CASOS DO BREJO III – MESSIAS PREÁ FINAL
*Enoque Alves Rodrigues
A princípio,
como vinha dizendo, Messias Antonio Dias, ou Messias Preá, estava fechado
consigo mesmo que faria vistas grossas e passaria por cima daquele alforje sem
toca-lo. Conteria todo e qualquer impulso que o conduzisse a curiosidade
nefasta de abri-lo. Não revelaria a ninguém os segredos daquela descoberta. Por
isso, conhecedor de seus desejos mais profundos e sabendo que não conseguiria,
caso ali permanecesse, controlar suas vontades, afastou-se por alguns metros do
local. Quando já se achava próximo ao casarão da fazenda de Antonio Miranda e
Edite, virou-se em direção aquele achado e viu que ao redor do mesmo se
encontravam dois sujeitos altos e fardados. Ao cruzarem os olhares, em gestos,
chamaram-no.
Uma vez mais
as mesmas dúvidas e incertezas do inicio se apoderaram dele. Novamente aquela
ingênua e pura mente brejeira se deixava mergulhar no mundo das nebulosas.
Voltar, ou não
voltar. Eis a questão!
Não. Não
voltaria. Ele era um sujeito de palavra e valeria a primeira decisão. Aqueles
dois “guardas-mores” que ficassem com o que houvesse naquele bendito alforje.
Fosse o que fosse.
Continuou
morro abaixo. Cruzou a pinguela que ali existia sobre córrego. Ganhou
finalmente a estrada, hoje rua, pela qual se entra no Brejo das Almas,
Francisco Sá, os que procedem de Montes Claros. Já longe, não se
conteve. Voltou a olhar para cima e pode verificar que um dos guardas
continuava
sinalizando para ele. Agora, apontava para o alforje, olhava em sua
direção e esfregava
o dedo polegar ao indicador, naquele gesto mundialmente conhecido que
significa
grana, bufunfa ou dinheiro.
Se para um bom
entendedor meia palavra basta, para ele, os insistentes gestos dos “porta-vozes”
do Bandeirante Jerônimo, diziam tudo. Em seu entendimento, e ele era bom
entendedor, fora ele o escolhido pelo dito cujo para ser o fiel destinatário daquele
tesouro. Qualquer brejeiro menos ganancioso, portador de mediano QI teria feito
a si mesmo, antes de retornar ao cume do morro do mocó, as seguintes indagações:
por quais razões seria eu o escolhido por este cara a quem jamais vi mais
magro? O que foi que eu fiz para merecer tamanha distinção? Será que não está
havendo algum engano? Eram perguntas básicas que ele deveria ter feito. Mas não
o fez. Terá tido lá seus motivos: muitos bacuris para sustentar, renda parca e
outras adversidades naturais da vida, levaram-no a se sentir o dono da cocada
preta. Aquela preciosa encomenda era para ser dele sim. E tem mais: era macho o
suficiente para retornar lá e pegar aquele quinhão que era seu de direito.
Mesmo determinado
a retornar, relutou. Titubeou. Bambeou mas não caiu. É o mineirismo se manifestando.
Por alguns instantes uma sensação de medo e arrepios apoderaram-se dele. Mas
ele estava decidido a voltar. E voltou...
Recebido de
bom grado pelos dois senhores uniformizados, que lhe sorriam. Na sequência
abriram-lhe os braços e falaram em arcaico português: nós sabíamos que você
viria buscar o que é teu. O bandeirante Jerônimo que também era dono destas
terras e que segue sendo nosso patrão jamais se esqueceu de quem o ajudou a
conquista-las. Ele era um homem muito justo. Ele nos disse que não consegue
descansar enquanto não lhe entregarmos a sua parte. Ele diz que não aguenta
mais lhe ver sonhar com este tesouro. Foi por isso que ele nos mandou aqui.
Finalizadas
estas palavras de gratidão, agacharam-se. Ergueram do chão o alforje e passaram
as mãos de Messias Preá, que, feliz, tremia.
Antes que
Messias o abrisse, ouviu dos emissários do Bandeirante um sonoro Nããããoooo.
Você não está autorizado pelo chefe a abrir isso agora. Somente quando você
chegar a Igreja. E tem que abri-lo na frente de muita gente. Também se faz necessário
que um padre esteja presente.
