sábado, 29 de setembro de 2012

CASOS DO BREJO V - CAMPANHAS ELEITORAIS



CASOS DO BREJO V – CAMPANHAS ELEITORAIS

*Enoque Alves Rodrigues

É difícil entender onde se localiza a essência dos milagres dentro dos pleitos eleitorais. Dispõem do poder de aglutinar em torno de si todas as forças ainda que em estado de letargia e obsolescência. Diria até que os pleitos eleitorais promovem milagres inimagináveis. Almas que, em eleições anteriores foram banidas da vida publica e lançadas, pelo poder do voto, ao temido fogo do inferno, ressurgem, inesperadamente, das cinzas, qual fênix, coradas e faceiras. Impressiona-me, particularmente, a força de renascimento de alguns. Mas, sinceramente, o que mais me surpreende é a maneira fácil que chega a beirar a inocência com que pessoas simples se deixam influenciar por seus iguais inclusive em nível intelectual. Promessas vazias inseridas em oratórias sofríveis, desprovidas de quaisquer conteúdos são lançadas, boca afora, aos pobres ouvidos do infeliz Cidadão, como se exequíveis fossem. Estes, atordoados, correm de um lado para outro, ou, de um comício para outro, qual barata tonta, como aquele personagem da mitologia grega que, desesperado em busca da verdade, munia-se de uma lâmpada, e saia buscando-a por toda parte, sem, contudo, encontra-la.

Talvez a melhor maneira de entendermos a eficácia de tão grande capacidade de renascimento desses “imortais”, esteja mesmo na ficção dos pastelões como as séries, “duro de matar”. Mas ater-nos-emos ao que há de bom nas eleições por que a função desta coluna é trazer informação e entretenimento aos poucos que ainda a leem, devido á maioria se achar exatamente envolvida atualmente com este tema, campanhas eleitorais, sem tempo para ler as bestagens que ainda insisto em escrever. Falemos de coisas dóceis e amenas, então.

Um dos muitos pontos decisivos das eleições são as campanhas eleitorais que são capazes de mobilizar multidões de pessoas, fomentar o consumo e injetar recursos no comércio, revolucionando toda a vida das cidades, por mais pacatas que sejam. Não fossem pelas circunstâncias já destacadas acima, de alguns, que, uma vez eleitos, divorciam-se dos planos de governo que eles próprios elaboraram e que foram responsáveis pelo êxito obtido nas urnas, dir-se-ia que existem muito mais de positivo em eleições além do que supõe nossa vã filosofia. Deixemos de lado o troca-troca, a compra de votos, o voto de cabresto, o fogo cruzado entre candidatos que nestas ocasiões se esquecem de comezinhos sentimentos de fraternidade, e mais recentemente, a lei da ficha limpa. Recordo-me de uma história que um senhor de barbas brancas que nasceu e viveu no Brejo das Almas onde faleceu com 92 anos me contava. 

Dizia-me ele:

Naqueles tempos o voto de cabresto imperava no Brejo. Todos os camaradas eram conduzidos pelos seus senhores geralmente donos de fazendas na região, para votarem na secção eleitoral que ficava no centro da cidadezinha. O voto tinha que ser dado ao candidato previamente escolhido pelo patrão. As duas únicas forças politicas exponenciais disputavam as eleições naquele ano. Os dois candidatos eram coronéis com cabedal eleitoral garimpado depois de muitos anos de labuta e bons serviços prestados à comunidade.

Marcolino de Poções não tinha patrão. Ele não trabalhava para ninguém. Ele era dono de seu próprio passe. Votava em quem queria. Bem, sendo assim, venderia bem o seu voto. Espere ai! Não, ele não se contentaria em vender o voto para um só candidato. Ganharia um pouco mais. Venderia seu voto para os dois candidatos. Ele só teria outra oportunidade daquela dali a quatro anos. Ele era esperto. Sendo assim, procurou o primeiro candidato.

