sábado, 9 de junho de 2012

A FÊNIX BREJEIRA IV - PASCOMIRO


A FÊNIX BREJEIRA IV – PASCOMIRO

Enoque Alves Rodrigues

Ele caminhava pelas empoeiradas ruas do pequeno povoado de Brejo das Almas, HOJE Francisco Sá, quando não havia ainda nenhuma rua asfaltada. Subia no sentido de quem vai para Montes Claros. Mas atenção, só no sentido, ou melhor, na direção da bela MOC, porque na verdade, ele andava sem destino. Se não tinha ele um paradeiro pré-definido, porque razão teria um destino?
Primeiro acho importante informar que o amigo que está sendo retratado hoje neste limitado pedaço de papel eletrônico, nada tinha de especial que o colocasse na condição de “diferente” de todos e quaisquer locais. Tampouco fruía de alguma outra posição que o destacasse de seus iguais. Assim sendo, Pascomiro, era como qualquer um, resguardadas as devidas proporções que, aliás, eram muitas. Senão vejamos:

Não tinha ele nenhuma profissão que pudesse lhe auferir alguns trocados no sentido de suprir-lhe as necessidades mais precárias ou amenizar um pouco a fome que o atormentava. Não gostava de trabalhar. Pascomiro fugia do trabalho como o diabo da cruz. Mas ele gostava de se vestir bem e, porque não dizer, de comer do bom e do melhor. Bebia da “melhor cana” segundo os paus d’agua de plantão, dignos e implacáveis conhecedores do verdadeiro néctar dos deuses dos alambiques. Por minha vez, jamais bebi algo que não fosse água, suco, caldo de cana, café ou leite. Portanto, não sei que gosto tem uma cachaça. Nem duas. Mas respeito  nossos amigos beberrões. Eles, assim como eu, não são ou jamais seremos perfeitos. 

Pascomiro andava naqueles tempos lá no Brejo de todas as Almas em companhia de um andarilho de nome Elias, que a maioria acreditava ser o profeta. Eles eram, muitas vezes, amparados por Christiano Carlos Xavier de Souza, parente muito próximo do mais importante vulto da Inconfidência Mineira, o Mártir do Lago da Lampadoza, no Rio de Janeiro, de nome Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. 

Pascomiro tinha uma maneira muito peculiar de conseguir que as pessoas lhe dessem algo para comer sem que fosse necessário sequer que ele abrisse a boca: fingia-se de mudo. Quando, raramente, algum coração renitente não muito adepto do “repartir o pão,” endurecia, ele fingia-se de manco. E assim ia levando a vida. Na crise econômica que o Brasil atravessava, o meu, o teu, o nosso Brejo das Almas foi atingido em cheio. A fome grassava aquela pobre localidade, na verdade, um pequeno torrão existente nas extremidades do Estado das Alterosas em meio ao caminho para a velha Bahia de todos os Santos, ou simplesmente, Bahia para os íntimos de onde provém minha santa mãe.

O tempo fechou para muita gente boa. Para gente ruim, também. De fome, cachorro só conseguia latir encostado na parede. O rei do terreiro, sua majestade, o galo, não cantava. Chorava. Ele estava, deveras, preocupado com a subsistência de sua prole numerosa de pintinhos, desprotegidos. As formigas já não tinham folhas, sequer secas, para transportarem para suas moradas escuras. As cigarras, que são, por costume e compleição física, constituídas da mais pura alegria, sequer davam algum ar de graça. Sorrir do que? Cantar pra que? Se tudo ao redor era destruição, miséria e dor? O João de Barro agora não tinha casa. Construi-la com o que? Se não tinha água não havia barro, principal matéria prima indispensável ao grande e inigualável arquiteto da floresta, agora esturricada.
Bem, se toda esta fauna que foi concebida pela mãe natureza com a mais pura blindagem a quase toda e qualquer adversidade estava penando, imaginem os simples humanos. Pascomiro, coitado, não poderia fugir à regra. E ele estava padecendo sem dó e piedade. Fingir-se de mudo e de manco agora não era nada. Nenhuma sensibilidade causava aos vazios bolsos Brejeiros, agora, preocupados também com a própria barriga. A crise é o cão, endurece tudo. Na crise, o que todos querem mesmo é sobreviver já que viver é impossível. Quanto aos outros, bem, os outros que se virem eles não são quadrados. Pascomiro também era filho de Deus. Ele também tinha que sobreviver. Para isso tinha que comer. Após tentar várias artimanhas. Utilizar-se de inúmeros expedientes, infrutiferamente, agora daria a cartada final. Fingiria de morto. Bem, isso seria infalível. Puxa vida, porque ele não pensou nisso antes? Diabo!

