sábado, 2 de março de 2013

CENAS BREJEIRAS 7 - MARIANA PERES



CENAS BREJEIRAS 7 – MARIANA PERES 

*Enoque Alves Rodrigues

Ela estava decidida. Não ficaria nem mais um minuto ali. Dificuldades extemporâneas à sua rotina e a atual decepção amorosa a estavam escorraçando de sua linda e querida Lagoinha, pequena comunidade pertencente ao Município de Brejo das Almas ou Francisco Sá, ao norte de Minas Gerais, onde nascera. Nenhuma oportunidade de estudos tivera. Mariana Peres tinha as mãozinhas calejadas pela lide pesada na lavoura de onde tirava o sustento próprio e de sua prole constituída com Juca Peres composta de oito boquinhas nervosas.

Juca, caboclo forte e destemido, pau pra toda obra, sempre pronto a ir à luta em busca de dias melhores agora estava desmotivado e já não se dedicava ao trabalho e a família com a mesma intensidade de antes. Autoestimas pífias aproximavam aquele brejeiro da inércia total. De repente ele que era um batalhador incansável começou a encostar o corpo. Foi em uma de suas muitas idas ao centro de Francisco Sá que aquela mudança inesperada se apoderou dele. Agora, levantava-se de manhã e ao invés de ir para a roça, já com o mato a invadir as plantações, o fazia pelos caminhos dos botecos brejeiros, ou especificamente no humilde, mas sempre badalado “pé na cova” aonde se enturmava com outros desocupados bebuns. Lá ele passava todo o dia lamentando a sina e degustando as “detonam fígado” de então. Ali ele marcava o ponto. Era, por mais incrível que pareça, naquele paraíso ás avessa que ele encontrava o sossego almejado. 

Não adianta buscar no campo da psicologia uma explicação lógica e racional que permita definir com clareza necessária o que se passa na mente humana. Tampouco, nem mesmo Sigmund, conseguiu entender os motivos capazes de arrebatar alguém de uma vida simples e pacata, mas digna e cheia de sonhos e perspectivas, atirando-o ao mais triste e tenebroso atoleiro de dúvidas e incertezas. Ocorre que o nosso cérebro é habitado por vários mundos, sendo quase todos eles impenetráveis. Pois é. Imaginemos então que as ideias de nosso amigo e conterrâneo Juca Peres, de Lagoinha, estavam uma verdadeira quiçaça assim como na quiçaça estavam suas roças que reclamavam sua presença, pois há muito tempo não viam o fio da enxada, nem ouviam o seu tilintar contra as pedras na defesa das viçosas floradas sem as quais vargem alguma vingaria, comprometendo, assim, quaisquer quesitos relacionados à colheita e fartura. Juca havia mergulhado de cabeça na bebida e ociosidade e agora não conseguia sair do marasmo que tornou sua existência. Aliás, na verdade, não saia por que nenhuma força de vontade tinha. Entregou-se inteiramente ao vicio e agora via escapar por entre os dedos eventuais oportunidades que a vida, porventura, lhe havia reservado. Não há, no modesto raciocínio deste escriba, nada que antes tenha sido arquitetado por qualquer plano, impassível aos nossos próprios desejos de mudar ou transformar. A vontade que nos impulsiona a seguir adiante é a mesma que nos leva a mudar aquilo que está à nossa volta, adequando-o ao nosso “modus vivendi”. Mais Juca não queria sair do lamaçal. Fazer o que?

Por conta destes motivos vemos agora Mariana lamentando a sorte que ela não escolheu. Estava, aquele divino ser, entre a cruz e a caldeirinha. Mas ela tinha de fazer alguma coisa. E fez.

Ao retornar certo dia de mais uma bebedeira Juca encontrou a casa vazia. Mariana foi embora com as crianças. Mudou-se para Grão Mogol distante aproximadamente setenta e seis quilômetros do Brejo. Juca até que a procurou durante alguns dias, mas depois desistiu de vez. Ai foi que a coisa entornou mesmo. Juca afundava cada vez mais na bebida pela qual trocou seu Sitio com todas as roças e algumas cabeças de gado. Depois de beber tudo que tinha tornou-se indigente. Morador de rua. Elegeu como seu “point” a escada, de apenas três degraus, da antiga Igreja de São Gonçalo, no centro do Brejo. A todos quantos ali transitavam mendigava uma moeda para, segundo dizia, comprar um pão para matar a fome. 

