sábado, 2 de fevereiro de 2013

CENAS BREJEIRAS 6 – ANA LUCÍLIA DO TABUAL



CENAS BREJEIRAS 6 – ANA LUCÍLIA DO TABUAL

*Enoque Alves Rodrigues

Ana Lucília. Era esse o nome de minha primeira professora no curso primário lá no povoado de São Geraldo.

Ela era natural de Tabual, lugarejo pertencente ao Município de Brejo das Almas ou Francisco Sá, ao norte de Minas Gerais. Filha de Joaquim Silva e de dona Maria Garcia, foi designada pela Prefeitura do Brejo para lecionar na pequena São Geraldo, cuja escola tinha minha mãe como diretora.

Uma vez em São Geraldo, Ana Lucília, ficava hospedada em casa de dona Dazinha, também professora, esposa de seu Lau, açougueiro.

De 1959 a 1960 Ana Lucília foi minha professora e por que não dizer também, a diva que povoava o meu ilimitado mundo de fantasias, fomentando-o com sonhos bons mais irrealizáveis. “Sweet memories.”. 

Naquele tempo de saudosa lembrança, Ana Lucília não possuía mais que 17 anos. No entanto, inobstante tratar-se apenas de uma adolescente, todos nós em sinal de respeito e reverência natural para caracterizar a posição hierárquica que ela mantinha sobre nós, seus pupilos, a tratávamos por “dona”, numa época abençoada onde o professor era tido como um segundo pai ou uma segunda mãe, pois os cupins do desequilíbrio, indisciplina e desamor ainda não haviam corroído as bases sólidas da sagrada família como ocorre nos dias atuais, quando não mais se mantém o menor respeito por aqueles que nos ensinam as primeiras letras assim como os primeiros passos pelos caminhos da vida.

Em meus tempos de infante escolar, que não foram, de forma alguma, os tempos da palmatória, a única referência á travessura cometida por um aluno na sala de aula era surrealista, pois servia apenas como elemento figurativo para ilustrar uma das estrofes da música, a meu ver, de péssimo gosto, “capeta em forma de guri,”, cantada pelos Incríveis. Bem, para cantar aquilo, tinham que ser mesmo “incríveis”: “crescendo o menino, pra escola entrou, de cara feia logo a professora olhou”. No meio da aula, num teco fatal, mandou um coleguinha logo pro Hospital... Conheci um capeta em forma de guri...”. Lembram-se?

Antes de sentarmos para fazermos as nossas lições, guiados pelas suaves mãos da pequena grande mestra, tínhamos de rezar o Pai Nosso e cantar o hino nacional, assim como também fazíamos em nossa saída. Éramos orientados a sermos solidários e a tratarmos uns aos outros com respeito e cordialidade. Recebíamos ali, entremeados com o bê-á-bá e tabuada, noções de religião, amor a Deus, ao nosso semelhante e à Pátria, embasamentos singelos, mas fundamentais que nos preparavam para sermos bons cidadãos no futuro. A minha primeira escola só tinha uma porta que era a mesma de entrada e saída. Não tinha carteira ou banco escolar que eram improvisados, mas, sem quaisquer jactâncias, seria até covardia de minha parte comparar o aprendizado que recebi ali com o de outras escolas que frequentei mundo á fora. Frondosas em seus interiores e frontispícios e imponentes em seus currículos, mas nenhuma tão rica e pródiga em ensinamentos como foi minha primeira escolinha. Pois é.

E o que vemos hoje? Vamos analisar?

Lares desestruturados com pais truculentos, xucros e negligentes que brindam seus filhos, desajustados desde o nascimento, com péssimos e abomináveis exemplos. No bojo paternalista de um genérico de governo quinto-mundista veio ás creches e várias ações sociais que, dado ao baixo nível sociocultural do Brasileiro, tornaram-se fomentadoras da preguiça e paternidade irresponsável. É muito fácil e gostoso fazer filhos para o estado, ou seja, para nós, contribuintes responsáveis criarmos. Eles deixam, na maioria das vezes, toda a educação infantil, inclusive aquela da qual eles, os pais, não deveriam jamais se abdicar por lhes serem atribuições intransferíveis por dever constitucional, por conta dos professores que no final, ainda são cobrados pelos pais inescrupulosos e insolentes, quando algo não sai muito bem para o seu capetinha.  O termo “não sair muito bem” aqui utilizado significa dizer, quando os professores em pleno exercício de suas prerrogativas na cruel arte de ensinar, acabam por contrariar as vontades do capetinha birrento, entojado e mal criado. Há casos extremos aqui em São Paulo que certamente não se diferem das demais regiões Brasileiras, aonde alunos, capetinhas e capetões, chegam mesmo a agredir fisicamente seus professores sob o beneplácito dos pais bundões, e de um risível código penal bichado, ultrapassado desde o seu nascedouro em 1940, desprovido de efeitos reais coercitivos que beiram o ridículo e que nenhuma autoridade exerce sobre eles. É o fim do mundo. Definitivamente eu não seria um bom professor.  Talvez seja por isso que Deus não me deu esse dom apesar de vir de família onde todos exercem com muita honra, orgulho, galhardia e dignidade esta nobre arte.