- Mercê ainda está comprando voto?

- Sim, estou. Porque, você quer me vender o seu?

- Quero. Quanto é que Mercê paga?

- São duas galinhas e uma porca!

- Fechado. O meu voto será seu. Como faço para entrega-lo?

- Fácil. No dia da eleição eu estarei lá, na boca da urna, pronto para recebê-lo.

- E quando é que o senhor vai me pagar?

- Quando eu me eleger, claro! Respondeu-lhe seco, o mandachuva. 

-  E se Mercê não ganhar? Não se eleger?

- Bem, você já está perguntando demais. Isso ai já é outra história que não é da sua conta. Isso é um jogo e eu não jogo para perder. – Você vai ou não vai me vender o seu voto?

- Espere ai, lembrou-se Marcolino. E se o outro candidato também pensar igual ao senhor? E se ele também não jogar para perder? Como é que eu fico? Vou ficar na mão do calango?

Mineiro matuta. Brejeiro pensa e matuta ao mesmo tempo. Assim sendo, fechou com aquele candidato. Matutou. Pensou. Pensou. Matutou e decidiu. Iria se garantir com o outro candidato. Assim se aquele danado com quem ele se comprometeu primeiro perdesse ele não ficaria chupando o dedo. 

Foi com a língua de fora e esbaforido que ele, após utilizar-se de vários atalhos no caminho, chegou, finalmente, a casa do segundo candidato.  

Alto, magro e esguio. Vestido do mais puro brim, cáqui, calçado com botas de couro, canos longos, com chapéu panamá à cabeça, olhar tranquilo e falar manso. Sentado estava no solar de seu casarão de onde observava todo o Brejo das Almas, reduzido, naquele tempo, a um pequeno amontoado de casas. Ao avistar Marcolino, elegantemente se expressou:

- Bom dia, meu amigo. Como vai o senhor? Porventura, há algo que eu possa fazer para lhe ajudar? 

- Sabe o que é coronel! Eu vim aqui para lhe vender o meu voto. Quanto é que Mercê está pagando?

- Vender, o que, meu filho? Por favor, seja mais especifico. Não lhe entendi!

- Então, coronel, o senhor sabe que todo eleitor aqui vende o voto e que por aqui qualquer  candidato só se elege se comprar votos, já que não tem voto de cabresto para todo o mundo.

Aquele candidato olhou para Marcolino com piedade. Após fitar-lhe de alto a baixo, respondeu-lhe educadamente.

- Creio que o amigo esteja enganado. O voto deve ser dado e não vendido.  Voto não tem preço, voto tem consequência. Aliás, você nem precisa conhecer a pessoa para votar nela. O que você tem que conhecer é o seu plano de governo. Não faça de seu voto moeda de troca senão os candidatos vão fazer de você massa de manobra e posso lhe garantir que esta ciranda perversa não é benéfica nem para você tampouco para à Democracia que todos nós um dia almejamos. Não vote, jamais, em quem se propõe a comprar o seu voto. Ele não o merece.

Democracia? De que diabos aquele coronel visionário estava falando em plena década de 1920 quando a maioria das questiúnculas era resolvida à bala ou sorrateiramente?

Impossível seria mesmo entender, quanto mais explicar, não fosse aquele candidato o Coronel Jacinto Alves da Silveira que, segundo os anais da história, jamais perdeu uma eleição das muitas que disputou. 

É...

Por vezes, ou quase sempre, não é preciso se afastar dos caminhos da retidão para se lograr êxitos nas urnas. Basta que você tenha um bom plano de governo. De preferência e se possível, exequível. Porque chapéu de trouxa é marreta. 

E tenho dito!