Compadecido do deplorável estado de Juca, certa ocasião o grande Feliciano Oliveira, cujos pais eram donos de fazendas na região, convidou-o para colaborar com os mesmos nas tarefas diárias da fazenda e em troca receberia um soldo a cada fim de mês.

Quem de longe observasse veria, por certo, o segundo personagem desta verídica história ocorrida no Brejo das Almas no inicio da década de 1960, se esvaindo em lágrimas, procurando, improficuamente, lá no fundo de seu limitado vocabulário palavras de gratidão àquela mão salvadora.  No dia seguinte Juca amanhecia na fazenda dos pais de Feliciano, dedicando-lhes toda a sua longa existência no árduo trabalho não mais voltando ao vicio da bebida. Foi eternamente grato a Feliciano a quem jamais decepcionou.

Enquanto isso, em Grão Mogol, Mariana refazia sua vida. Contraiu novas núpcias e a prole só fez aumentar. Com quarenta anos era mãe de doze filhos. Quase todos, exceto um, Djalma, o mais velho, viviam com ela. Firmino Ferreira, seu atual esposo era um sujeito de posses e não deixava que nada faltasse a Mariana e aos meninos. Mariana estava muito feliz. Pudera, ela não se acomodou. Correu atrás da própria felicidade e agora em idade madura a alcançava. Que bom. Finalmente, depois de vários trancos, a vida agora lhe sorria.

Será?

Residiam na Rua Alfredo Colares no Centro de Grão Mogol. Manhã de uma primavera de pouco verde. Era outubro de 1961. Saudosa de sua Lagoinha, lá estava ela a visitar parentes. De lá se dirigiu ao velho Centro do Brejo das Almas.  Às quinze horas encontramos aqueles delicados pezinhos, antes rachados, a palmilharem as ruas adjacentes empoeiradas. Passou em frente à Igreja Matriz e continuou sua caminhada que, no entanto, foi interrompida abruptamente. Ao chegar diante da Igreja de São Gonçalo, ao fixar seu olhar em algo, na realidade, um farrapo em forma de gente que se encontrava estirado sobre o último degrau do solo sagrado, atônita, não conseguia acreditar no que via. Por alguns instantes permaneceu estática. Teimava em não aceitar o que o destino cruel lhe reservara. Prostrado ali, à beira de um coma alcoólico, no mesmíssimo lugar onde antes, num passado distante, se encontrava o pai Juca, lá estava seu filho mais velho Djalma. Todas as tentativas empreendidas por aquela mãe desesperada resultaram-se infrutíferas, pois desta vez o maldito vicio conseguiu vencer, ceifando, três meses depois, a vida do jovem Djalma.

Carma? Coincidência? Premeditação? Estava escrito? E, nesse caso, como ficaria a irremovível vontade de mudar as coisas da qual falei logo atrás?

Uai, sô, quantas perguntas difíceis de responder! Se nem Sigmund as responderia, por que eu? Por via das dúvidas... Bem, não vou entrar nessa... Prefiro não ter opinião formada a esse respeito... Faço meus os seus pensamentos, comentários e interpretações, mesmo não sabendo quais são... Caititu fora de manada é papo pra onça.

É...

Por vezes, quando não conseguimos identificar de pronto à origem de certas provas que a vida nos impõe, o melhor mesmo é aceita-las, sem questionamentos.

Um forte abraço, brejeiros. Até mês que vem! 

E tenho dito!

*O autor nasceu em Francisco Sá, Brejo das Almas, MG.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

CENAS BREJEIRAS 6 – ANA LUCÍLIA DO TABUAL



CENAS BREJEIRAS 6 – ANA LUCÍLIA DO TABUAL

*Enoque Alves Rodrigues

Ana Lucília. Era esse o nome de minha primeira professora no curso primário lá no povoado de São Geraldo.

Ela era natural de Tabual, lugarejo pertencente ao Município de Brejo das Almas ou Francisco Sá, ao norte de Minas Gerais. Filha de Joaquim Silva e de dona Maria Garcia, foi designada pela Prefeitura do Brejo para lecionar na pequena São Geraldo, cuja escola tinha minha mãe como diretora.

Uma vez em São Geraldo, Ana Lucília, ficava hospedada em casa de dona Dazinha, também professora, esposa de seu Lau, açougueiro.