Na barriga do mocó, morro onde hoje se encontra o Cristo, quase todo repaginado, próximo a fazenda de Miranda, conseguiu uma rede. Mais adiante, algumas velas. Dirigiu-se com aquilo até o antigo largo da Matriz. Lá chegando acendeu as velas. Cobriu-se com a rede. Um dos poucos transeuntes que se atrevia sair de casa naquela hora o viu naquele estado de batráquio morto. Assustado bateu em outras portas e de repente pequena multidão se formou ao redor de Pascomiro. Penalizados, decidiam, ali, naquele momento, que fim daria ao “morto.” Uns diziam: coitado, morreu de fome. Ao passo que outros respondiam. Pois é, este é o mendigo Pascomiro. Quantas vezes me pediu algo para comer e eu, perverso, não lhe dei? Alguns mais católicos falavam: agora não adianta se lamentar. Tudo que antes existia para ele já não existe mais. Defunto não precisa comer. Necessita de cova. Vamos, imediatamente, leva-lo para o cemitério antes que seja demasiado tarde. Dito isto, juntaram a rede. Quatro marmanjos, com as caras cheias de pinga (vocês ai já notaram que por mais difícil que seja a situação nunca falta pinga? E que sempre tem alguém para pagar uma dose de pinga para outro alguém ao invés de lhe oferecer um pedaço de pão?), cataram, cada qual uma ponta da rede e, à guisa de forquilhas, iam levando aquela draga velha para dispensar no antigo campo santo. Mas como santo Onofre, o protetor dos bêbados não estava de plantão para os quatro que carregavam, mas para Pascomiro, estes tropeçaram nas próprias pernas e caíram, levando ao chão aquela tralha que rolou por pequena ribanceira e por fim caiu numa das muitas lagoas que existiam em Francisco Sá, onde segundo a Lenda, eram desovados os corpos de garimpeiros após terem sido acharcados de seus patuás cheios de ouro. Não deu outra. O “morto” Pascomiro que de morto mesmo não tinha nada além  da preguiça, bateu com as fuças exatamente num destes estufados patuás. Daquele dia em diante acabou-se a pobreza. Mandou a miséria para as cucúias e foi viver da maneira que mais gostava. Sem fazer nada.

É...

Por vezes, diziam os mais antigos, a sorte só existe para aqueles que não acreditam nela.

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há mais de 41 anos na área de Engenharia. É autor do livro “Liderança Conquistada” que já se encontra nas melhores Livrarias do Brasil e pode ser pedido diretamente pelo e-mail: enoque.rodrigues@ibest.com.br  ou pelo telefone da Livraria SN Station, (11) 2221-0703. É Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 2 de junho de 2012

A FÊNIX BREJEIRA III - MARGOT DO BOTECO


A FÊNIX BREJEIRA III – MARGOT DO BOTECO

Enoque Alves Rodrigues

Na primeira crônica que escrevi na série “A Fênix Brejeira” que teve como personagem principal Manezim Vaqueiro cuja notoriedade obteve da noite para ao lançar-se à lagoa das pedras para salvar uma criança e, ao ser ovacionado pelo gesto, passou um sabão nos riquinhos que não tomaram tal atitude, etc. Conduzido por marmanjos em procissão que o dispensaram na casa de Margot, na verdade, um fétido boteco com ares e fama de inferninho, que se localizava na beira da estrada de quem saia do Francisco Sá ou Brejo das Almas com destino à Salinas e adjacências, etc. É possível que alguns hoje velhinhos que naquele tempo já eram “hominhos” se lembrem daquele “point” onde muitos caminhantes e boiadeiros paravam para descanso e outras diversões. Mas é claro que não tenho aqui a pretensão de que algum conterrâneo se apresente como frequentador de mencionado “site”, ainda que em épocas tão distantes. Pois, eu próprio, só estou tendo a coragem de declarar ter conhecido aquele lugar, “de passagem,” porque naqueles tempos eu era apenas uma criança, sem maldade e sem testosterona. Viram como eu me saí bem? Isto posto vamos à Margot.

