Alves Rodrigues

Rua do Mercado do Brejo das Almas
Quando no mês de Janeiro do ano de 1949 o Prefeito Feliciano Oliveira juntamente com seu vice, o Paraibano, visionário e empreendedor, Capitão Enéas Mineiro de Souza inauguraram o prédio onde ainda hoje se encontra instalada a Prefeitura do Município de Francisco Sá, construído pelo Engenheiro Francisco Benfica Veloso, de Montes Claros, era esta a composição da Câmara de Vereadores: Antonio Brito de Oliveira, Antonio Silveira, Gentil Dias de Faria, Oscar Ferreira Porto, Felinto José Pereira, Donato dos Santos Silva, Francelino Dias, Osmani Barbosa, João de Deus Dias, Sebastião Almério Borges e Osvaldo Rodrigues Vasconcelos.

Poderia ocupar-me ainda que com rápidas pinceladas, do resgate de maneira sucinta das biografias ou pelo menos, parte destas, da vida politica e pessoal dos personagens que muito dignificaram mencionada Legislatura. No entanto, mesmo tendo este pequeno e reles genérico de escriba esmiuçado, criteriosamente, registros históricos que dão conta do que foram  e realizaram suas Excelências, poupo-me de quaisquer outras alusões pois não teria como fazê-las sem que me enveredasse pela seara politica que, como todos sabem, por não dispor do domínio do conhecimento, abstenho-me de comentar.

Debrucei-me sobre muitas páginas amareladas pelo tempo, já corroídas por traças, em precário acervo, apenas e tão somente para satisfazer a minha própria curiosidade. Nada, além disso. Esta curiosidade jazia em minha memória desde os meus tempos de infante quando ouvia os mais antigos brejeiros dizerem ter sido até então, aquela Legislatura, a mais perfeita e atuante. Segundo diziam, a que mais projetos de lei apresentou e aprovou para o desenvolvimento da pacata Francisco Sá. Finalizadas todas as “analises profundas,” “cálculos complicadíssimos,“ “noites insones,” “comparações estatísticas em termos de relevância e realizações com outras Legislaturas,” etc., restou-me, como fato consumado, apenas e tão somente a grande decepção. A de que a mui propalada, elogiada e difundida como tendo sido a melhor e mais atuante Legislatura de Francisco Sá, nada teve em seu todo que a tornasse diferente das demais. É possível que o prédio da Prefeitura entregue e inaugurado naquela Legislatura seja um dos principais destinatários de tanto destaque. Quiçá tais conclusões ocorram em minha mente insana por ser eu desprovido do elementar conhecimento do assunto, analfabeto politico e incapaz de saber distinguir o que são os grandes feitos. Já falei para vocês que o “meu forte” está na engenharia. Nada mais.

Assim sendo, prefiro navegar na zona de conforto. Atenho-me, portanto, a assuntos frívolos, menos complexos. Como se falava no Brejo das Almas dos meus tempos: “caititu fora de manada é papo pra onça!”

Na equipe fixa do Engenheiro Benfica, em sua maioria composta por brejeiros locais, havia cinco peões que eram apelidados pelos nativos do brejo de “estrangeiros.” Recebiam esta denominação todos aqueles que não eram nascidos no Lugar. Independente de ser curta ou longa a distância que separava suas localidades de origem de Francisco Sá. Levemos em consideração que as distâncias de antanho eram “muito mais longas” que as de hoje. Os meios de transporte que em dias atuais rompem e tragam em frações de horas as mais longas distâncias, naqueles tempos praticamente inexistiam. Gedeão, pedreiro, preto, alto, magro, era de Quem-Quem. Valdecir, carpinteiro, branco, baixinho e barrigudo, era de Pai Pedro, já Aquiles, servente, moreno, alto e magro, vinha de Caçarema. Manoel, pedreiro, preto, baixo e magro, provinha de Taiobeiras, enquanto que Jurandir, tez e compleição física idênticas, era de Janaúba. Improvisaram um alojamento com caibros cobertos com lona bem no fundo da construção, onde os “estrangeiros” residiam. Ali, todos eles, assim como eu um dia ao chegar aqui em São Paulo, “queimavam a lata” no preparo do rango, cujo ponto culinário exato do tempero, jamais se obtinha. Á noite, beritavam nos bares do velho centro ou iam marcar o ponto na mais famosa ZBM de então. Rezavam para que a construção da obra nunca chegasse ao fim. Tinham o Brejo das Almas como seus portos seguros onde além da liberdade, colhiam o fruto sagrado inerente à remuneração do trabalho com o qual proporcionavam confortos as suas famílias “distantes.”