Vamos sair dessa zona de turbulência que muito me aborrece e voltemos á docilidade de dona Ana Lucília, de Tabual, personagem de minha crônica deste mês.

Geralmente, conforme deixei entender nas entrelinhas, naquela idade todos nós, garotos, estaríamos preocupados em identificar outro atributo: a beleza física, por exemplo. Dona Ana Lucília era demasiado linda, é verdade, mais a pujança de sua beleza intelectual conseguia sobrepor á lindeza material e isso nos prendia a todos. Quando abria a boca para falar, nossas atenções eram, imediatamente, arrebatadas para a sua graciosa e eloquente didática. Educada, paciente, cordial, enérgica, sorridente, determinada e assertiva. Eram predicados inerentes àquele divino ser, deusa de rara sabedoria e beleza.

 Antes de chegarem às férias escolares daquele fim de ano, todos nós, seus pequeninos alunos fomos tomados por sensações cujas causas desconhecíamos. Flutuávamos entre o bom e o ruim. Nos intervalos recreativos conversávamos entre nós ansiosos por encontrar no outro a explicação que aguçava nossas curiosidades rumo ao desconhecido. Por mais que tentássemos, não conseguíamos imaginar o que estaria por acontecer. A merenda à base de triguilha (trigo in natura) com leite em pó parecia-nos insossa. As palavras doces de dona Ana Lucília, também pareciam não serem mais as mesmas. Soavam agora meio que sem sentido. Criança é assim. Um oásis de curiosidade, mas nenhuma criança foi feita para conviver com curiosidade. Nós não éramos diferentes. Algo estava por acontecer, disso tínhamos certeza. Uai, o que seria?.

Duas semanas antes das esperadas férias, a noticia começou a correr trazida que foi por dona Dazinha de seu Lau: dona Ana Lucília, a linda e inteligente professorinha não mais continuaria conosco no próximo ano. O seu saber e todas as suas demais virtudes intelectuais haviam atravessado as fronteiras limitadas da querida São Geraldo. Agora, o prefeitão do Brejo julgava importante designa-la para ir cuidar de outras mentes em formação preparando-as para o porvir. Por certo ele entendeu que nós lá em São Geraldo já havíamos atingido o estágio necessário aos desafios que a vida nos traria. Ela foi promovida e depois transferida para Porteirinha, a pedido do prefeitão de lá, de onde jamais tivemos noticias. Nos primeiros dias do seguinte ano letivo nos sentíamos meio que órfãos, mas depois “o furacão” do saber e ensinar de nome dona Florisbela Martins, (a quem dedico á flor animada que cintila e enfeita o introito desta minha crônica), obedecendo como a um cão de guarda, aos comandos da dona Nazir, preencheu, imediatamente, a altura, os espaços deixados por dona Ana Lucília. Dali é possível que não tenha saído nenhum grande vulto exponencial que pudesse revolucionar o podre mundo da politica, das belas artes ou do saber, ou quiçá, com alguma notoriedade relevante em outros patamares da vida. Mas de uma coisa estejam certos e convictos: De lá saíram cidadãos íntegros e cônscios de seus direitos e deveres sociais e acima de tudo, exemplares pais de família que sabem que a verdadeira educação e disciplina começam em casa e que a escola, com seus professores mal remunerados por um Governo hipócrita, inepto e capenga, preocupado apenas com suas avaliações pífias e tendenciosas, salas de aulas sucateadas e imundas, caindo aos pedaços, milagrosamente apenas as complementam.