Brejeira, digna, esbelta, 50 anos. Tivera, em infância, uma vida farta, quando o pai, Júlio, dono de uma pequena propriedade onde cultivava alho e algodão, culturas em ascensão na época, não deixava que nada faltasse. Muito bonita e cortejada pelos bons partidos do Brejo, nossa beldade estudou nas melhores Escolas de lá, tendo inclusive realizado um périplo por importantes Colégios da bela MOC, de onde retornou com um lindo canudo de Normalista. No Brejo, quando todos pensavam que nossa musa fosse buscar uma Instituição para lecionar, ou se dedicar a carreira para a qual se preparou, ao quadrar o lindo traseiro nos bancos escolares, eis que a deusa se envereda por caminhos que julgava mais fáceis, mas que de fácil mesmo, como ela confirmaria depois, tardiamente, não tinham nada. Quase todas as jovens que são levadas a estes sendeiros o fazem depois de terem passado por alguma desilusão amorosa ou então, por necessidades que não conseguiram, de outra maneira, suprir. A beldade a qual me refiro hoje não se originava de nenhuma destas vertentes. Ou seja, foi, na verdade por mera curiosidade. Gostou, aderiu, agregou. Permaneceu assim, enquanto a Natureza não lhe mandava a fatura. Quando, por fim, o carnê chegou nossa Margot, na verdade, Margarida Maria de Jesus, já se encontrava com a idade de 45 anos e terrivelmente ferrada pelas marcas implacáveis e indeléveis do senhor da razão. O tempo é foda mesmo. Não perdoa ninguém.

Não tendo outras condições até porque não houvera poupado para usufruir de uma velhice amparada, não lhe restou alternativa senão abrir aquele boteco numa afastada região. Em pouco tempo Margot estava no fundo do poço. O negócio não prosperava. A clientela não aparecia. Não tinha filhos. Os parentes de há muito a abandonaram. Ás vezes amanhecia sem ter o que comer. Mas Margot era grande. Margot não se entregava. Ao invés de lamentar, sorria. Não era nenhum sorriso fingido, mas espontâneo, franco  e resplandecente. Ao invés de chorar, cantava. Não era um canto triste, mas alegre. Ao invés de xingar, rezava. Mas ela não rezava da boca pra fora, mas com a fé dos iluminados que acreditam e confiam. Se o corpo, agora trôpego e trêmulo reclamava de cansaço, trabalhava. Mas trabalhava com afinco e dedicação plena de que um dia, tempos melhores viriam. Não, não trabalhava no que você está pensando. Desta profissão houvera de há muito, se aposentado.
Vernúcio, Salineiro, viúvo, fazendeiro, tocava sua boiada juntamente com mais três vaqueiros com destino aos Frigoríficos de Montes Claros. Com sede e fome pararam naquele boteco. Nada havia além de água. 

Os olhares se cruzaram. A paixão foi fulminante. De repente toda aquela beleza da juventude que se achava apenas adormecida lá no interior de nossa beldade, ressurgiu. Uma vez bonita sempre bonita. Aliás, não há ninguém feio. Existem apenas aqueles sofridos que não sabem sorrir. A “conta fechou positivamente por aqueles lados.”  Deu empate. Vernúcio não queria mais sair dali. A todo custo conseguiram convencê-lo de que ele havia saído de Salinas para vender uma boiada em Montes Claros. Seguiu viagem somente depois de Margot lhe prometer que lhe esperaria naquele mesmo prefixo. Naquele mesmo lugar ou se preferir, naquele mesmo “ponto.” E assim foi.

Vernúcio retornou com as burras cheias de gaita. Margot fechou o negócio para sempre. Foi viver com o primeiro marido de toda a sua vida de 50 anos em uma bela fazenda que se localizava quase na entrada de Salinas a qual muitos com certeza conheceram. Trinta e cinco anos depois lá estavam os dois pombinhos “firmes no batente.” Margot Fruía, agora, no ápice da vida, do conforto que todos que a conheceram antes, unânimes, não acreditavam. Ela era grande. Ela era o máximo. Ela deu a volta por cima sem se utilizar de atalhos. Singulares virtudes que somente aqueles, como Margot, que receberam na testa, ao nascer, o carimbo dos bravos e vencedores conseguem atingir.

