BREJO DAS
ALMAS - 76 ANOS SEM JACINTO
*Enoque
Alves Rodrigues
Brejo das
Almas, 17h30m do dia 8 de Janeiro de 1938. Com quase 67 anos, falecia, depois
de padecer por doze anos do mal de Parkinson, no Brejo das Almas, ou Francisco
Sá, distante 480 quilômetros da Capital Belo Horizonte, ao norte de Minas
Gerais, Jacinto Alves da Silveira. Portanto, brejeiros, amanhã, quarta-feira,
oito de Janeiro de 2014, o nosso Brejo completa 76 anos sem o seu fundador, ou
principal responsável por sua emancipação politico-administrativa.
A
Parkinson é idiopática, ou seja, é uma enfermidade primária de causa
obscura. Há deterioração e morte celular dos neurônios
produtores de dopamina. É, por isso, uma doença degenerativa do sistema nervoso central, com início geralmente após os 50 anos
de idade. É uma das patologias neurológicas mais frequentes visto que sua
prevalência situa-se entre 80 e 160 casos por cem mil habitantes, acometendo,
aproximadamente, 1% dos indivíduos acima de 65 anos de idade. Apesar do muito
que já se pesquisaram, decorridos quase duzentos anos do descobrimento desta
gravíssima doença por James Parkinson, pouco ou quase nada se sabe sobre suas
causas.
O fato é
que, deve-se a ela, todas as consequências de doze anos de sofrimentos que
vitimaram o grande e insubstituível benfeitor de nossa Cidade. Tudo começou
quando ainda vereador em Montes Claros, no momento em que lutava pela aprovação
de mais um projeto que beneficiaria o Brejo. Ali ele sentiu as primeiras dores
no dedo indicador da mão direita, que insistia em não obedecer aos seus
comandos. Seu colega de partido, Antônio Ferreira de Oliveira, o Niquinho
“Açúcar”, ou Farmacêutico, é quem conta com todos os detalhes, o inicio desse duradouro
tormento, que, como já mencionei, doze anos depois ceifaria a vida do nosso
mais ilustre Brejeiro.
Jacinto
Alves da Silveira foi, até hoje, o único capaz de reunir todos os predicados
que habilitam qualquer individuo a afirmar ter vivido a vida em toda a sua
plenitude na prática do bem. Descendente de famílias de Ouro Preto, assim como
os Pena, Oliveira, Dias, Xavier, entre outras, esta última pertencente à
genealogia do grande Mártir da Inconfidência, o Tiradentes, Jacinto, um dos
muitos filhos do velho Fazendeiro José Alves da Silveira, nasceu no Brejo, lá
pelos idos de 1871, quando o Brejo sequer sonhava em ter as feições de hoje. Ao
contrário, assemelhava-se, muito mais, ao longínquo dois de novembro de 1704,
quando não passava de uma vasta mata às margens dos rios Verde Grande, São
Domingos e Gorutuba, onde Antônio Gonçalves Figueira, dono de várias fazendas
na região, fincou pela primeira vez, ao lado da Lagoa das Pedras, o imenso
cruzeiro que marcaria para sempre, no tempo e no espaço, o inicio de uma nova
era, de uma promissora civilização e de uma progressista Cidade, como o próprio
Bandeirante profetizara. Jacinto, ao contrário de seus outros irmãos que eram
todos Fazendeiros, desde a infância, apesar de rústico, já se revelava muito
inteligente, quando lia, escrevia e realizava cálculos difíceis até mesmo para
quem tinha a mais elevada cultura. Era, desde aqueles tempos, um iluminado, na
mais clara e límpida definição do termo.
Bonito,
com 1,80 de altura, bigodes aparados e bem fornidos, cabelos cortados à
escovinha, trajando-se sempre de brim-cáqui, o belo jovem Jacinto Silveira
juntamente com outros peões, percorria, no lombo do cavalo, por estradas de
chão batido a longa distância de 270 quilômetros conduzindo grandes manadas de
gados de corte que eram vendidas na cidade de Curralinho, hoje, Corinto,
situada ao norte de Minas Gerais. Com 24 anos conheceu e casou-se com a
normalista Maria Luiza de Araújo, na velha Matriz de Montes Claros, no dia 16
de Novembro de 1895. Maria Luiza foi durante toda a vida, sua fiel e
inseparável companheira, a qual foi responsável pela condução dos destinos do
povo brejeiro no campo da educação e cultura, enquanto Jacinto preparava esse
mesmo povo na política e principalmente para a emancipação administrativa do
Brejo, que ocorreria em 1923/24. Foi o primeiro presidente da primeira
legislatura municipal brejeira, 1924/1930, que era composta pelos seguintes
vereadores: Padre Augusto Prudêncio da Silva, Francisco Fernandes de Oliveira,
José Dias Pereira Zeca, João de Deus Dias de Farias e Rogério da Costa Negro,
este último, um grande comerciante do ramo de tecidos.