Uai, sô, que
recomendação mais doida aquela? Porque tudo aquilo? Agora todos iam saber que
ele era rico. Não lhe deixariam em paz. Parentes jamais dantes vistos com
certeza agora apareceriam. Filas quilométricas se formariam em frente a sua
porta pedindo dinheiro emprestado. Bem. Fazer o que? Era o preço que ele tinha
que pagar.
Despediu-se
daqueles dois, agora, amigos, e rumou para o Largo da Matriz. No trajeto ele
entrava em cada boteco e convidava os bebuns que em procissão, seguiam-no. Argumentava
que tinha em mãos o tesouro do Bandeirante Jerônimo e a missão de só abri-lo na
Igreja Matriz, na frente do padre. O que ele não sabia era que o padre que ali
estava era Salú, ou, Salustiano Fernandes dos Anjos, tido como ríspido e
de poucas palavras, que não levava desaforos para casa, ou melhor, para a igreja.
O padre, ao ver aquela multidão de bêbados com Messias à frente, que ostentava ás
mãos o alforje, a guisa de bandeira de santo, voltou-se para dentro e consultou
a folhinha. Salustiano não era brejeiro, portanto, ainda não estava afeito aos
costumes do lugar. Ao constatar que aquele mês não era setembro, quando se
homenageia boa parte dos santos do brejo, lançou mão de um velho cabo de enxada
e postou-se frente à porta. Depois de confirmar que não se tratava de mais uma
coluna de bandoleiros, muito comum naqueles tempos, ficou no aguardo dos
acontecimentos.
Messias arriou
o alforje ao chão e chamou o padre. Relatou-lhe as circunstâncias que o levaram
até ali. Depois de transmitir-lhe as palavras que ouvira dos emissários do
Bandeirante, alçou do chão o alforje. Abriu-o, finalmente.
O que tinha
dentro do alforje? Você quer mesmo saber? Jura que não vai ficar decepcionado
com o final desta história? Ela me foi contada pelo meu avô, um ancião
adventista que jamais mentiu na vida, cujo nome era Liberato.
Jurou?
Então lá
vai...
Esterco. Sim,
esterco de boi ou vaca. Sei lá! Você sabe o que é esterco? É isso mesmo. É
aquela coisa seca. Só que dentro do alforje havia também uma carta. E o que
dizia a missiva?
“Quase
dois séculos me separam de vocês. Todo esse tempo o sono dos justos me tem sido
difícil conciliar. Talvez por ter me preocupado tanto em ajuntar tesouro na
terra. Por isso pretendia dividi-lo com vocês. Mas a vossa cobiça falou mais
alto. O ouro em pedra, quando almejado com trabalho e humildade, com o passar
do tempo vira ouro em pó. Mas se for desejado pela cobiça, ganância, intriga,
hipocrisia, ociosidade e mortes, se transforma nisso aí que vocês agora tem em mãos.
Rezem bastante meus filhos e depois vão trabalhar para ver se conseguem alguma
coisa. Deixem-me em paz, por favor, amém”.
Salú, num
misto de frustração e nervosismo, pois lá no fundo também tinha interesses por
uma daquelas supostas moedinhas de ouro para arrumar o telhado da igreja,
volveu-se porta adentro de lá não mais saindo.
Quanto aos bêbados, com Messias Preá à frente... Eles foram cantar em outras freguesias. Para os bêbados está tudo sempre muito bem. Eles não se decepcionam nunca. Desilusões são próprias dos sóbrios, avessos etílicos. Resumindo: frustrações são coisas de loucos.
Quanto aos bêbados, com Messias Preá à frente... Eles foram cantar em outras freguesias. Para os bêbados está tudo sempre muito bem. Eles não se decepcionam nunca. Desilusões são próprias dos sóbrios, avessos etílicos. Resumindo: frustrações são coisas de loucos.
É...
Por vezes, se algum achado não lhe
pertence, o melhor mesmo é passar por cima e seguir adiante.
E tenho dito!
*Enoque Alves Rodrigues, que vive
em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há mais de 41 anos na
área de Engenharia. É autor do livro “Liderança
Conquistada”, temática simples sobre otimismo, liderança e motivação, cuja
primeira edição já se encontra esgotada http://livraria.livreexpressao.com.br/catalog/product/view/id/82/s/lideranca-conquistada/
É Colunista, Palestrante Motivacional, Historiador e Divulgador voluntário de
Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.
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