Ou eu estou errado.

Desculpe-me, dona Ana Lucília, onde quer que a senhora esteja. Mas, neste finalzinho de minha crônica não me foi possível segurar a onda. Sóbrio, comedido e educadamente, claro, pois foi assim que minha santa mãezinha, a senhora e o mundo me ensinaram.

É...

Por vezes, necessário se faz cutucar o gigante que dorme deitado eternamente em berço esplêndido para ver se ele acorda para cuspir, uai.

E tenho dito!

*O autor nasceu em Brejo das Almas, Francisco Sá, MG.

domingo, 6 de janeiro de 2013

BREJO DAS ALMAS - 75 ANOS SEM JACINTO



BREJO DAS ALMAS - 75 ANOS SEM JACINTO

*Enoque Alves Rodrigues

Brejo das Almas, 17h30m do dia 8 de Janeiro de 1938. Com quase 67 anos, falecia, depois de padecer por doze anos do mal de Parkinson, no Brejo das Almas, ou Francisco Sá, distante 480 quilômetros da Capital Belo Horizonte, ao norte de Minas Gerais, Jacinto Alves da Silveira. Portanto, brejeiros, hoje, terça-feira, oito de Janeiro de 2013, o nosso Brejo completa 75 anos sem o seu fundador, ou principal responsável por sua emancipação politico-administrativa.

A Parkinson é idiopática, ou seja, é uma enfermidade primária de causa obscura. Há deterioração e morte celular dos neurônios produtores de dopamina. É, por isso, uma doença degenerativa do sistema nervoso central, com início geralmente após os 50 anos de idade. É uma das patologias neurológicas mais frequentes visto que sua prevalência situa-se entre 80 e 160 casos por cem mil habitantes, acometendo, aproximadamente, 1% dos indivíduos acima de 65 anos de idade. Apesar do muito que já se pesquisaram, decorridos quase duzentos anos do descobrimento desta gravíssima doença por James Parkinson, pouco ou quase nada se sabe sobre suas causas.

O fato é que, deve-se a ela, todas as consequências de doze anos de sofrimentos que vitimaram o grande e insubstituível benfeitor de nossa Cidade. Tudo começou quando ainda vereador em Montes Claros, no momento em que lutava pela aprovação de mais um projeto que beneficiaria o Brejo. Ali ele sentiu as primeiras dores no dedo indicador da mão direita, que insistia em não obedecer aos seus comandos. Seu colega de partido, Antônio Ferreira de Oliveira, o Niquinho “Açúcar”, ou Farmacêutico, é quem conta com todos os detalhes, o inicio desse duradouro tormento, que, como já mencionei, doze anos depois ceifaria a vida do nosso mais ilustre Brejeiro.

Jacinto Alves da Silveira foi, até hoje, o único capaz de reunir todos os predicados que habilitam qualquer individuo a afirmar ter vivido a vida em toda a sua plenitude na prática do bem. Descendente de famílias de Ouro Preto, assim como os Pena, Oliveira, Dias, Xavier, entre outras, esta última pertencente à genealogia do grande Mártir da Inconfidência, o Tiradentes, Jacinto, um dos muitos filhos do velho Fazendeiro José Alves da Silveira, nasceu no Brejo, lá pelos idos de 1871, quando o Brejo sequer sonhava em ter as feições de hoje. Ao contrário, assemelhava-se, muito mais, ao longínquo dois de novembro de 1704, quando não passava de uma vasta mata às margens dos rios Verde Grande, São Domingos e Gorutuba, onde Antonio Gonçalves Figueira, dono de várias fazendas na região, fincou pela primeira vez, ao lado da Lagoa das Pedras, o imenso cruzeiro que marcaria para sempre, no tempo e no espaço, o inicio de uma nova era, de uma promissora civilização e de uma progressista Cidade, como o próprio Bandeirante profetizara. Jacinto, ao contrário de seus outros irmãos que eram todos Fazendeiros, desde a infância, apesar de rústico, já se revelava muito inteligente, quando lia, escrevia e realizava cálculos difíceis até mesmo para quem tinha a mais elevada cultura. Era, desde aqueles tempos, um iluminado, na mais clara e límpida definição do termo.

