O BREJO DAS ALMAS E AS SECAS DA MINHA INFÂNCIA
*Enoque Alves Rodrigues
O período de escassez de chuvas que atualmente assola grande parte do
Brasil onde se destacam por ordem de intensidade os Estados de São Paulo e Minas
Gerais me transporta ao querido torrão natal de Brejo das Almas dos meus tempos
de menino, quando, munidos de garrafas com água e guiados por dona Lú (Maria de
Lurdes), saiamos da Vila Vieira, antiga Lagoa, em novenas intermináveis onde,
depois de passarmos pelo Centro do Brejo e largo da Matriz, seguíamos em
direção ao morro da Caixa D’agua onde depositávamos aquelas garrafas contendo o
mais precioso líquido juntamente com as nossas esperanças de que a entidade
responsável pela torneira que faz chover nos atenderia. Quanto mais o Homem lá
de cima aquecia o seu maçarico mais nós rezávamos aqui em baixo. Tempos
difíceis àqueles onde o sol não dava tréguas ardendo sem dó e piedade no lombo
do caboclo.
Graciliano Ramos dizia que as
secas se diferem uma da outra apenas pela sua duração por que todas as secas são
iguais por afetar diretamente o que o sertanejo tem de mais sagrado: a roça, o
sustento e a dignidade.
A seca que estamos vivendo nos dias atuais em Minas e em São Paulo além
de ser uma das mais longas em quase 80 anos é sem duvida alguma a mais grave e
prejudicial por que afeta todos os setores da economia, impactando,
invariavelmente, na conta de todos que além de ter de conviver com a falta
d’agua para suprir necessidades básicas de sobrevivência terá de arcar com os
aumentos escorchantes dos produtos que certamente irão reduzir o feijão na mesa
do pobre e a água que o rico esbanjava lavando seus carrões. Foi-se o tempo em
que as secas as quais se referia Graciliano castigava só o sertanejo. Naquela
época o homem nascia, vivia e morria no campo onde produzia safras que consumia
e vendia o seu excedente aos pequenos e grandes centros urbanos. Hoje não. Com
o êxodo rural que aos poucos foi tirando o homem do campo devido á absoluta
falta de oportunidades de lá seguir produzindo, empurrou-o para a cidade com a
cabeça cheia de esperança de dias melhores que na maioria das vezes não passa
de uma vã ilusão ou utopia, pois as barreiras com as quais o sertanejo que não
foi preparado para viver na cidade terá de enfrentar superarão, e muito, as que
dificuldades que ele, outrora, galhardamente driblava no cultivo da terra seca.
Não entrarei no mérito da crise do desabastecimento de água de São Paulo
ou do nível do Cantareira. Vivo em São Paulo, mas sequer sei onde fica essa
joça. Isso, no entanto pouco importa. O que importa é que independente da
gravidade destas estiagens faltou gestão e sobrou incompetência do Governo.
Faltou consciência e sobrou desperdício do povo. Mas, nem mesmo isso me
interessa já que não escrevo sobre São Paulo.
Voltando para o meu Brejo das Almas, vejo o esforço hercúleo que as
autoridades estão fazendo para amenizar o impacto desta terrível seca na vida
de seus cidadãos munícipes. Os rios principais que banham a cidade de Francisco
Sá estão minguando. Queira Deus não desapareçam completamente. Córregos que
antes corriam o ano todo agora estão secos. Há partes que sequer se consegue acreditar
ter existido água algum dia. Lagoas e Brejos que dão nome ao meu rincão querido
se esturricaram há muitíssimo tempo.
Materialmente diríamos que a situação é desesperadora e que beira a
calamidade não fosse à fé que ainda temos na Providencia Divina. Quando as
ações humanas não tem muito que fazer, ou avançar, a alternativa mais sensata
que se tem além de seguir lutando com todas as forças, é contar com a ajuda de
Deus que a ninguém despreza e no final acaba sempre fazendo o melhor,
contemplando-nos com a graça das sonhadas chuvas. Isso já ocorreu com as
novenas de Maria de Lurdes que narrei em uma de minhas crônicas antigas.
Sejamos perseverantes em nossos melhores propósitos, confiando, primeiro
em Deus e depois naqueles que tem ás mãos os destinos do nosso Brejo das Almas.
Teremos muito em breve água farta. É questão de tempo.
Enquanto isto não acontece, retorno-me, em sonhos, á minha infância
Brejeira e vou solvendo, lentamente, os momentos felizes onde vejo ás enchentes
do rio São Domingos com suas águas barrentas que, qual avalanche, traz em seu
leito, serra abaixo, troncos e toras, peixes e sapos que dispensa,
violentamente, no rio verde grande. Ao norte da minha cidade vejo na elegância
dos seus bancos de areia o rio Gorutuba onde aproveito para descansar. Ainda ao
norte correm piscosos os córregos do carrapato, sitio novo, ribeirão de cana
brava, o córrego do pau preto, do brejão, mamonas, traçadal e do quem-quem. Já
ao sul da “beldade do norte de Minas” onde nasci, observo caudalosos, rio boa
vista, vaca brava, córrego dos patos, rio caititu (olha o capitão Enéas ai,
gente!), o rio da prata e o córrego rico. Vejo ainda no caminho de Salinas a
lagoa da barra. E o que dizer da lagoa das pedras e seus encantos?
Que tristeza que tudo isso não passa de um sonho. Que alegria por a seca
ainda não me ter roubado o dom de sonhar. Quanta decepção ao acordar e
constatar que o meu sonho não é uma realidade. Quão incomensurável é a minha
felicidade em saber que os meus olhos um dia presenciaram tão maravilhosos acontecimentos.
Pena que as minhas retinas de menino não “reteram”
tudo aquilo. Via com naturalidade o infinito na finitude das coisas e tempos e
imaginava que aquelas belezas jamais se acabariam.
Eu era feliz e não sabia!
E tenho dito.
*Enoque Alves Rodrigues nasceu no Brejo das Almas.