*O autor nasceu no Brejo das Almas. Atua há mais de 41 anos na área de Engenharia. Publicou o livro “Liderança Conquistada”. É Colunista, Palestrante Motivacional, Historiador e Divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 22 de setembro de 2012

CASOS DO BREJO IV – MARIA DE LURDES



CASOS DO BREJO IV – MARIA DE LURDES
*Enoque Alves Rodrigues
O período de estiagens que atualmente assola grande parte do Brasil, inclusive São Paulo, antes denominada, “terra da garoa”, remete-me aos longínquos tempos de minha infância no Brejo das Almas, ou Francisco Sá. Quando, cansados de sonhar com a negritude dos cúmulos que eram cada vez mais empurrados pelo vento para localidades mais distantes, punham-nos a pensar, no quanto seríamos felizes, se fossemos agraciados pela mãe “natura” com alguns pinguinhos de chuva. Ainda que fosse apenas para sentirmos o cheirinho de relva molhada que por si só, era-nos mais que suficiente para que cravássemos no chão a primeira enxadada dando inicio a mais uma tenebrosa aventura que, já sabíamos todos, antecipadamente, no que ia dar. É isso mesmo: no final, as sementes que lançávamos ao solo com as quais deixávamos de matar a fome dos barrigudinhos eram devoradas, sem dó e piedade pela “dona terra” que nada fizera por merecê-las. É a vida, meu nego, que passava lenta e inexorável, por aquelas bandas sofridas. 
Avançando um pouco mais no tempo e no espaço, ainda sou capaz de me confrontar com cenas que não faz muito tempo, integravam o cotidiano da gente brejeira, simples, ordeira e pacata: as novenas e penitências aos santos protetores do sertanejo e da lavoura.
Poderia desfilar aqui neste despretensioso espaço, que ocupo com prazer, sem receber um centavo em troca, vários brejeiros que se destacaram na arte de “fazer chover”, ou, na arte de “encherem os sacos dos santos”, que, lá de cima, na maioria das vezes, permaneciam alheios ás súplicas e clamores. Eles nem tomavam conhecimento do nosso padecer. Chuva que era bom mesmo, necas. Mas hoje me aterei apenas a um desses personagens. Prende-se esta minha predileção, a sua quase contemporaneidade, pois é possível que muitos dos que ainda habitam no Brejo das Almas o tenham conhecido, ou, quiçá, até mesmo com ele, ou melhor, com ela, convivido. 
Poderosa, voz possante e determinada. Levantava-se de manhã depois de uma noite mal dormida povoada de preocupações com a insensibilidade dos santos que não mandaram a chuva no dia anterior, e já ia logo olhando para o céu. Se seus olhinhos vislumbrassem, em algum ponto do infinito uma sombra de nuvem, ela retornava para o seu canto e esperava um pouco mais para ver se a nuvem se aproximava. Quando isso não acontecia, aquele ser maravilhoso, incontinenti, colocava sobre sua cabeça um litro com água e saia batendo de porta em porta, em busca dos demais moradores que tinham de sair de suas casas já com um litro com água na cabeça e eram quase obrigados a acompanha-la em oração em mais uma novena que invariavelmente terminava aos pés do Cristo Redentor, no morro da caixa d’agua. Lembram-se? 
Seu nome? Maria de Lurdes. Sobrenome? Nunca soube. Não obstante todo o Brejo conhecê-la como “Lú Doida”, vou me abster por questões de princípios, do ato de empregar aqui este pejorativo tratamento, até porque de “doida” mesmo, aquele divino ser não tinha nada. 