Bonito, com 1,80 de altura, bigodes aparados e bem fornidos, cabelos cortados à escovinha, trajando-se sempre de brim cáqui, o belo jovem Jacinto Silveira juntamente com outros peões, percorria, no lombo do cavalo, por estradas de chão batido a longa distância de 270 quilômetros conduzindo grandes manadas de gados de corte que eram vendidas na cidade de Curralinho, hoje, Corinto, situada ao norte de Minas Gerais. Com 24 anos conheceu e casou-se com a normalista Maria Luiza de Araújo, na velha Matriz de Montes Claros, no dia 16 de Novembro de 1895. Maria Luiza foi durante toda a vida, sua fiel e inseparável companheira, a qual foi responsável pela condução dos destinos do povo brejeiro no campo da educação e cultura, enquanto Jacinto preparava esse mesmo povo na política e principalmente para a emancipação administrativa do Brejo, que ocorreria em 1923/24. Foi o primeiro presidente da primeira legislatura municipal brejeira, 1924/1930, que era composta pelos seguintes vereadores: Padre Augusto Prudêncio da Silva, Francisco Fernandes de Oliveira, José Dias Pereira Zeca, João de Deus Dias de Farias e Rogério da Costa Negro, este último, um grande comerciante do ramo de tecidos.

Lutador incansável pelos direitos de seu povo, íntegro, transparente, correto em todas as suas atitudes, honesto até a medula, numa época em que a mosca varejeira sequer sonhava sobrevoar o mundo da política, Jacinto Silveira conduzia os destinos do povo Brejeiro pelos caminhos da retidão e do porvir, assim como Moisés do Egito conduzia seu povo rumo à Terra Prometida. Jamais perdeu uma só eleição. O Brejeiro daqueles tempos sabia reconhecer os valores inalienáveis daquele homem e o tinha como a um verdadeiro Líder. E como tal se comportava: respeitador e cerimonioso, de falar pausado, olhava sempre nos olhos do interlocutor e não o interrompia quando o outro se pronunciava. Firme e assertivo, sempre expressou o seu pensamento. Nunca se utilizou de meias palavras. Era homem de posições claras e definidas. Benevolente e despojado, servia a todos com amor sem pedir nada em troca. Disciplinado, sabia ser enérgico sem ser jactante. Muitos foram os Governadores de Estado que utilizaram o prestigio de Jacinto. A palavra dele era uma ordem e nela todo e qualquer Brejeiro acreditava cegamente por que Jacinto nunca deixou de cumpri-la.

Rico, dono de várias fazendas de gado e cultivo, casas comerciais e muitas outras fontes de renda, Jacinto Alves da Silveira, homem que durante toda a existência sempre teve a casa cheia de amigos e correligionários, que sem nenhum apego às coisas materiais, ajudava, com recursos pessoais a todos, brejeiros ou não; bancava, do próprio bolso, inúmeros candidatos em campanhas eleitorais caríssimas. Depois de ter custeado a emancipação do Brejo das Almas, tendo inclusive doado prédios de sua propriedade para comporem a Sede Administrativa e o conjunto arquitetônico do Município, condição esta indispensável a sua homologação, já no final da vida, corroído pela enfermidade degenerativa, ainda era obrigado a arrastar-se de sua casa até a Prefeitura, onde dava expedientes, deixando-nos o belo exemplo de que é no trabalho que nos realizamos e enobrecemos. Morreu, no entanto, pobre, mas digno e praticamente só, tendo a seu lado apenas os familiares.

Não é sem motivo que um de seus filhos, o também Coronel Geraldo Tito Silveira, assim se expressa em um de seus lindos libelos, referindo-se as indiferenças das quais fora vitima o pai: “Nos áureos tempos de sua vida abastada, quando ele plantava as sementes de uma pequena fortuna, depois esbanjada nos ardores da política, feita somente para o bem-estar de outrem, sua casa solarenga vivia repleta de “amigos”. Até então, não se via pela estrada real, que ia dar à Bahia, uma só pousada ou hospedaria, de modo que os forasteiros que por ali passavam procuravam a casa do Coronel Jacinto, onde recebiam todo o conforto, gratuitamente. Muitas dessas pessoas eram acometidas de terríveis pestes inclusive febre brava!”.