É...

Por vezes, dizia Platão, na velha Atenas, 347 anos antes do Cara, “não existe barreira intransponível para o ser humano que pensa, luta e acredita.”

Tomou?

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há mais de 41 anos na área de Engenharia. É autor do livro “Liderança Conquistada” que já se encontra nas melhores Livrarias do Brasil e pode ser pedido diretamente pelo e-mail: enoque.rodrigues@ibest.com.br  ou pelo telefone da Livraria SN Station, (11) 2221-0703. É Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

domingo, 27 de maio de 2012

A FÊNIX BREJEIRA II - JESUINO DO QUILOMBO


A FÊNIX BREJEIRA II – JESUINO DO QUILOMBO

Enoque Alves Rodrigues

Ele surgiu em pleno centro da Cidade de Francisco Sá ou Brejo das Almas como se por encanto. Aliás, surgiu como todos eles surgem. Aparentemente do nada. É muito mais natural do que possamos imaginar, que a maioria daqueles que muitas vezes encontramos a trilhar um caminho insólito como se andarilhos fossem, receberam na verdade alguma missão especial a qual nós, desprovidos de um conhecimento que ainda se encontra a milhões de anos luz de distância, ignoramos inteiramente. Estávamos em meio à década de 1950. Caminhava, vagarosamente, manquitolando pelas ruas empoeiradas do Brejo. Trazia às costas um sujo saco de estopa onde podia se constatar o volume de algo em seu interior. Silencioso, jamais abriu a boca para pedir alguma coisa para alguém. Apenas caminhava. Depois de percorrer todas as poucas ruas do Brejo daqueles tempos, sentava-se em frente à igreja e lá ficava observando a paisagem. Depois de muito observar, fixava seu olhar em algum ponto do firmamento e dormia.

O apelido de Jesuíno do Quilombo, ele recebeu de algum engraçadinho talvez pelo fato de sua aparência física com o grande Zumbi dos Palmares pela tez preta, cabelos pixaim, alto e magro. A princípio, muitos acreditavam que o “quilombo” que trazia como sobrenome fosse por ser ele oriundo de uma respeitável comunidade, àquela época, pequeno reduto desta nobre raça, cuja comunidade se localiza ainda hoje no Município de Francisco Sá. No entanto, como se comprovariam depois, ele sequer a conhecia. Não demorou muito e sua verdadeira procedência foi descoberta, por acaso, pelo renomado poeta, jornalista e escritor Brejeiro de inquestionável expressão literária no norte de Minas Gerais, Olyntho da Silveira.

Jesuíno do Quilombo era na verdade Gotardo Apolinário de Souza e descendia de escravos de senhores de engenhos na Bahia, ou precisamente nas imediações de Vitória da Conquista. Ele chegou ao Brejo das Almas trazido por uma coluna de bandoleiros que lhe retiraram do convívio familiar, passando a explora-lo na condição de cozinheiro. No Brejo, aquele bando de sanguinários que estava sempre fugindo da Policia, escolhia os lugares estrategicamente afastados do centro da Cidade para que assim pudesse pinotear a qualquer momento, caso tivesse que recuar de algum confronto eventual com os meganhas. É por isso que ninguém no centro do Brejo das Almas conhecia ou sequer antes houvera tido qualquer contato com Jesuíno do Quilombo. 

Quando naquela cálida madrugada de Setembro o tempo fechou para os lados daquele bando cercado que foi por duas frentes federais que vinham de Montes Claros e de Monte Azul, surpreendido, não lhe restou nenhuma alternativa senão a da fuga vergonhosa e humilhante. Na correria acabou ficando sem seu cozinheiro que por possuir a perna esquerda mais curta que a direita, razão de seu manquitolar, não foi possível acompanhar sua turma. Como ele era apenas um cozinheiro, que nenhum mal houvera causado a qualquer local, não foi difícil a sua acolhida. A cidadezinha pacata de então, acabou por adota-lo como filho. E que filho amoroso ele era. 

