O BREJO E SUA GENTE V – ANTÔNIO FERREIRA
*Enoque Alves Rodrigues
Quando em
uma bela e ensolarada manhã de Janeiro do ano de 1929, Antônio Ferreira e sua
mulher Cândida Peres juntamente com sua numerosa prole adentraram ás ruas
empoeiradas do Brejo das Almas, provenientes da Cidadezinha dos Montes Claros,
pouquíssimas almas que habitavam o Brejo de outrora sequer imaginavam a
importância que aquele senhor, alto, loiro, de olhos verdes e falar manso teria
á partir dali e durante toda a sua vida, para o cotidiano pacato daquele
diminuto povoado de cuja emancipação (07/09/1923) que demandou feroz e ferrenha
luta, ele próprio havia participado na condição de Vereador ainda em sua cidade.
Ele nasceu em Montes Claros, onde se formou em química farmacêutica, mas estava
desde o seu reencarne predestinado ao Brejo das Almas.
Uma vez no
Brejo, fincou residência no Largo da Matriz, próximo a única farmácia do
lugarejo de propriedade de Francelino Dias, o França, com quem passou a trabalhar
até conseguir montar sua própria farmácia, lá pelos idos de 1930 no mesmo Largo
da Matriz todo desnivelado e esburacado, sem qualquer melhoria. Assim sendo,
quando no ano de 1931, na gestão do prefeito Dr. Paulo Cerqueira Rodrigues
Pereira se iniciaram as obras de nivelamento e empedramento das ruas e do
antigo Largo da Matriz e adjacências, Antônio já se encontrava inteiramente
estabelecido naquele Largo com a sua bem sortida e frequentada farmácia que
progredia vertiginosamente devido ao empenho, conhecimento e popularidade de
seu dono que a transformou na melhor botica de toda a região. O farmacêutico
Antônio naquelas bandas era a salvação para muita gente. Olhava na cara do
caboclo e já sabia qual remédio lhe dar para a cura plena dos males físicos
desde as dores do espinhaço até as dores da alma por que ali Antônio, munido de
inteligência impar no campo do intelecto muitas vezes tinha de “atacar” também
de psicólogo oferecendo sempre uma palavra terna e amiga de encorajamento e
motivação aquela gente sofrida que muitas vezes sequer tinha o que comer em
casa. Independente de o matuto brejeiro ter ou não dinheiro no bolso para
adquirir o remédio, jamais saia de sua farmácia de mãos abanando. Antônio
utilizava muito mais os seus conhecimentos na prática da caridade e filantropia
aos menos favorecidos, que para ganhar dinheiro, mesmo vindo ele próprio de
família simples, de poucos dotes, apesar de ter sustentado sua grande família
com o conforto necessário e com toda dignidade de marido zeloso e pai de
família exemplar.
Compadre do
Coronel Jacinto Silveira, fundador do Brejo das Almas, muito antes de ele,
Antônio, se mudar para o Brejo, pois ainda em Montes Claros, Antônio e Jacinto
já eram amigos e companheiros de bancada na Câmara de Vereadores daquela Cidade
na qual Antônio era secretário tendo sido dele a redação do projeto que se converteria
na lei estadual (843) que faria do Brejo, Município, de onde plantaram as
sementes de um novo porvir para o distante povoado que ambos ombreariam,
transformando-o em cidade progressista dentro de suas naturais limitações. No
Brejo das Almas os elos desses dois gigantes, Antonio e Jacinto, viriam a se
fortalecer muito mais quando no dia 20 de Janeiro do ano de 1933, na mesma
Igreja Matriz que ainda hoje lá está, une-se em matrimônio uma filha de
Antônio, então com dezoito anos, com um dos filhos de Jacinto, de vinte e três
anos, cujo enlace de longevidade superior a sete décadas e meia, se estenderia
por toda a vida, pois só se findou depois do último suspiro do filho de Jacinto
no ano de 2009 e, mais recentemente, para nossa tristeza, com a morte da Diva
Brejeira, filha de Antônio com 100 anos no dia 17/04/2015.