E arremata o grande escritor do Norte de Minas, Geraldo Tito Silveira, agora lamentando mais uma grande injustiça com a qual brindaram o pai. Aliás, muito já falei sobre tal injustiça que espero um dia, quiçá nessa atual encarnação ver corrigida: “Como corolário da ingratidão dos homens, mudaram o nome de Brejo das Almas, não para perpetuar o nome de Jacinto Silveira, na terra que engrandecera, mas para honrar o nome de outro Brasileiro, Ilustre, é verdade, mas que nada fizera por ela.”. Refere-se ao Doutor Francisco Sá, (1862-1936), nascido na fazenda Brejo de Santo André, que naqueles tempos pertencia ao Município de Grão Mogol e que foi Ministro da Viação e levou a Estrada de Ferro Central do Brasil até Montes Claros, que muito lhe deve.

Não sei, até porque de há muito não vivo mais no Brejo e não participo de seu dia-a-dia, se a Sociedade Brejalmina ou Brejalmense, movida por nobres sentimentos de gratidão, ou, quiçá, políticos locais, se lembrarão de promover neste dia 8 de Janeiro, alguma cerimônia, por mais simples que seja, ainda que um singelo minuto de silêncio, àquele que foi, é e será, o primeiro e mais importante Brejeiro. O maior de todos, porque deu tudo de si, até a própria vida, para que o Brejo das Almas ou Francisco Sá figurasse no mapa de Minas e do Brasil, como o Município importante e promissor que é.

Depois de permanecer longo tempo na erraticidade, acha-se, atualmente, no meio de nós. Não dentro da política que, convenhamos, mudou muito, e para pior. Servidor nato e dedicado que jamais fugiu à luta, não obstante toda a ingratidão que recebeu, acreditem céticos de plantão: Se hoje se realizassem uma “chamada oral” convocando homens de bem a colaborarem com qualquer causa que tivesse por objetivo o bem comum, a justiça social, a luta contra as desigualdades dos menos favorecidos, alguém, digno, decente, probo e humano em quem, todos nós pudéssemos nos espelhar, ao bradarem o nome “Jacinto Alves da Silveira!” Com toda certeza ouviríamos, prontamente, em algum lugar do Brasil, a voz firme, forte e determinada do Coronel e grande Líder: “Presente... Eis-me aqui!”.

E tenho dito

*O autor nasceu em Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.


ALGUNS FRAGMENTOS ALUSIVOS A JACINTO SILVEIRA – CRÔNICAS DE 2012.

*Enoque Alves Rodrigues
 1.
      