De 1959 a 1960 Ana Lucília foi minha professora e por que não dizer também, a diva que povoava o meu ilimitado mundo de fantasias, fomentando-o com sonhos bons mais irrealizáveis. “Sweet memories.”. 

Naquele tempo de saudosa lembrança, Ana Lucília não possuía mais que 17 anos. No entanto, inobstante tratar-se apenas de uma adolescente, todos nós em sinal de respeito e reverência natural para caracterizar a posição hierárquica que ela mantinha sobre nós, seus pupilos, a tratávamos por “dona”, numa época abençoada onde o professor era tido como um segundo pai ou uma segunda mãe, pois os cupins do desequilíbrio, indisciplina e desamor ainda não haviam corroído as bases sólidas da sagrada família como ocorre nos dias atuais, quando não mais se mantém o menor respeito por aqueles que nos ensinam as primeiras letras assim como os primeiros passos pelos caminhos da vida.

Em meus tempos de infante escolar, que não foram, de forma alguma, os tempos da palmatória, a única referência á travessura cometida por um aluno na sala de aula era surrealista, pois servia apenas como elemento figurativo para ilustrar uma das estrofes da música, a meu ver, de péssimo gosto, “capeta em forma de guri,”, cantada pelos Incríveis. Bem, para cantar aquilo, tinham que ser mesmo “incríveis”: “crescendo o menino, pra escola entrou, de cara feia logo a professora olhou”. No meio da aula, num teco fatal, mandou um coleguinha logo pro Hospital... Conheci um capeta em forma de guri...”. Lembram-se?

Antes de sentarmos para fazermos as nossas lições, guiados pelas suaves mãos da pequena grande mestra, tínhamos de rezar o Pai Nosso e cantar o hino nacional, assim como também fazíamos em nossa saída. Éramos orientados a sermos solidários e a tratarmos uns aos outros com respeito e cordialidade. Recebíamos ali, entremeados com o bê-á-bá e tabuada, noções de religião, amor a Deus, ao nosso semelhante e à Pátria, embasamentos singelos, mas fundamentais que nos preparavam para sermos bons cidadãos no futuro. A minha primeira escola só tinha uma porta que era a mesma de entrada e saída. Não tinha carteira ou banco escolar que eram improvisados, mas, sem quaisquer jactâncias, seria até covardia de minha parte comparar o aprendizado que recebi ali com o de outras escolas que frequentei mundo á fora. Frondosas em seus interiores e frontispícios e imponentes em seus currículos, mas nenhuma tão rica e pródiga em ensinamentos como foi minha primeira escolinha. Pois é.

E o que vemos hoje? Vamos analisar?

Lares desestruturados com pais truculentos, xucros e negligentes que brindam seus filhos, desajustados desde o nascimento, com péssimos e abomináveis exemplos. No bojo paternalista de um genérico de governo quinto-mundista veio ás creches e várias ações sociais que, dado ao baixo nível sociocultural do Brasileiro, tornaram-se fomentadoras da preguiça e paternidade irresponsável. É muito fácil e gostoso fazer filhos para o estado, ou seja, para nós, contribuintes responsáveis criarmos. Eles deixam, na maioria das vezes, toda a educação infantil, inclusive aquela da qual eles, os pais, não deveriam jamais se abdicar por lhes serem atribuições intransferíveis por dever constitucional, por conta dos professores que no final, ainda são cobrados pelos pais inescrupulosos e insolentes, quando algo não sai muito bem para o seu capetinha.  O termo “não sair muito bem” aqui utilizado significa dizer, quando os professores em pleno exercício de suas prerrogativas na cruel arte de ensinar, acabam por contrariar as vontades do capetinha birrento, entojado e mal criado. Há casos extremos aqui em São Paulo que certamente não se diferem das demais regiões Brasileiras, aonde alunos, capetinhas e capetões, chegam mesmo a agredir fisicamente seus professores sob o beneplácito dos pais bundões, e de um risível código penal bichado, ultrapassado desde o seu nascedouro em 1940, desprovido de efeitos reais coercitivos que beiram o ridículo e que nenhuma autoridade exerce sobre eles. É o fim do mundo. Definitivamente eu não seria um bom professor.  Talvez seja por isso que Deus não me deu esse dom apesar de vir de família onde todos exercem com muita honra, orgulho, galhardia e dignidade esta nobre arte.