Moravam na Vila Vieira, antiga Lagoa, ali mesmo, onde o Brejo das Almas nasceu. Dali, eles, sempre com Lú à frente, saiam em novena e penitência. À maneira que avançavam pelas ruas do Brejo, aquela procissão ia aumentando. Depois, faziam uma pequena pausa no Largo da Matriz de onde seguiam rumo ao morro da “caixa d’agua” onde o Cristo, com os braços abertos para recebê-los, os aguardava com compaixão. Sob aquele olhar piedoso e manso, os penitentes em prantos e preces puxados por Maria de Lurdes, deixavam em seus pés, tristes lamentos e o mais importante, a certeza plena de que a chuva viria, ainda que tardia. Depositavam, ali, todas as suas esperanças em dias melhores, quando o sol, de preferência depois da chuva, brilharia para todos.
Naquele ano a seca estava esturricando o meu Brejo. Maçarico ligado 24 horas lá em cima. A impressão que se tinha era que os santos de Maria de Lurdes haviam virado as costas para aquela cidadezinha onde orgulhosamente nasci. O diabo é que quanto mais se rezava mais as nuvens se afastavam. Barrigas roncavam qual tambor de couro de boi velho e os caras “do alto” nem tchum. Brejeiros atônitos não sabiam mais a que santo recorrer. Desesperançados, já não queriam mais acompanhar Maria de Lurdes nas novenas. Ela que até então gozava de grande credibilidade junto aos brejeiros na arte de representa-los aos santos de sua devoção que sempre a atendiam, agora estava prestes a se desmoralizar. Não. Ela não se desmoralizaria, jamais. Sempre fora fiel. Faria o possível e até mesmo o impossível para dar uma resposta àquela gente. 
Numa noite do mês de agosto, sozinha, subiu até o Cristo. Falariam “cara a cara”. O que conversaram nunca se soube. Segredo de confessionário não se revela a ninguém. O certo é que Maria desceu do morro, renovada. No dia seguinte com sua vasilha d’agua à cabeça foi, uma vez mais, de porta em porta. Batia, e ás vezes saía até quatro moradores com litros de água na cabeça. Foi a maior mobilização popular de penitentes que o Brejo das Almas já teve. 
Passearam pelas ruas do Brejo e depois, como sempre faziam, dirigiram-se para o Cristo no morro da caixa d’agua. Ele estava lá como sempre com seu olhar benevolente. Céu límpido e azulado. Prostraram-se. Rezaram vários terços e Ave Marias. Derramaram aos pés magnânimos daquela estátua, a água barrenta que traziam em seus humildes vasilhames. Maria, em prantos, mirava o rosto do Cristo e murmurava palavras desconexas e incompreensíveis à pobre mente humana. Uma vez mais, somente ela e Ele sabiam o que disseram, por que Ele a atendeu. Não se falaram em português. Tampouco em aramaico. Falaram e se entenderam com a voz do coração. O linguajar “cifrado” que ambos utilizaram naquela “estranha comunicação”, Brejeiros, agora, alegres e felizes, só  entenderiam no dia seguinte, que depois de um ano seco, amanhecia, finalmente, com chuvas torrenciais que se prolongaram durante toda aquela estação que foi a de maior fartura que o meu Brejo querido já viu.
É...
Por vezes, ou quase sempre, a fé que remove montanhas, acredite, é a mesma que faz chover.
E tenho dito!
*O autor nasceu no Brejo das Almas. Atua há mais de 41 anos na área de Engenharia. Publicou o livro “Liderança Conquistada”. É Colunista, Palestrante Motivacional, Historiador e Divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. 
Se você é Brejeiro e deseja participar da seleção das melhores crônicas que serão inseridas no meu próximo livro “O Brejo das Almas em Crônicas” entre nos meus blogs e escolha. Ao final envie-me o titulo da crônica pelo e-mail: enoque.rodrigues@ibest.com.br