Lutador
incansável pelos direitos de seu povo, íntegro, transparente, correto em todas
as suas atitudes, honesto até a medula, numa época em que a mosca varejeira
sequer sonhava sobrevoar o mundo da política, Jacinto Silveira conduzia os
destinos do povo Brejeiro pelos caminhos da retidão e do porvir, assim como
Moisés do Egito conduzia seu povo rumo à Terra Prometida. Jamais perdeu uma só
eleição. O Brejeiro daqueles tempos sabia reconhecer os valores inalienáveis
daquele homem e o tinha como a um verdadeiro Líder. E como tal se comportava:
respeitador e cerimonioso, de falar pausado, olhava sempre nos olhos do
interlocutor e não o interrompia quando o outro se pronunciava. Firme e
assertivo, sempre expressou o seu pensamento. Nunca se utilizou de meias
palavras. Era homem de posições claras e definidas. Benevolente e despojado,
servia a todos com amor sem pedir nada em troca. Disciplinado, sabia ser
enérgico sem ser jactante. Muitos foram os Governadores de Estado que
utilizaram o prestigio de Jacinto. A palavra dele era uma ordem e nela todo e
qualquer Brejeiro acreditava cegamente por que Jacinto nunca deixou de
cumpri-la.
Rico,
dono de várias fazendas de gado e cultivo, casas comerciais e muitas outras
fontes de renda, Jacinto Alves da Silveira, homem que durante toda a
existência sempre teve a casa cheia de amigos e correligionários, que sem
nenhum apego às coisas materiais, ajudava, com recursos pessoais a todos,
brejeiros ou não; bancava, do próprio bolso, inúmeros candidatos em campanhas
eleitorais caríssimas. Depois de ter custeado a emancipação do Brejo das Almas,
tendo inclusive doado prédios de sua propriedade para comporem a Sede Administrativa
e o conjunto arquitetônico do Município, condição esta indispensável a sua
homologação, já no final da vida, corroído pela enfermidade degenerativa, ainda
era obrigado a arrastar-se de sua casa até a Prefeitura, onde dava expedientes,
deixando-nos o belo exemplo de que é no trabalho que nos realizamos e
enobrecemos. Morreu, no entanto, pobre, mas digno e praticamente só, tendo a
seu lado apenas os familiares.
Não é sem
motivo que um de seus filhos, o também Coronel Geraldo Tito Silveira, assim se expressa
em um de seus lindos libelos, referindo-se as indiferenças das quais fora
vitima o pai: “Nos áureos tempos de
sua vida abastada, quando ele plantava as sementes de uma pequena fortuna,
depois esbanjada nos ardores da política, feita somente para o bem-estar de
outrem, sua casa solarenga vivia repleta de “amigos”. Até então, não se via
pela estrada real, que ia dar à Bahia, uma só pousada ou hospedaria, de modo
que os forasteiros que por ali passavam procuravam a casa do Coronel Jacinto,
onde recebiam todo o conforto, gratuitamente. Muitas dessas pessoas eram
acometidas de terríveis pestes inclusive febre brava!”.
E arremata o grande escritor do Norte de Minas,
Geraldo Tito Silveira, agora lamentando mais uma grande injustiça com a qual
brindaram o pai. Aliás, muito já falei sobre tal injustiça que espero um dia,
quiçá nessa atual encarnação ver corrigida: “Como corolário da ingratidão dos homens, mudaram o nome de Brejo das
Almas, não para perpetuar o nome de Jacinto Silveira, na terra que
engrandecera, mas para honrar o nome de outro Brasileiro, Ilustre, é verdade,
mas que nada fizera por ela.”. Refere-se ao Doutor Francisco Sá,
(1862-1936), nascido na fazenda Brejo de Santo André, que naqueles tempos
pertencia ao Município de Grão Mogol e que foi Ministro da Viação e levou a
Estrada de Ferro Central do Brasil até Montes Claros, que muito lhe deve.