Vamos sair dessa zona de turbulência que muito me aborrece e voltemos á docilidade de dona Ana Lucília, de Tabual, personagem de minha crônica deste mês.

Geralmente, conforme deixei entender nas entrelinhas, naquela idade todos nós, garotos, estaríamos preocupados em identificar outro atributo: a beleza física, por exemplo. Dona Ana Lucília era demasiado linda, é verdade, mais a pujança de sua beleza intelectual conseguia sobrepor á lindeza material e isso nos prendia a todos. Quando abria a boca para falar, nossas atenções eram, imediatamente, arrebatadas para a sua graciosa e eloquente didática. Educada, paciente, cordial, enérgica, sorridente, determinada e assertiva. Eram predicados inerentes àquele divino ser, deusa de rara sabedoria e beleza.

 Antes de chegarem às férias escolares daquele fim de ano, todos nós, seus pequeninos alunos fomos tomados por sensações cujas causas desconhecíamos. Flutuávamos entre o bom e o ruim. Nos intervalos recreativos conversávamos entre nós ansiosos por encontrar no outro a explicação que aguçava nossas curiosidades rumo ao desconhecido. Por mais que tentássemos, não conseguíamos imaginar o que estaria por acontecer. A merenda à base de triguilha (trigo in natura) com leite em pó parecia-nos insossa. As palavras doces de dona Ana Lucília, também pareciam não serem mais as mesmas. Soavam agora meio que sem sentido. Criança é assim. Um oásis de curiosidade, mas nenhuma criança foi feita para conviver com curiosidade. Nós não éramos diferentes. Algo estava por acontecer, disso tínhamos certeza. Uai, o que seria?.

Duas semanas antes das esperadas férias, a noticia começou a correr trazida que foi por dona Dazinha de seu Lau: dona Ana Lucília, a linda e inteligente professorinha não mais continuaria conosco no próximo ano. O seu saber e todas as suas demais virtudes intelectuais haviam atravessado as fronteiras limitadas da querida São Geraldo. Agora, o prefeitão do Brejo julgava importante designa-la para ir cuidar de outras mentes em formação preparando-as para o porvir. Por certo ele entendeu que nós lá em São Geraldo já havíamos atingido o estágio necessário aos desafios que a vida nos traria. Ela foi promovida e depois transferida para Porteirinha, a pedido do prefeitão de lá, de onde jamais tivemos noticias. Nos primeiros dias do seguinte ano letivo nos sentíamos meio que órfãos, mas depois “o furacão” do saber e ensinar de nome dona Florisbela Martins, (a quem dedico á flor animada que cintila e enfeita o introito desta minha crônica), obedecendo como a um cão de guarda, aos comandos da dona Nazir, preencheu, imediatamente, a altura, os espaços deixados por dona Ana Lucília. Dali é possível que não tenha saído nenhum grande vulto exponencial que pudesse revolucionar o podre mundo da politica, das belas artes ou do saber, ou quiçá, com alguma notoriedade relevante em outros patamares da vida. Mas de uma coisa estejam certos e convictos: De lá saíram cidadãos íntegros e cônscios de seus direitos e deveres sociais e acima de tudo, exemplares pais de família que sabem que a verdadeira educação e disciplina começam em casa e que a escola, com seus professores mal remunerados por um Governo hipócrita, inepto e capenga, preocupado apenas com suas avaliações pífias e tendenciosas, salas de aulas sucateadas e imundas, caindo aos pedaços, milagrosamente apenas as complementam.

Ou eu estou errado.

Desculpe-me, dona Ana Lucília, onde quer que a senhora esteja. Mas, neste finalzinho de minha crônica não me foi possível segurar a onda. Sóbrio, comedido e educadamente, claro, pois foi assim que minha santa mãezinha, a senhora e o mundo me ensinaram.

É...

Por vezes, necessário se faz cutucar o gigante que dorme deitado eternamente em berço esplêndido para ver se ele acorda para cuspir, uai.

E tenho dito!