Forjado do
mais puro aço, de ascendência europeia, a vida nem sempre sorrira para Antônio
que desde cedo teve de ir á luta. No Brejo, dentro do ambiente familiar teve de
assumir a condução do lar e educação dos filhos devido ao dissabor da ausência
da esposa devotada Cândida, para infrutífero, longo e penoso tratamento mental
em Montes Claros. Muitas foram às lutas com as quais o gigante Antônio teve de
travar com o destino de onde ele sempre ressurgia com mais força e resiliência.
Político,
Farmacêutico Diplomado, Médico sem Diploma, Escrivão de Paz, Orador e Poeta. Em
todas as enumeradas atividades que Antônio ocupou deixou sua marca indelével
gravada à posteridade de curta memória. É possível que poucos saibam hoje quão
relevantes foram ás iniciativas deste grande Brasileiro para a vida de nosso
pequeno torrão natal de nome Brejo das Almas.
Na política,
combativo e atuante vereador e secretário na Câmara de Montes Claros, entre
outras ações de cunho social, foi o autor e redator do projeto que se converteria
na lei 843 que tornou o Brejo das Almas Município independente. Farmacêutico,
exerceu com dedicação e generosidade essa nobre arte em beneficio dos menos
favorecidos. Médico sem diploma, muitas doenças diagnosticou em seu inicio
recomendando ao enfermo procurar tratamento imediato em cidades com recursos.
Foi de Antônio, o médico sem diploma, o primeiro diagnóstico de câncer na
garganta do padre Augusto que depois mediante sua recomendação procurou o
doutorzão diplomado João José Alves na bela MOC. Como escrivão de paz, ele
colaborou na resolução de muitas pendengas que invariavelmente conduziam seus
litigantes aos melhores termos. Orador eloquente, Antônio era capaz de levar ás
lágrimas o mais duro coração. Em todo e qualquer evento ele era convidado para
realizar a abertura e encerramento onde deixava fluir em dicção clara e didática
perfeita os sentimentos arraigados no recôndito do mais puro e elevado saber. O
Brejo das Almas que agora se chamava Francisco Sá não tinha um hino que o enaltecesse
e identificasse. Professores e alunos lamentavam não ter um hino para cantar em
homenagem a jovem beldade do norte de Minas, quase adolescente, que
recentemente havia se emancipado. Atendendo ao clamor da professora Maria de
Jesus Sampaio coube a Antônio escrevê-lo, brindando a todos nós, Brejeiros que
amamos esta terra com o mais lindo hino cuja letra foi musicada por Corinto
Cunha, também poeta e amigo de Antônio:
-“Brejo das Almas ou Francisco Sá... Igual a
ti, outro não há...”.
Lembram-se?
Pois é.
Depois de
todas essas dicas e deste extenso preâmbulo não é possível que você ainda não
saiba a que Antônio me refiro. A menos que você não seja Brejeiro. Nessa
condição você estaria desculpado. Mais se você nasceu no Brejo, mesmo não
vivendo lá assim como eu, você teria a obrigação de saber de cor e salteado
quem foi esse sujeito.
Antonio
Ferreira de Oliveira era “Niquinho
Farmacêutico” no Brejo das Almas ou “Niquinho
Açúcar” como era conhecido em Montes Claros, onde também era farmacêutico.
Niquinho Farmacêutico pode ser considerado um dos grandes expoentes do
velho Brejo das Almas. Conseguiu, neste torrãozinho de meu Deus, colocar em
prática todos os atributos com os quais a Divina Providência o dotara. Exerceu
todas as suas atividades sempre voltadas para a benevolência e crescimento do
Brejo e de sua gente. Mesmo assim conseguiu amealhar com toda a sua
honestidade, razoável patrimônio que, no entanto, não muito afeito as coisas
materiais e, principalmente, pelo vicio do alcoolismo que infelizmente adquiriu,
veio a falecer desprovido de bens materiais na residência de sua filha amada e do
genro querido. Levou consigo a maior riqueza. A certeza plena de que enquanto
neste mundo peregrinou ofereceu a todos indistintamente o seu melhor sem em
momento algum pedir algo em troca. Doou-se por inteiro aos que dele
necessitavam e com isto partiu feliz não obstante o sofrimento imposto pela
doença.
E tenho dito.
*Enoque Alves Rodrigues nasceu no Brejo.
Vem ai, Feliciano Oliveira. Não percam!