sábado, 15 de setembro de 2012

CASOS DO BREJO III – MESSIAS PREÁ FINAL

CASOS DO BREJO III – MESSIAS PREÁ FINAL

CASOS DO BREJO III - MESSIAS PREÁ - FINAL

*Enoque Alves Rodrigues
A princípio, como vinha dizendo, Messias Antonio Dias, ou Messias Preá, estava fechado consigo mesmo que faria vistas grossas e passaria por cima daquele alforje sem toca-lo. Conteria todo e qualquer impulso que o conduzisse a curiosidade nefasta de abri-lo. Não revelaria a ninguém os segredos daquela descoberta. Por isso, conhecedor de seus desejos mais profundos e sabendo que não conseguiria, caso ali permanecesse, controlar suas vontades, afastou-se por alguns metros do local. Quando já se achava próximo ao casarão da fazenda de Antonio Miranda e Edite, virou-se em direção aquele achado e viu que ao redor do mesmo se encontravam dois sujeitos altos e fardados. Ao cruzarem os olhares, em gestos, chamaram-no.
Uma vez mais as mesmas dúvidas e incertezas do inicio se apoderaram dele. Novamente aquela ingênua e pura mente brejeira se deixava mergulhar no mundo das nebulosas.
Voltar, ou não voltar. Eis a questão!
Não. Não voltaria. Ele era um sujeito de palavra e valeria a primeira decisão. Aqueles dois “guardas-mores” que ficassem com o que houvesse naquele bendito alforje. Fosse o que fosse.
Continuou morro abaixo. Cruzou a pinguela que ali existia sobre córrego. Ganhou finalmente a estrada, hoje rua, pela qual se entra no Brejo das Almas, Francisco Sá, os que procedem de Montes Claros. Já longe, não se conteve. Voltou a olhar para cima e pode verificar que um dos guardas continuava sinalizando para ele. Agora, apontava para o alforje, olhava em sua direção e esfregava o dedo polegar ao indicador, naquele gesto mundialmente conhecido que significa grana, bufunfa ou dinheiro.
Se para um bom entendedor meia palavra basta, para ele, os insistentes gestos dos “porta-vozes” do Bandeirante Jerônimo, diziam tudo. Em seu entendimento, e ele era bom entendedor, fora ele o escolhido pelo dito cujo para ser o fiel destinatário daquele tesouro. Qualquer brejeiro menos ganancioso, portador de mediano QI teria feito a si mesmo, antes de retornar ao cume do morro do mocó, as seguintes indagações: por quais razões seria eu o escolhido por este cara a quem jamais vi mais magro? O que foi que eu fiz para merecer tamanha distinção? Será que não está havendo algum engano? Eram perguntas básicas que ele deveria ter feito. Mas não o fez. Terá tido lá seus motivos: muitos bacuris para sustentar, renda parca e outras adversidades naturais da vida, levaram-no a se sentir o dono da cocada preta. Aquela preciosa encomenda era para ser dele sim. E tem mais: era macho o suficiente para retornar lá e pegar aquele quinhão que era seu de direito.
Mesmo determinado a retornar, relutou. Titubeou. Bambeou mas não caiu. É o mineirismo se manifestando. Por alguns instantes uma sensação de medo e arrepios apoderaram-se dele. Mas ele estava decidido a voltar. E voltou...
Recebido de bom grado pelos dois senhores uniformizados, que lhe sorriam. Na sequência abriram-lhe os braços e falaram em arcaico português: nós sabíamos que você viria buscar o que é teu. O bandeirante Jerônimo que também era dono destas terras e que segue sendo nosso patrão jamais se esqueceu de quem o ajudou a conquista-las. Ele era um homem muito justo. Ele nos disse que não consegue descansar enquanto não lhe entregarmos a sua parte. Ele diz que não aguenta mais lhe ver sonhar com este tesouro. Foi por isso que ele nos mandou aqui.
Finalizadas estas palavras de gratidão, agacharam-se. Ergueram do chão o alforje e passaram as mãos de Messias Preá, que, feliz, tremia.
Antes que Messias o abrisse, ouviu dos emissários do Bandeirante um sonoro Nããããoooo. Você não está autorizado pelo chefe a abrir isso agora. Somente quando você chegar a Igreja. E tem que abri-lo na frente de muita gente. Também se faz necessário que um padre esteja presente.