*O autor nasceu em Brejo das Almas, Francisco Sá, MG.

domingo, 6 de janeiro de 2013

BREJO DAS ALMAS - 75 ANOS SEM JACINTO



BREJO DAS ALMAS - 75 ANOS SEM JACINTO

*Enoque Alves Rodrigues

Brejo das Almas, 17h30m do dia 8 de Janeiro de 1938. Com quase 67 anos, falecia, depois de padecer por doze anos do mal de Parkinson, no Brejo das Almas, ou Francisco Sá, distante 480 quilômetros da Capital Belo Horizonte, ao norte de Minas Gerais, Jacinto Alves da Silveira. Portanto, brejeiros, hoje, terça-feira, oito de Janeiro de 2013, o nosso Brejo completa 75 anos sem o seu fundador, ou principal responsável por sua emancipação politico-administrativa.

A Parkinson é idiopática, ou seja, é uma enfermidade primária de causa obscura. Há deterioração e morte celular dos neurônios produtores de dopamina. É, por isso, uma doença degenerativa do sistema nervoso central, com início geralmente após os 50 anos de idade. É uma das patologias neurológicas mais frequentes visto que sua prevalência situa-se entre 80 e 160 casos por cem mil habitantes, acometendo, aproximadamente, 1% dos indivíduos acima de 65 anos de idade. Apesar do muito que já se pesquisaram, decorridos quase duzentos anos do descobrimento desta gravíssima doença por James Parkinson, pouco ou quase nada se sabe sobre suas causas.

O fato é que, deve-se a ela, todas as consequências de doze anos de sofrimentos que vitimaram o grande e insubstituível benfeitor de nossa Cidade. Tudo começou quando ainda vereador em Montes Claros, no momento em que lutava pela aprovação de mais um projeto que beneficiaria o Brejo. Ali ele sentiu as primeiras dores no dedo indicador da mão direita, que insistia em não obedecer aos seus comandos. Seu colega de partido, Antônio Ferreira de Oliveira, o Niquinho “Açúcar”, ou Farmacêutico, é quem conta com todos os detalhes, o inicio desse duradouro tormento, que, como já mencionei, doze anos depois ceifaria a vida do nosso mais ilustre Brejeiro.

Jacinto Alves da Silveira foi, até hoje, o único capaz de reunir todos os predicados que habilitam qualquer individuo a afirmar ter vivido a vida em toda a sua plenitude na prática do bem. Descendente de famílias de Ouro Preto, assim como os Pena, Oliveira, Dias, Xavier, entre outras, esta última pertencente à genealogia do grande Mártir da Inconfidência, o Tiradentes, Jacinto, um dos muitos filhos do velho Fazendeiro José Alves da Silveira, nasceu no Brejo, lá pelos idos de 1871, quando o Brejo sequer sonhava em ter as feições de hoje. Ao contrário, assemelhava-se, muito mais, ao longínquo dois de novembro de 1704, quando não passava de uma vasta mata às margens dos rios Verde Grande, São Domingos e Gorutuba, onde Antonio Gonçalves Figueira, dono de várias fazendas na região, fincou pela primeira vez, ao lado da Lagoa das Pedras, o imenso cruzeiro que marcaria para sempre, no tempo e no espaço, o inicio de uma nova era, de uma promissora civilização e de uma progressista Cidade, como o próprio Bandeirante profetizara. Jacinto, ao contrário de seus outros irmãos que eram todos Fazendeiros, desde a infância, apesar de rústico, já se revelava muito inteligente, quando lia, escrevia e realizava cálculos difíceis até mesmo para quem tinha a mais elevada cultura. Era, desde aqueles tempos, um iluminado, na mais clara e límpida definição do termo.

Bonito, com 1,80 de altura, bigodes aparados e bem fornidos, cabelos cortados à escovinha, trajando-se sempre de brim cáqui, o belo jovem Jacinto Silveira juntamente com outros peões, percorria, no lombo do cavalo, por estradas de chão batido a longa distância de 270 quilômetros conduzindo grandes manadas de gados de corte que eram vendidas na cidade de Curralinho, hoje, Corinto, situada ao norte de Minas Gerais. Com 24 anos conheceu e casou-se com a normalista Maria Luiza de Araújo, na velha Matriz de Montes Claros, no dia 16 de Novembro de 1895. Maria Luiza foi durante toda a vida, sua fiel e inseparável companheira, a qual foi responsável pela condução dos destinos do povo brejeiro no campo da educação e cultura, enquanto Jacinto preparava esse mesmo povo na política e principalmente para a emancipação administrativa do Brejo, que ocorreria em 1923/24. Foi o primeiro presidente da primeira legislatura municipal brejeira, 1924/1930, que era composta pelos seguintes vereadores: Padre Augusto Prudêncio da Silva, Francisco Fernandes de Oliveira, José Dias Pereira Zeca, João de Deus Dias de Farias e Rogério da Costa Negro, este último, um grande comerciante do ramo de tecidos.