Não sei,
até porque de há muito não vivo mais no Brejo e não participo de seu dia-a-dia,
se a Sociedade Brejalmina ou Brejalmense, movida por nobres sentimentos de
gratidão, ou, quiçá, políticos locais, se lembrarão de promover neste dia 8 de
Janeiro, alguma cerimônia, por mais simples que seja, ainda que um singelo
minuto de silêncio, àquele que foi, é e será, o primeiro e mais importante
Brejeiro. O maior de todos, porque deu tudo de si, até a própria vida, para que
o Brejo das Almas ou Francisco Sá figurasse no mapa de Minas e do Brasil, como
o Município importante e promissor que é.
Depois de
permanecer longo tempo na erraticidade, acha-se, atualmente, no meio de nós.
Não dentro da política que, convenhamos, mudou muito, e para pior. Servidor
nato e dedicado que jamais fugiu à luta, não obstante toda a ingratidão que
recebeu, acreditem céticos de plantão: Se hoje se realizassem uma “chamada
oral” convocando homens de bem a colaborarem com qualquer causa que tivesse
por objetivo o bem comum, a justiça social, a luta contra as desigualdades dos
menos favorecidos, alguém, digno, decente, probo e humano em quem, todos nós
pudéssemos nos espelhar, ao bradarem o nome “Jacinto Alves da Silveira!” Com
toda certeza ouviríamos, prontamente, em algum lugar do Brasil, a voz firme,
forte e determinada do Coronel e grande Líder: “Presente... Eis-me aqui!”.
E tenho
dito
*O autor
nasceu em Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.
ALGUNS FRAGMENTOS ALUSIVOS A JACINTO SILVEIRA –
CRÔNICAS PUBLICADAS
*Enoque
Alves Rodrigues
“Que
Jacinto Luz era sogro de José Alves da Silveira, grandes fazendeiros no Brejo
das Almas de antigamente, sendo este último pai de Jacinto Alves da Silveira, principal
responsável pela fundação e
emancipação do Brejo das Almas, hoje Francisco Sá?...”.
“Naquele
tempo, Jacinto que era seu compadre, dava expediente na Prefeitura”. A
farmácia de França ficava exatamente no trajeto, que Jacinto fazia três vezes
ao dia, pois almoçava em casa. Numa dessas passagens, França, desesperado,
chamou-o:
-
Compadre!
- Pois
não. Respondeu-lhe o Coronel Jacinto, sempre educado,
cordial e solícito.
- Já não
sei mais o que fazer compadre. Não posso mais aceitar porco, galinha e
mantimentos como forma de pagamento. Os meus cercados estão cheios. Se eu
continuar assim vou quebrar. Mas também não posso deixar o povo sem remédio. O
senhor precisa me ajudar!
Jacinto, homem
prático, de raciocínio rápido, desses que em fração de segundos cria, amadurece
e executa uma ideia, ali mesmo, sobre o balcão da farmácia, pegou sua pena e
num papel timbrado escreveu em letras garrafais: “Com o único objetivo de zelar
e preservar a valiosa saúde do povo brejeiro, com o intuito exclusivo de evitar
propagação de doenças e pestes eventuais, inerentes ás espécies suínas e
ovinas, porcos e penosas, proíbo, a partir de hoje, qualquer forma de pagamento
de remédios mediante tais modalidades”.
Depois de
assinar, entregou o papel para França com a recomendação: “Aqui está compadre,
a solução para o seu problema. Pegue isso e cole na frente da farmácia. Quando
alguém chegar com porcos e galinhas, basta o senhor mostrar o cartaz. Como a
maioria não sabe ler, diga que o papel lhe proíbe de vender remédios para
receber de outra forma que não seja em dinheiro vivo...”.
“Quantos,
porventura, de nossos conterrâneos saberiam definir o quanto representou o nome
gravado naquela velha placa para o Brejo das Almas? O certo é que o Padre
Augusto Prudêncio da Silva, sobre o qual muito já escrevi neste mesmo espaço
foi, juntamente com Jacinto Silveira, um dos maiores beneméritos do antigo Brejo
das Almas...”.
“Alto,
magro e esguio”. Vestido do mais puro brim, cáqui, calçado com botas de couro,
canos longos, com chapéu panamá à cabeça, olhar tranquilo e falar manso.
Sentado estava no solar de seu casarão de onde observava todo o Brejo das
Almas, reduzido, naquele tempo, a um pequeno amontoado de casas. Ao avistar
Marcolino, elegantemente se expressou:
- Bom
dia, meu amigo. Como vai o senhor? Porventura, há algo que eu possa fazer para
lhe ajudar?