Uai, sô, que recomendação mais doida aquela? Porque tudo aquilo? Agora todos iam saber que ele era rico. Não lhe deixariam em paz. Parentes jamais dantes vistos com certeza agora apareceriam. Filas quilométricas se formariam em frente a sua porta pedindo dinheiro emprestado. Bem. Fazer o que? Era o preço que ele tinha que pagar.
Despediu-se daqueles dois, agora, amigos, e rumou para o Largo da Matriz. No trajeto ele entrava em cada boteco e convidava os bebuns que em procissão, seguiam-no. Argumentava que tinha em mãos o tesouro do Bandeirante Jerônimo e a missão de só abri-lo na Igreja Matriz, na frente do padre. O que ele não sabia era que o padre que ali estava era Salú, ou, Salustiano Fernandes dos Anjos, tido como ríspido e de poucas palavras, que não levava desaforos para casa, ou melhor, para a igreja. O padre, ao ver aquela multidão de bêbados com Messias à frente, que ostentava ás mãos o alforje, a guisa de bandeira de santo, voltou-se para dentro e consultou a folhinha. Salustiano não era brejeiro, portanto, ainda não estava afeito aos costumes do lugar. Ao constatar que aquele mês não era setembro, quando se homenageia boa parte dos santos do brejo, lançou mão de um velho cabo de enxada e postou-se frente à porta. Depois de confirmar que não se tratava de mais uma coluna de bandoleiros, muito comum naqueles tempos, ficou no aguardo dos acontecimentos.
Messias arriou o alforje ao chão e chamou o padre. Relatou-lhe as circunstâncias que o levaram até ali. Depois de transmitir-lhe as palavras que ouvira dos emissários do Bandeirante, alçou do chão o alforje. Abriu-o, finalmente.
O que tinha dentro do alforje? Você quer mesmo saber? Jura que não vai ficar decepcionado com o final desta história? Ela me foi contada pelo meu avô, um ancião adventista que jamais mentiu na vida, cujo nome era Liberato. 
Jurou? 
Então lá vai...
Esterco. Sim, esterco de boi ou vaca. Sei lá! Você sabe o que é esterco? É isso mesmo. É aquela coisa seca. Só que dentro do alforje havia também uma carta. E o que dizia a missiva?
“Quase dois séculos me separam de vocês. Todo esse tempo o sono dos justos me tem sido difícil conciliar. Talvez por ter me preocupado tanto em ajuntar tesouro na terra. Por isso pretendia dividi-lo com vocês. Mas a vossa cobiça falou mais alto. O ouro em pedra, quando almejado com trabalho e humildade, com o passar do tempo vira ouro em pó. Mas se for desejado pela cobiça, ganância, intriga, hipocrisia, ociosidade e mortes, se transforma nisso aí que vocês agora tem em mãos. Rezem bastante meus filhos e depois vão trabalhar para ver se conseguem alguma coisa. Deixem-me em paz, por favor, amém”.
 
Salú, num misto de frustração e nervosismo, pois lá no fundo também tinha interesses por uma daquelas supostas moedinhas de ouro para arrumar o telhado da igreja, volveu-se porta adentro de lá não mais saindo.

Quanto aos bêbados, com Messias Preá à frente... Eles foram cantar em outras freguesias. Para os bêbados está tudo sempre muito bem. Eles não se decepcionam nunca. Desilusões são próprias dos sóbrios, avessos etílicos. Resumindo: frustrações são coisas de loucos.
É...
Por vezes, se algum achado não lhe pertence, o melhor mesmo é passar por cima e seguir adiante.
E tenho dito!
*Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há mais de 41 anos na área de Engenharia. É autor do livro “Liderança Conquistada”, temática simples sobre otimismo, liderança e motivação, cuja primeira edição já se encontra esgotada http://livraria.livreexpressao.com.br/catalog/product/view/id/82/s/lideranca-conquistada/ É Colunista, Palestrante Motivacional, Historiador e Divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.