Lutador incansável pelos direitos de seu povo, íntegro, transparente, correto em todas as suas atitudes, honesto até a medula, numa época em que a mosca varejeira sequer sonhava sobrevoar o mundo da política, Jacinto Silveira conduzia os destinos do povo Brejeiro pelos caminhos da retidão e do porvir, assim como Moisés do Egito conduzia seu povo rumo à Terra Prometida. Jamais perdeu uma só eleição. O Brejeiro daqueles tempos sabia reconhecer os valores inalienáveis daquele homem e o tinha como a um verdadeiro Líder. E como tal se comportava: respeitador e cerimonioso, de falar pausado, olhava sempre nos olhos do interlocutor e não o interrompia quando o outro se pronunciava. Firme e assertivo, sempre expressou o seu pensamento. Nunca se utilizou de meias palavras. Era homem de posições claras e definidas. Benevolente e despojado, servia a todos com amor sem pedir nada em troca. Disciplinado, sabia ser enérgico sem ser jactante. Muitos foram os Governadores de Estado que utilizaram o prestigio de Jacinto. A palavra dele era uma ordem e nela todo e qualquer Brejeiro acreditava cegamente por que Jacinto nunca deixou de cumpri-la.

Rico, dono de várias fazendas de gado e cultivo, casas comerciais e muitas outras fontes de renda, Jacinto Alves da Silveira, homem que durante toda a existência sempre teve a casa cheia de amigos e correligionários, que sem nenhum apego às coisas materiais, ajudava, com recursos pessoais a todos, brejeiros ou não; bancava, do próprio bolso, inúmeros candidatos em campanhas eleitorais caríssimas. Depois de ter custeado a emancipação do Brejo das Almas, tendo inclusive doado prédios de sua propriedade para comporem a Sede Administrativa e o conjunto arquitetônico do Município, condição esta indispensável a sua homologação, já no final da vida, corroído pela enfermidade degenerativa, ainda era obrigado a arrastar-se de sua casa até a Prefeitura, onde dava expedientes, deixando-nos o belo exemplo de que é no trabalho que nos realizamos e enobrecemos. Morreu, no entanto, pobre, mas digno e praticamente só, tendo a seu lado apenas os familiares.

Não é sem motivo que um de seus filhos, o também Coronel Geraldo Tito Silveira, assim se expressa em um de seus lindos libelos, referindo-se as indiferenças das quais fora vitima o pai: “Nos áureos tempos de sua vida abastada, quando ele plantava as sementes de uma pequena fortuna, depois esbanjada nos ardores da política, feita somente para o bem-estar de outrem, sua casa solarenga vivia repleta de “amigos”. Até então, não se via pela estrada real, que ia dar à Bahia, uma só pousada ou hospedaria, de modo que os forasteiros que por ali passavam procuravam a casa do Coronel Jacinto, onde recebiam todo o conforto, gratuitamente. Muitas dessas pessoas eram acometidas de terríveis pestes inclusive febre brava!”.

E arremata o grande escritor do Norte de Minas, Geraldo Tito Silveira, agora lamentando mais uma grande injustiça com a qual brindaram o pai. Aliás, muito já falei sobre tal injustiça que espero um dia, quiçá nessa atual encarnação ver corrigida: “Como corolário da ingratidão dos homens, mudaram o nome de Brejo das Almas, não para perpetuar o nome de Jacinto Silveira, na terra que engrandecera, mas para honrar o nome de outro Brasileiro, Ilustre, é verdade, mas que nada fizera por ela.”. Refere-se ao Doutor Francisco Sá, (1862-1936), nascido na fazenda Brejo de Santo André, que naqueles tempos pertencia ao Município de Grão Mogol e que foi Ministro da Viação e levou a Estrada de Ferro Central do Brasil até Montes Claros, que muito lhe deve.