Mas como tudo nesta vida um dia se acaba, com a construção do prédio da Prefeitura de Francisco Sá, não foi diferente. Após alguns atrasos no cronograma, eis que chega o grande dia da final. Nenhum peão que havia trabalhado naquela obra queria acreditar. Nós obreiros somos assim. Envolvemo-nos de tal forma com as construções, que acabamos criando laços afetivos e quase sempre acabamos por trata-las como se fossem filhos, irmãos, pai, mãe, esposa, etc. Esquecemo-nos de que elas não nos pertencem. E que, na maioria das vezes, sequer podemos voltar a colocar os nossos pés sobre aquilo que um dia, com sangue, suor e muito sacrifício construímos ou ajudamos a construir.  É a vida meu nego. Quantas vezes me vi paradão diante de um arranha-céu qualquer que ajudei a construir em São Paulo? E o pior: quantas vezes guardas impecavelmente fardados saíram de suas guaritas para me perguntar: “o senhor deseja alguma coisa?” Não. Não desejo nada. Apenas observar esta “porra” que eu fiz. “Ah, foi o senhor, parabéns!” 

Bem, sem maiores delongas, o fato é que agora estavam todos ali, vestidos de suas melhores roupas, desnudados de suas botas, calças arranca-toco, camisas surradas e chapéus de palha que foram durante muito tempo suas “fardas,” diante do palanque de Feliciano e Enéas que rodeados da mais alta estirpe Brejeira, faziam os seus respectivos discursos de inauguração. A cada intervalo fonético eram os ilustres oradores ovacionados pela plateia com salvas de palmas sempre iniciadas em pontos estratégicos por puxa sacos previamente designados para aquela função. Em grupo, isolados dos demais participantes, aqueles cinco peões apenas olhavam com tristeza. Não acompanhavam as palmas. Não moviam um músculo. Estavam estáticos. Cumpriam apenas uma formalidade a qual exigia que naquela festa se fizessem presentes o Engenheiro e os colaboradores diretos da obra. Fisicamente seus corpinhos estavam ali. Mas os espíritos vagavam por outras plagas, talvez onde pudessem continuar no sacrossanto dever do trabalho e colher os frutos auferidos. 

Como nada escapava aos olhos de Feliciano e Enéas, não demorou muito para que ambos notassem a aversão daqueles peões em participarem do evento. Notaram também a tristeza que traziam estampada nos olhares.  Foi do vice o Capitão Enéas a iniciativa:

- Benfica! –Gritou ele o nome do Engenheiro da obra em meio à multidão.

- Pois não, seu Capitão. Em que posso atendê-lo?

 - Peça para que aqueles cinco funcionários seus que estão ali agrupados venham até o palanque! 

 - Disse-lhe o Capitão Enéas apontando para o grupo de peões.

Em instantes estavam todos os meus iguais “pés de barro” diante do Capitão Enéas Mineiro de Souza, nordestino porreta, cabra da peste, que em seu tradicional linguajar foi curto e grosso.

- Meus filhos, esperamos tanto por este momento para que hoje, juntos, estivéssemos todos nós aqui cheios de alegrias e entusiasmos comemorando o fim desta tão esperada obra e vejo no “olhar docêis” indisfarçada tristeza. Ao que se deve isto? Que mal os aflige? É festa!

Nós peões, -sim porque na obra, do tapume para dentro, do engenheiro ao servente, somos todos peões- não temos malicia. Assim, uníssonos responderam.

 - É que nós não queríamos que a obra terminasse. Não temos nenhum outro lugar onde possamos trabalhar para continuar sustentando as nossas famílias. Por isso não temos agora nenhum motivo para sorrirmos ou sermos felizes. O término da obra cobre de êxito os vossos propósitos e eliminam os vossos problemas. É exatamente aí que iniciam os nossos. Quem agora vai pagar os nossos salários? Sem salário não há solução!

Raposa velha da politica mineira, Feliciano ignorava a cena ao seu redor enquanto Enéas, também felpudo, mas prático e poderoso, se desvencilhava honrosamente da turba.

- E quem foi que falou aqui que vocês vão ficar sem trabalho? Vocês conhecem o caititu?

- Não, senhor, responderam os peões, “só na panela!”

- E o morro do Sapé, “ocêis conhecem?”

- Não. Não conhecemos!

- Diabos. Ocêis não conhecem nada. Assim fica difícil de ajudar!

- E a Fazenda Burarama. Vocês conhecem?

Responderam todos em uma só voz.

- Conhecemos claro. Esta a gente conhece!

- Diabos. Até que em fim vocês me ajudaram a encontrar uma solução para o problema de vocês. Amanhã, quero que todos amanheçam em minha Fazenda. Tenho lá, por toda a vida,  muito trabalho para vocês e suas famílias. 

Estas famílias cujos sobrenomes preservo por serem influentes na progressista Cidade que  desde o inicio da década de 1960 leva o nome deste grande Brasileiro, foram as primeiras a povoa-la.

É...

Por vezes, ou quase sempre, é na inocência dos nossos propósitos que encontramos as maiores soluções.

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há 40 anos na área de Engenharia. É Escritor, com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.