Numa época em que os serviços de limpeza pública no Brejo capengavam, aquela alma, munida de galhos da velha palmeira que ainda hoje tremula em frente à Igreja Matriz, na Praça Jacinto Alves da Silveira, varria, graciosamente, todas as ruas por onde passava. Antes, ele tinha o cuidado de jogar água para apagar a poeira. Era por isso que, cansado, depois de finalizar suas tarefas de varrições do dia ele se dirigia para as escadarias da igreja para descansar e dormir.

Educado, Digno e nobre, quando algum brejeiro inadvertido lhe estendia uma moeda ele que na maior parte do tempo ficava silente, falava:  “por favor, meu senhor, guarde-a. Eu nada fiz por merecê-la. Mas eu poderei até aceita-la. Desde que o senhor me ofereça algum trabalho de limpeza ou cozinha para fazer. Os meus superiores não me permitem receber nada sem o devido esforço.”  Sem entender, o interlocutor, bom samaritano, lhe perguntava: mas a quais senhores você se refere? Sempre o vejo ai, sozinho? Ele assim respondia apontando para o Alto: “Eles estão Lá em Cima. Acham-se fora do alcance de nossas vistas mais muito próximo do nosso coração!”

Na gangorra da politica brejeira, Enéas, o Capitão, agora era Prefeito. Feliciano era seu vice. Poucos anos antes o jogo era inverso. O primeiro era vice do segundo. Entendeu? Não? Nem eu. Desvira tudo que você entende. Dá no mesmo!

O que importa é que o Prefeito Enéas, cujo coração de tão grande não cabia no peito, naquele dia ao sair da Prefeitura em direção a Fazenda Burarama, ao passar em frente ás escadarias da Matriz viu, de soslaio, Jesuíno do Quilombo, que voltava com seu galho de palmeira em punho, de mais um périplo de varrição pelas ruas do Brejo. Enéas, a quem nada passava despercebido, apeou. Aproximou-se de Jesuíno e passou-lhe a mão em cumprimento.

- Como vai, meu amigo!

- Bem. E o senhor?

- Bem, também! Você é Brejeiro?

- Não senhor. Sou Baiano!

- O que fazes com este ramo de palmeira na mão? Quis saber o Prefeitão Enéas Mineiro.

- É o meu instrumento de trabalho. Com ele eu faço a limpeza das ruas desta Cidade, que estão, diga-se de passagem, um verdadeiro lixo. Aliás, toda esta Cidade está uma porqueira só que dá gosto. Até parece que não tem Prefeito!

O Capitão, não perdia o rebolado jamais. Com simpatia e ternura, fitou Jesuíno de alto a baixo. Mesmo não sendo Mineiro além do sobrenome, sabia matutar e medir as palavras antes de proferi-las, próprio daqueles, que assim como eu, nasceram nas Alterosas. Foi aí que após pensar bastante, abriu os braços e um grande sorriso, e se apresentou:

- Pois é, meu amigo. Muito prazer! Talvez você ainda não saiba, mas sou eu o Prefeito desta Cidade que se chama Francisco Sá. Quero lhe informar que estou me empenhando o máximo para torna-la a mais limpa possível e com a sua ajuda, vamos conseguir!

- “E por que é que o senhor acha que eu estou lhe falando assim? Vossa Mercê pensa que eu que sempre me mantive calado falaria isso para qualquer um? Eu sou pobre e sujinho de roupa mais limpinho de coração. É por isso que eu só falo com o dono dos porcos. O senhor tem que convocar todo mundo para me ajudar a fazer a limpeza senão daqui a pouco as cobras vão sair dos brejos e vão invadir as casas. É muito trabalho para uma pessoa só... O senhor não acha?”

A partir daquele dia instituiu-se em definitivo o serviço de limpeza pública na Cidade.

É...

Por vezes, a chacoalhada vem de onde menos se espera. De pessoas que seriam inimagináveis, não tivessem boca.

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há 41 anos na área de Engenharia. É autor do livro “Liderança Conquistada” que já se encontra nas melhores Livrarias de São Paulo e poderá ser pedido diretamente pelo e-mail: enoque.rodrigues@ibest.com.br . É Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 19 de maio de 2012

ENOQUE RODRIGUES: ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – FREDÃO DE TONHAEnoque Al...


ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – FREDÃO DE TONHA

Enoque Alves Rodrigues

CENTRO DO BREJO DAS ALMAS
Ele residia num antigo casarão construido com adobe com fachada em cor verde musgo que ficava a três casas depois da casa da Dona Quino, na alameda central, em Francisco Sá, ou Brejo das Almas, em cujo frontispício se lia “pensão.” Ali ele vivia em companhia de Antônia Claudina Ferreira, a Tonha, e seis bacuris todos eles fora da Escola, apesar de se acharem em idade escolar.
 
Alfredo Dias Severino, 40 anos, agricultor, nascido no Ceará, mas radicado desde criancinha no Brejo, tinha que dar um duro dos diabos para poder sustentar sua grande família. Tonha cuidava das crianças, da casa e da horta, enquanto Fredão trabalhava nas fazendas da região na condição de camarada. A alcunha de Fredão era alusiva ao seu tamanhão de 2,05 metros, uma aberração para a época quando o raquitismo corria solto impedindo que até mesmo os ricos e bem nutridos ultrapassassem a altura de 1 metro e 60 centímetros. Naqueles  cafundós de meu Deus onde orgulhosamente nasci, quando, ao traçarem o perfil de alguém, se mencionasse “estatura mediana,” entender-se-ia que o individuo em referência possuía menos de 1 metro e 60 centímetros de altura. Era esta a nossa média. Um pouco mais que isso já era considerado alto. Hoje a estatura mediana para homens é de 1 metro e 70 centímetros. 

Alfredo, além de alto, era muito forte. Era como vamos ver mais adiante, um “costa larga.” Tremendo “pé de boi” na arte de trabalhar e produzir consumia, com a mesma voracidade em que detonava os eitos de roçados, duas imensas gamelas de comida no almoço e uma no jantar, esta regada a cachaça. A merenda que era servida ás duas da tarde tinha que ser composta de uma rapadura e duas cuias de farinha só para ele. A sua produção diária era superior á produção de dois homens juntos. Mas para contrata-lo o Fazendeiro ou meeiro tinha que ter “bala na agulha”, ou melhor, tinha que ter rango na panela, senão “a máquina” não girava.

Foi durante uma colheita de algodão na fazenda de Rosalino que ficava próximo a fazenda de meu avô, Liberato, que tive a oportunidade de conhecer, pessoalmente, aquela figura. Sua fama eu já conhecia de longa data. Por isso, quando o capataz de Rosalino, de nome Juca, nos informou que Fredão ia trabalhar com eles na colheita daquela safra de algodão, minha curiosidade ficou mais aguçada. 

Manhã de Segunda Feira. O ano era 1961. Atravessei a pinguela do afluente do quem-quem e, de longe, já pude visualizar do outro lado, o algodoal de Rosalino. Aproximei-me. Era verdade. Lá estava ele, o “gigante,” em meio a uma roda de outros camaradas tomando café e palestrando antes de iniciar o batente. Parei-me meio surpreso e pus-me a observa-lo. Mãos longas, mas proporcionais ao corpanzil. Aguardei o inicio das atividades do grandalhão. Desejava ver também como os outros “pequenos mortais” se comportariam. Queria também, se possível, no final do dia, assistir as pesagens das colheitas. Fazer as comparações apesar de nada daquilo me dizer respeito, etc.

Sete horas. Após o tilintar de uma velha enxada a guisa de sirene, assim como são dadas as largadas para as corridas, eis que todos saem cada qual em seu eito de algodão, com sacos amarrados à cintura enquanto os dedos ágeis, em frenéticos movimentos, estraçalham os capuchos, lançando-os aos sacos. Depois de sumirem de vista entre os eitos ou ruas, eis que, num passe de mágica, lá estão todos eles, exceto alguns retardatários, assim como o são nas retas de chegada das corridas, quando nem todos chegam ao mesmo tempo, fazendo a curva de volta, ganhando minha direção. Fredão, para minha decepção, se achava entre os retardatários. Pensei comigo: esse cara não é de nada. É literalmente um bundão. Só tem tamanho e fama. Foi tudo propaganda enganosa. 