Não sei, até porque de há muito não vivo mais no Brejo e não participo de seu dia-a-dia, se a Sociedade Brejalmina ou Brejalmense, movida por nobres sentimentos de gratidão, ou, quiçá, políticos locais, se lembrarão de promover neste dia 8 de Janeiro, alguma cerimônia, por mais simples que seja, ainda que um singelo minuto de silêncio, àquele que foi, é e será, o primeiro e mais importante Brejeiro. O maior de todos, porque deu tudo de si, até a própria vida, para que o Brejo das Almas ou Francisco Sá figurasse no mapa de Minas e do Brasil, como o Município importante e promissor que é.

Depois de permanecer longo tempo na erraticidade, acha-se, atualmente, no meio de nós. Não dentro da política que, convenhamos, mudou muito, e para pior. Servidor nato e dedicado que jamais fugiu à luta, não obstante toda a ingratidão que recebeu, acreditem céticos de plantão: Se hoje se realizassem uma “chamada oral” convocando homens de bem a colaborarem com qualquer causa que tivesse por objetivo o bem comum, a justiça social, a luta contra as desigualdades dos menos favorecidos, alguém, digno, decente, probo e humano em quem, todos nós pudéssemos nos espelhar, ao bradarem o nome “Jacinto Alves da Silveira!” Com toda certeza ouviríamos, prontamente, em algum lugar do Brasil, a voz firme, forte e determinada do Coronel e grande Líder: “Presente... Eis-me aqui!”.

E tenho dito

*O autor nasceu em Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.


ALGUNS FRAGMENTOS ALUSIVOS A JACINTO SILVEIRA – CRÔNICAS DE 2012.

*Enoque Alves Rodrigues
 1.
      
“Que Jacinto Luz era sogro de José Alves da Silveira, grandes fazendeiros no Brejo das Almas de antigamente, sendo este último pai de Jacinto Alves da Silveira, principal responsável pela fundação e emancipação do Brejo das Almas, hoje Francisco Sá?...”.
2    2.
“Naquele tempo, Jacinto que era seu compadre, dava expediente na Prefeitura”. A farmácia de França ficava exatamente no trajeto, que Jacinto fazia três vezes ao dia, pois almoçava em casa. Numa dessas passagens, França, desesperado, chamou-o:
- Compadre!
- Pois não. Respondeu-lhe o Coronel Jacinto, sempre educado, cordial e solícito.
- Já não sei mais o que fazer compadre. Não posso mais aceitar porco, galinha e mantimentos como forma de pagamento. Os meus cercados estão cheios. Se eu continuar assim vou quebrar. Mas também não posso deixar o povo sem remédio. O senhor precisa me ajudar!
Jacinto, homem prático, de raciocínio rápido, desses que em fração de segundos cria, amadurece e executa uma ideia, ali mesmo, sobre o balcão da farmácia, pegou sua pena e num papel timbrado escreveu em letras garrafais: “Com o único objetivo de zelar e preservar a valiosa saúde do povo brejeiro, com o intuito exclusivo de evitar propagação de doenças e pestes eventuais, inerentes ás espécies suínas e ovinas, porcos e penosas, proíbo, a partir de hoje, qualquer forma de pagamento de remédios mediante tais modalidades”.
Depois de assinar, entregou o papel para França com a recomendação: “Aqui está compadre, a solução para o seu problema. Pegue isso e cole na frente da farmácia. Quando alguém chegar com porcos e galinhas, basta o senhor mostrar o cartaz. Como a maioria não sabe ler, diga que o papel lhe proíbe de vender remédios para receber de outra forma que não seja em dinheiro vivo...”.
3.
“Quantos, porventura, de nossos conterrâneos saberiam definir o quanto representou o nome gravado naquela velha placa para o Brejo das Almas? O certo é que o Padre Augusto Prudêncio da Silva, sobre o qual muito já escrevi neste mesmo espaço foi, juntamente com Jacinto Silveira, um dos maiores beneméritos do antigo Brejo das Almas...”.
4.
“Alto, magro e esguio”. Vestido do mais puro brim, cáqui, calçado com botas de couro, canos longos, com chapéu panamá à cabeça, olhar tranquilo e falar manso. Sentado estava no solar de seu casarão de onde observava todo o Brejo das Almas, reduzido, naquele tempo, a um pequeno amontoado de casas. Ao avistar Marcolino, elegantemente se expressou:
- Bom dia, meu amigo. Como vai o senhor? Porventura, há algo que eu possa fazer para lhe ajudar?
- Sabe o que é coronel! Eu vim aqui para lhe vender o meu voto. Quanto é que Mercê está pagando?
- Vender, o que, meu filho? Por favor, seja mais especifico. Não lhe entendi!
- Então, coronel, o senhor sabe que todo eleitor aqui vende o voto e que aqui no Brejo qualquer candidato só se elege se comprar votos, já que não tem voto de cabresto para todo o mundo.
Aquele candidato olhou para Marcolino com piedade. Após fitar-lhe de alto a baixo, respondeu-lhe educadamente.
- Creio que o amigo esteja enganado. O voto deve ser dado e não vendido.  Voto não tem preço, voto tem consequência. Aliás, você nem precisa conhecer a pessoa para votar nela. O que você tem que conhecer é o seu plano de governo. Não faça de seu voto moeda de troca senão os candidatos vão fazer de você massa de manobra e posso lhe garantir que esta ciranda perversa não é benéfica nem para você tampouco para à Democracia que todos nós um dia almejamos. Não vote, jamais, em quem se propõe a comprar o seu voto. “Ele não o merece...”.
Democracia? De que diabos aquele coronel visionário estava falando em plena década de 1920 quando a maioria das questiúnculas era resolvida à bala ou sorrateiramente?
Impossível seria mesmo entender, quanto mais explicar, não fosse aquele candidato o Coronel Jacinto Alves da Silveira que, segundo os anais da história, jamais perdeu uma eleição das muitas que disputou.
5.
“E o nosso fundador, Seu Jacinto. Você já leu alguma coisa sobre ele?...”.
6.
Certa vez se encontravam na casa do Padre Augusto, no Brejo das Almas, o Dr. Honorato Alves, Camilo Prates, Alfredo Sá, Jacinto Silveira, Antonio Ferreira, Francelino Dias...
7.
Depois de longos minutos neste diapasão coube a Jacinto intervir.
- Compadres, por favor, parem com isso! Os senhores ainda não perceberam que este Lucas dos Infernos está tirando sarro de todos nós? O que ele lhes manda fazer, jamais conseguirão. Ninguém é capaz de fazer isso. Foi bem mais fácil para mim, apesar de sabermos o quanto me foi difícil, (o Coronel Jacinto, como bom Mineiro, de quando em vez também se dava ao luxo de colocar em prática o seu Mineirismo), emancipar o Brejo das Almas. Este negro não quer contar história coisíssima nenhuma!