“Que Jacinto Luz era sogro de José Alves da Silveira, grandes fazendeiros no Brejo das Almas de antigamente, sendo este último pai de Jacinto Alves da Silveira, principal responsável pela fundação e emancipação do Brejo das Almas, hoje Francisco Sá?...”.
2    2.
“Naquele tempo, Jacinto que era seu compadre, dava expediente na Prefeitura”. A farmácia de França ficava exatamente no trajeto, que Jacinto fazia três vezes ao dia, pois almoçava em casa. Numa dessas passagens, França, desesperado, chamou-o:
- Compadre!
- Pois não. Respondeu-lhe o Coronel Jacinto, sempre educado, cordial e solícito.
- Já não sei mais o que fazer compadre. Não posso mais aceitar porco, galinha e mantimentos como forma de pagamento. Os meus cercados estão cheios. Se eu continuar assim vou quebrar. Mas também não posso deixar o povo sem remédio. O senhor precisa me ajudar!
Jacinto, homem prático, de raciocínio rápido, desses que em fração de segundos cria, amadurece e executa uma ideia, ali mesmo, sobre o balcão da farmácia, pegou sua pena e num papel timbrado escreveu em letras garrafais: “Com o único objetivo de zelar e preservar a valiosa saúde do povo brejeiro, com o intuito exclusivo de evitar propagação de doenças e pestes eventuais, inerentes ás espécies suínas e ovinas, porcos e penosas, proíbo, a partir de hoje, qualquer forma de pagamento de remédios mediante tais modalidades”.
Depois de assinar, entregou o papel para França com a recomendação: “Aqui está compadre, a solução para o seu problema. Pegue isso e cole na frente da farmácia. Quando alguém chegar com porcos e galinhas, basta o senhor mostrar o cartaz. Como a maioria não sabe ler, diga que o papel lhe proíbe de vender remédios para receber de outra forma que não seja em dinheiro vivo...”.
3.
“Quantos, porventura, de nossos conterrâneos saberiam definir o quanto representou o nome gravado naquela velha placa para o Brejo das Almas? O certo é que o Padre Augusto Prudêncio da Silva, sobre o qual muito já escrevi neste mesmo espaço foi, juntamente com Jacinto Silveira, um dos maiores beneméritos do antigo Brejo das Almas...”.
4.
“Alto, magro e esguio”. Vestido do mais puro brim, cáqui, calçado com botas de couro, canos longos, com chapéu panamá à cabeça, olhar tranquilo e falar manso. Sentado estava no solar de seu casarão de onde observava todo o Brejo das Almas, reduzido, naquele tempo, a um pequeno amontoado de casas. Ao avistar Marcolino, elegantemente se expressou:
- Bom dia, meu amigo. Como vai o senhor? Porventura, há algo que eu possa fazer para lhe ajudar?
- Sabe o que é coronel! Eu vim aqui para lhe vender o meu voto. Quanto é que Mercê está pagando?
- Vender, o que, meu filho? Por favor, seja mais especifico. Não lhe entendi!
- Então, coronel, o senhor sabe que todo eleitor aqui vende o voto e que aqui no Brejo qualquer candidato só se elege se comprar votos, já que não tem voto de cabresto para todo o mundo.
Aquele candidato olhou para Marcolino com piedade. Após fitar-lhe de alto a baixo, respondeu-lhe educadamente.
- Creio que o amigo esteja enganado. O voto deve ser dado e não vendido.  Voto não tem preço, voto tem consequência. Aliás, você nem precisa conhecer a pessoa para votar nela. O que você tem que conhecer é o seu plano de governo. Não faça de seu voto moeda de troca senão os candidatos vão fazer de você massa de manobra e posso lhe garantir que esta ciranda perversa não é benéfica nem para você tampouco para à Democracia que todos nós um dia almejamos. Não vote, jamais, em quem se propõe a comprar o seu voto. “Ele não o merece...”.
Democracia? De que diabos aquele coronel visionário estava falando em plena década de 1920 quando a maioria das questiúnculas era resolvida à bala ou sorrateiramente?
Impossível seria mesmo entender, quanto mais explicar, não fosse aquele candidato o Coronel Jacinto Alves da Silveira que, segundo os anais da história, jamais perdeu uma eleição das muitas que disputou.
5.
“E o nosso fundador, Seu Jacinto. Você já leu alguma coisa sobre ele?...”.
6.
Certa vez se encontravam na casa do Padre Augusto, no Brejo das Almas, o Dr. Honorato Alves, Camilo Prates, Alfredo Sá, Jacinto Silveira, Antonio Ferreira, Francelino Dias...
7.
Depois de longos minutos neste diapasão coube a Jacinto intervir.
- Compadres, por favor, parem com isso! Os senhores ainda não perceberam que este Lucas dos Infernos está tirando sarro de todos nós? O que ele lhes manda fazer, jamais conseguirão. Ninguém é capaz de fazer isso. Foi bem mais fácil para mim, apesar de sabermos o quanto me foi difícil, (o Coronel Jacinto, como bom Mineiro, de quando em vez também se dava ao luxo de colocar em prática o seu Mineirismo), emancipar o Brejo das Almas. Este negro não quer contar história coisíssima nenhuma!

8.
“Até mesmo o Coronel Jacinto Silveira, meio sisudo, por natureza, recebia com sorrisos os seus gracejos...”.
9.
“Assim sendo, personagens, cuja vida detalhei em suas minucias como, por exemplo, o Padre Augusto Prudêncio da Silva, Jacinto Alves da Silveira, Geraldo Tito, Feliciano Oliveira, entre outros, não serão abordados...”
10.
“Aqui estamos diante do túmulo do ilustre Brasileiro e acima de tudo, Brejeiro, Jacinto Alves da Silveira, que por toda a sua vida...”.
11.
“Ainda solteiro, Jacinto conduzia grandes boiadas que eram vendidas em Curralinho, hoje, Corinto...”.
12.
“Dos muitos filhos do velho Zé Alves jacinto foi o único a inclinar para o campo do intelecto e, menino ainda, já dominava o alfabeto e tabuada...”.
13.
“Ali foi celebrado o enlace matrimonial de Jacinto Alves da Silveira com Maria Luiza de Araujo, que...”.
14.
“Não obstante ter sacrificado a própria vida pelo Brejo das Almas, Jacinto Silveira pouca ou quase nenhuma homenagem recebeu em vida...”.
15.
“A esposa de Jacinto Silveira, dona Maria Luiza, tinha uma cultura refinadíssima e muito além de seu tempo. ela foi a primeira normalista do Brejo das Almas...”.
16.
“Mantendo as mesmas tradições de injustiças com que regalaram o marido Jacinto, Maria Luiza, mesmo tendo sido a primeira Normalista do Brejo, não teve a primeira Escola do lugar nominada em sua homenagem...”.
17.
“Nem mesmo na concessão do Cartório do Brejo se dignaram a destina-lo a esposa de Jacinto, agregando-o a outra família, também merecedora, claro, mas sua tradição e amor ao Brejo sequer se aproximavam da tradição dos Silveira...”.