- Sabe o
que é coronel! Eu vim aqui para lhe vender o meu voto. Quanto é que Mercê está
pagando?
- Vender,
o que, meu filho? Por favor, seja mais especifico. Não lhe entendi!
- Então,
coronel, o senhor sabe que todo eleitor aqui vende o voto e que aqui no Brejo
qualquer candidato só se elege se comprar votos, já que não tem voto de
cabresto para todo o mundo.
Aquele
candidato olhou para Marcolino com piedade. Após fitar-lhe de alto a baixo,
respondeu-lhe educadamente.
- Creio
que o amigo esteja enganado. O voto deve ser dado e não vendido. Voto não tem preço, voto tem consequência.
Aliás, você nem precisa conhecer a pessoa para votar nela. O que você tem que
conhecer é o seu plano de governo. Não faça de seu voto moeda de troca senão os
candidatos vão fazer de você massa de manobra e posso lhe garantir que esta
ciranda perversa não é benéfica nem para você tampouco para à Democracia que
todos nós um dia almejamos. Não vote, jamais, em quem se propõe a comprar o seu
voto. “Ele não o merece...”.
Democracia?
De que diabos aquele coronel visionário estava falando em plena década de 1920
quando a maioria das questiúnculas era resolvida à bala ou sorrateiramente?
Impossível
seria mesmo entender, quanto mais explicar, não fosse aquele candidato o
Coronel Jacinto Alves da Silveira que, segundo os anais da história,
jamais perdeu uma eleição das muitas que disputou.
“E o
nosso fundador, Seu Jacinto. Você já leu alguma coisa sobre ele?...”.
Certa vez
se encontravam na casa do Padre Augusto, no Brejo das Almas, o Dr. Honorato
Alves, Camilo Prates, Alfredo Sá, Jacinto Silveira, Antonio
Ferreira, Francelino Dias...
Depois de
longos minutos neste diapasão coube a Jacinto intervir.
-
Compadres, por favor, parem com isso! Os senhores ainda não perceberam que este
Lucas dos Infernos está tirando sarro de todos nós? O que ele lhes manda fazer,
jamais conseguirão. Ninguém é capaz de fazer isso. Foi bem mais fácil para mim,
apesar de sabermos o quanto me foi difícil, (o Coronel Jacinto, como bom
Mineiro, de quando em vez também se dava ao luxo de colocar em prática o seu
Mineirismo), emancipar o Brejo das Almas. Este negro não quer contar história
coisíssima nenhuma!
“Até
mesmo o Coronel Jacinto Silveira, meio sisudo, por natureza, recebia
com sorrisos os seus gracejos...”.
“Assim
sendo, personagens, cuja vida detalhei em suas minúcias como, por exemplo, o
Padre Augusto Prudêncio da Silva, Jacinto Alves da Silveira, Geraldo
Tito, Feliciano Oliveira, entre outros, não serão abordados...”
“Aqui
estamos diante do túmulo do ilustre Brasileiro e acima de tudo, Brejeiro, Jacinto
Alves da Silveira, que por toda a sua vida...”.
“Ainda
solteiro, Jacinto conduzia grandes boiadas que eram vendidas em
Curralinho, hoje, Corinto...”.
“Dos
muitos filhos do velho Zé Alves Jacinto foi o único a inclinar para
o campo do intelecto e, menino ainda, já dominava o alfabeto e tabuada...”.
“Ali foi
celebrado o enlace matrimonial de Jacinto Alves da Silveira com Maria
Luiza de Araújo, que...”.
“Não
obstante ter sacrificado a própria vida pelo Brejo das Almas, Jacinto
Silveira pouca ou quase nenhuma homenagem recebeu em vida...”.
“A esposa
de Jacinto
Silveira, dona Maria Luiza, tinha uma cultura refinada e muito
além de seu tempo. ela foi a primeira normalista do Brejo das Almas...”.
“Mantendo
as mesmas tradições de injustiças com que regalaram o marido Jacinto,
Maria Luiza, mesmo tendo sido a primeira Normalista do Brejo, não teve a
primeira Escola do lugar nominada em sua homenagem...”.
“Nem
mesmo na concessão do Cartório do Brejo se dignaram a destina-lo a esposa de Jacinto,
agregando-o a outra família, também merecedora, claro, mas sua tradição e amor
ao Brejo sequer se aproximavam da tradição dos Silveira...”.
*O autor
nasceu em Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.