8.
“Até mesmo o Coronel Jacinto Silveira, meio sisudo, por natureza, recebia com sorrisos os seus gracejos...”.
9.
“Assim sendo, personagens, cuja vida detalhei em suas minucias como, por exemplo, o Padre Augusto Prudêncio da Silva, Jacinto Alves da Silveira, Geraldo Tito, Feliciano Oliveira, entre outros, não serão abordados...”
10.
“Aqui estamos diante do túmulo do ilustre Brasileiro e acima de tudo, Brejeiro, Jacinto Alves da Silveira, que por toda a sua vida...”.
11.
“Ainda solteiro, Jacinto conduzia grandes boiadas que eram vendidas em Curralinho, hoje, Corinto...”.
12.
“Dos muitos filhos do velho Zé Alves jacinto foi o único a inclinar para o campo do intelecto e, menino ainda, já dominava o alfabeto e tabuada...”.
13.
“Ali foi celebrado o enlace matrimonial de Jacinto Alves da Silveira com Maria Luiza de Araujo, que...”.
14.
“Não obstante ter sacrificado a própria vida pelo Brejo das Almas, Jacinto Silveira pouca ou quase nenhuma homenagem recebeu em vida...”.
15.
“A esposa de Jacinto Silveira, dona Maria Luiza, tinha uma cultura refinadíssima e muito além de seu tempo. ela foi a primeira normalista do Brejo das Almas...”.
16.
“Mantendo as mesmas tradições de injustiças com que regalaram o marido Jacinto, Maria Luiza, mesmo tendo sido a primeira Normalista do Brejo, não teve a primeira Escola do lugar nominada em sua homenagem...”.
17.
“Nem mesmo na concessão do Cartório do Brejo se dignaram a destina-lo a esposa de Jacinto, agregando-o a outra família, também merecedora, claro, mas sua tradição e amor ao Brejo sequer se aproximavam da tradição dos Silveira...”.

*O autor nasceu em Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.