*O autor nasceu em Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

CENAS BREJEIRAS 5 – NEIDE DO ANGICO



CENAS BREJEIRAS 5 – NEIDE DO ANGICO

*Enoque Alves Rodrigues

Neide Francisca vivia na digna comunidade do Angico, localizada nas imediações do Brejo das Almas, ou Francisco Sá, quando a seca e a fome castigavam o norte de Minas Gerais. Ali ela cresceu, casou-se e constituiu sua numerosa família ao lado do marido Antonio Donato ou Toni Donato.

Vida dura e Severina. Trabalhavam no campo. Quando as crianças nasciam á parteira ia logo dizendo: “Hehém, tão lisinho e parrudinho. Daqui a pouco vai crescer engrossar o cangote e calejar a mão no cabo da enxada. Vai tirar muita roça do mato!”. 

O pai, todo entusiasmado, ouvia aquilo e ficava feliz. Claro, não existiria, ainda que o filho vivesse cem anos, alternativa que não fosse o cabo da enxada. Invariavelmente era este o destino do mal nascido. Aliás, minto. Havia outras opções sim: o cabo da foice, do machado, da picareta e dos cambões. Você escolhia onde queria se especializar. Eu, por exemplo, “um gênio para a época” apesar da idade tenra, doutorei-me na arte de bater cambões. Os caras traziam montanhas de feijão, claro, quando havia boa safra, e eu detonava. Fui mestre nessa arte assim como também fui um exímio retratista. Só que nessa honrosa profissão não prosperei muito, ou melhor, nada, pois apesar de eu ser o “degas”, em quase todas as fotos degolava o distinto e ilustre fotografado, deixando-o sem cabeça. Eu não conseguia enquadrar o sujeito como fazem os fotógrafos de verdade. Até hoje sou um fracasso. Dificilmente consigo tirar uma foto de alguém de corpo inteiro. Sempre falta alguma parte.

Neide do Angico e Toni tiveram nove filhos, mas três morreram de tétano umbilical ou mal de sete dias. Em todos os partos que foram feitos pela mesma parteira, esta profetizava o destino do recém-nascido com a mesma e surrada cantilena. Quando foi para nascer o ultimo, a quem deram em pia batismal o nome de Levi, ao escutar a voz da velha parteira em mais um agouro, Neide do Angico interrompeu-a e vaticinou categórica: “Negativo, o meu ultimo filho não vai provar do cabo da enxada, não... Ele vai ser doutor, vai curar muita gente e vai ser muito rico. Ele vai salvar muitas vidas. Ele vai nos ajudar!”.

Aquilo era um verdadeiro delírio numa época em que por mais que você ralasse, o máximo que você conseguia era não morrer de fome. Imaginem, então, quantos triunfariam na arte de Hipócrates? Quase zero. Apenas filhos de fazendeiros chegavam lá. Assim mesmo, a maioria, quando conseguia, se especializava em medicina veterinária que era para cuidar dos bois do paizão.

Quando a tirinha de folha de bananeira com a qual a parteira amarrou o cordão umbilical de Levi começou a secar, Toni Donato, o pai, já queria leva-lo para a roça. A mãe, a guerreira, Neide, atropelou-o: 

-Negativo, já falei que esse menino vai ser Médico.

-Uai, sô, mas Médico de que? Desde quando pobre tem filho Médico? Eu preciso do menino na lavoura para aumentar a produção e vancê sabe disso, resmungou Toni!

-Medicina... Medicina... Medicina. Levi vai ser Médico e não se fala mais nisso!

Neide estava determinada que o filho caçula ao contrário dos demais irmãos que eram analfabetos, estudaria Medicina. Ela só não sabia de que jeito. Com quais recursos, por exemplo.