Ledo engano. Aquele mestiço, brutamontes só estava mesmo “esquentando os motores.” Quando o relógio assinalou oito horas, o pau quebrou. Como se estivesse enlouquecido, o cara, entre um assovio e outro, deu uma chacoalhada nos quadris, endireitou o espinhaço e começou a cantar. Á maneira que ia cantando avançava sobre os eitos como se a melodia ditasse seu ritmo. Com uma só “mãozada” colhia vários capuchos de algodão e socava-os no saco. Enquanto os outros enchiam um saco ele já havia enchido dois. De longe, com um assovio seguido de um olhar estranho, entre, engraçado e diabólico, gritou para o balanceiro: 

- “Tadeu, seu cabrunco da mulésta, ampria ai o meu espácio próchimo da balância pra mim colocá os saco, apusquê hoje eu tô cum cão e cum a gota serena  e vô tirá seis arroba!”

Caramba. Aquilo não era possível. Principalmente se partirmos do pressuposto de que dificilmente alguém consegue colher mais que 45 quilos ou três arrobas de algodão por dia.

Retornei para a Sede da Fazenda de meu avô e à tarde quando iam iniciar as pesagens, regressei. Subi sobre um mourão que ficava próximo da balança, em meio á montanha de sacos de algodão, e, mais uma vez, pus-me a observar.

O balanceiro Tadeu, ao lado do capataz Juca, com uma velha caderneta onde fazia a contabilidade, sentado na sela de seu cavalo sobre o qual se viam duas grandes bruacas de couro abarrotadas de notas de cruzeiros, numa época abençoada em que ninguém roubava ninguém não só por medo dos efeitos coercitivos da lei dos homens, mas principalmente por temerem a Lei de Deus e o tridente do diabo, não transgredindo um dos mandamentos onde está escrito, não furtarás, ia chamando os peões um por um, por seus respectivos nomes seguidos do total da “apanha” e do valor correspondente ao pagamento da diária.

- Jazão do Brejo, duas arrobas, 20 cruzeiros. Felisbino de Vaca Brava, duas arrobas e meia, 25 cruzeiros. Elpídio do Mangal, uma arroba e meia, 15 cruzeiros. Jacó de Salinas, três arrobas, 30 cruzeiros. Manoel de Taiobeiras, duas arrobas, 20 cruzeiros. Gervásio de Cana Brava, duas arrobas e meia, 25 cruzeiros. Daniel do Catuni, três arrobas, 30 cruzeiros. Geninho de Orion, uma arroba, 10 cruzeiros, etc.

Ao chegar á vez da pesagem da colheita do “gigantão,” o capataz pigarreou, estufou o peitoral, empostou a voz, e, como se fosse proferir um longo discurso, mandou: 

- “Alfredo, de Tonha, pai de seis filhos, Cearense cabra da peste, que mora no Brejo, dois metros e cinco de altura, costas largas, que come duas gamelas de comida no almoço, uma rapadura com duas cuias de farinha na merenda e uma gamela de angu com um litro de cachaça na janta, grande pé de boi para trabalhar, seis arrobas, 60 cruzeiros.”

Com apresentação tão rica em pormenores como esta não me restaram mais dúvidas, mas somente a certeza de que Fredão era realmente imbatível. 

É...

As pessoas, por vezes, pecam pelo excesso de detalhes que nem sempre nos interessam.
E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há 40 anos na área de Engenharia. É Escritor, com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada que será lançado agora em maio/12 e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 12 de maio de 2012

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ - JARDIM PÚBLICO MUNICIPAL


ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – JARDIM PÚBLICO MUNICIPAL

Enoque Alves Rodrigues

PRAÇA JACINTO SILVEIRA
Quando a 31 de Janeiro do ano de 1969 o Prefeito Eurico Penna da Silveira inaugurou na Praça Jacinto Silveira, em frente á igreja matriz do Brejo das Almas ou Francisco Sá, “igual a ti, outro não há,” o Jardim Público Municipal, poucos Brejalminos acreditavam que aquele projeto havia finalmente se materializado, deixando em definitivo o papel.

Concebido na prancheta daquele a quem poderíamos chamar de “o Niemayer do Brejo,” o Dr. Arthur Jardim de Castro Gomes, parte integrante e indissolúvel da vida de Francisco Sá desde os primórdios, onde exerceu com fervor, transparência, dedicação e galhardia, os mais diversos cargos públicos, inclusive o de Prefeito em gestões coroadas de êxitos e muitas realizações com avanços em todas as áreas administrativas do município os quais hoje fica difícil pontuar.

A execução da obra do Jardim Público Municipal ficou a cargo de Antonio Plácido que muito se desdobrou para que o cronograma fosse cumprido dentro do curtíssimo prazo estipulado por Eurico.
Muitos brejeiros hão de lembrar, pois, afinal, não faz tanto tempo assim. Em 31/01/1969 eu tinha dezesseis anos incompletos e lá estava em meio á quase totalidade da população do Brejo naquela praça, em frente aquele “monumental e gigantesco amontoado de concreto.” Todos queriam assistir ao rompimento da fita inaugural e presenciar aquele feito inédito e indescritível.

Um pouco antes do discurso de Eurico Penna a praça já estava tomada pela multidão ávida por ouvi-lo. Todos se acotovelavam em busca do melhor ângulo onde pudessem observa-lo e escuta-lo sem se perder nenhum detalhe. Baixinho à época, não me restou nenhuma alternativa senão me atracar ao tronco liso da centenária palmeira que ainda hoje insiste em manter-se de pé no mesmo lugar, de onde, enquanto “a cacunda” aguentava, podia visualizar toda a cerimônia que transcorria animada e na mais perfeita ordem. Depois das bênçãos do Padre que proferiu nas escadarias da Matriz uma breve homilia, deu-se, de fato, o inicio dos trabalhos. Eurico iniciou seu discurso ressaltando os feitos que havia realizado até então e as ações que ainda restavam por tomar frente á Prefeitura Brejeira. Enfatizou a importância daquela obra do Jardim Público para os munícipes de Francisco Sá. 

No tronco da palmeira, em pensamento, tentava eu entender a quais importâncias Eurico se referiam. O que haveria de tão relevante numa obra de um pequeno e diminuto jardim onde nem flores existiam? O que, de positivo, agregaria a vida de todos nós, Brejeiros? Seria ou não aquele discurso exagerado e tendencioso que não passava de um monte de falácias desprovidas de qualquer cunho de verdade?

Enquanto eu me via perdido no mundo emaranhado das interrogações, eis que Eurico já se achava finalizando sua fala. Se eu tivesse tido o dom da paciência e sido menos precipitado, certamente que nenhuma daquelas duvidas e questionamentos teriam povoado a minha mente. Involuntariamente, mas como se tivesse lendo o meu pensamento, o grande Prefeito Eurico Penna da Silveira, sim, este “Silveira” pertence á mesma linhagem e estirpe do “cara”. O maior de todos, passou a justificar:

“É possível que algum conterrâneo que aqui se encontra neste momento maravilhoso esteja tentando entender qual seria a importância desse simples jardim público para o Brejo. Quiçá esteja imaginando também que este monumento terá como sua única incumbência segurar a placa que nele se encontra ostentando o meu nome, etc. No entanto, quero dizer que ele muito representará para todos nós hoje e para os pósteros. Durante muito tempo este projeto do Dr. Jardim ficou engavetado porque os meus antecessores não queriam correr o risco de passar por tais questionamentos. As minhas explicações são simples. Tudo que pudermos fazer, por pequenino que possa parecer, para embelezar a paisagem urbana da nossa cidade, ela vai nos agradecer. E, tirando do bolso da camisa duas fotos em branco e preto acenou-as para a multidão: veja aqui em minha mão o antes, onde esta praça se acha sem o jardim, e o depois, onde ela já aparece munida do seu jardim. É ou não é incontestável a diferença? Vocês reconheceriam esta praça se aqui não estivessem?”
Não. Respondemos todos.
É...

Por vezes, dizia um certo politico mineiro de nome José Maria Alkmin, nascido em 11/06/1901, em Bocaiuva. Lembram-se dele? “Em política o que importa é a versão e não os fatos.” No caso em tela que acabo de descrever, esta máxima foi pras cucúias, pois, fato e versão, coadunavam-se. Contra fatos não há argumentos e os fatos estavam ali, em nossa frente, em mãos de Eurico, consolidado incontestavelmente por duas trêmulas, distorcidas e meio desfocadas fotos que muito representavam.

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há 40 anos na área de Engenharia. É Escritor, com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada que será lançado agora em maio/12 e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.