Com oito anos o nosso amiguinho ainda “estava” analfabeto. Foi aos nove anos que Neide, finalmente, se tocou.

-Diabos, essa criança além de não estar estudando, também não trabalha. Desse jeito não vai dar certo. Toni está com a razão. Tenho que fazer alguma coisa.

Neide, coitada, esperava que a tão prometida Escola fosse inaugurada em seu Angico para que o menino começasse a estudar. Mas estava difícil. Politico entrava e saia e nada de se construir a Escola. Foi assim que ela procurou dona Idazinha, senhora culta e muito bem instruída na arte do bê-á-bá e tabuada. Pronto. Era só o que faltava. Em pouquíssimo tempo Levi já dominava o alfabeto assim como as quatro operações aritméticas. No angico não tinha mais espaço para o garoto. Neide, a mãe, pela primeira vez dava sinais de cansaço. Já não sabia mais o que fazer. Toni estava irredutível. Queria o menino na roça. Continuariam no Angico. Não sairiam de lá para nenhum outro lugar. Afinal, dizia ele, ninguém precisa estudar.

João estava em campanha eleitoral. Ele tinha suas bases em Montes Claros que naqueles tempos era “dono” do Brejo. Tudo se decidia lá. João já havia sido Prefeito de Montes Claros, mas ele queria mais, por isso tinha que engolir poeira. Assim sendo inesperadamente acabou baixando no Angico, em casa de Neide e Toni. Bebeu água do pote, comeu biju e pediu voto. Neide sequer sabia quem ele era. Mas ela estava desesperada e já quase incrédula quanto ao cumprimento da própria profecia. Quando alguém está se afogando qualquer raizinha pode ser a salvação. E era: Ela interpretou a visita daquele forasteiro a sua humilde casa como um aviso dos Céus. Um enviado de Deus. Sem saber com quem estava falando, mas de saco cheio com tantas promessas não cumpridas por velhas e felpudas raposas para a construção da Escola que nunca saia, Neide, aquele divino ser, foi curta e grossa.

Apontando para o raquítico pirralho, cujo nariz escorria, disse ao desconhecido Politico:

-O senhor está vendo aquele magrelinho ali? Pois é, ele é meu filho! Tem dez anos e nunca foi à Escola. O nome dele é Levi. Vira e mexe vem gente aqui igual ao senhor pedir voto prometendo escola pra todo mundo. Eles ganham e somem e nós continuamos sem Escola. Quando o Levi nasceu eu falei que ele ia ser Médico. Mas como, se até agora não iniciou nem o curso primário? Por isso só voto em quem o transformar em Médico. Se o senhor fizer dele um Médico terá o meu voto.

Aquele cidadão, paciente, observou aquela senhora com piedade. Apesar de ele próprio se originar de família simples, não conseguia entender de onde vinham tanta simplicidade e convicção.

-A senhora não precisa votar em mim. Mas eu tenho a obrigação e aqui lhe dou a minha palavra, de transformar o Levi, seu filho, em Médico. Basta que a senhora me autorize leva-lo para Montes Claros. Estou autorizado?

-Está. Pode levar!

Muitos anos depois Levi era Médico. Seu consultório ficava ao lado do consultório de seu benfeitor e agora padrinho. Trouxe todos os familiares do Angico para Montes Claros. 

O sujeito que estava no Angico pedindo votos. Que ouviu as súplicas daquela rude senhora. Que chamou a si a responsabilidade de tornar aquela pobre criança um grande e respeitado Médico, era ninguém menos que o Doutor João José Alves, um dos mais importantes Médicos que o norte de Minas Gerais já produziu e que, portanto, dispensa aqui quaisquer outras apresentações. Aliás, muito já escrevi sobre ele. O cara era tão fudido que mesmo em vida, tinha uma praça em sua justa homenagem que ainda existe no centro de Montes Claros, onde se localizavam sua casa e consultório.

Pode?

Em tempo: ele se elegeu naquela campanha. Foi prefeito da bela MOC pela segunda vez.

É...

Por vezes, dizia Albert Einstein, é no meio da dificuldade que se encontra a oportunidade. 

E tenho dito!

Ótimo 2013 pranóis.

Postado ás 11 horas do dia 01 de Janeiro de 2013

*O autor nasceu em Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.