sábado, 4 de junho de 2011

MINEIRISMO BREJEIRO – COMÍCIOS

MINEIRISMO BREJEIRO  – COMÍCIOS  
Enoque Alves Rodrigues
Quando a dois de dezembro de 1945,  Eurico Gaspar Dutra se elegeu Presidente da Republica, o Tribunal Regional Eleitoral tratou logo de marcar as próximas eleições gerais no Brasil para o ano de 1947. No norte de Minas Gerais, assim como em todo o País, velhas e felpudas raposas  famintas por voto, que até então se achavam na toca no aguardo de que a poeira da Revolução de 1930 baixasse, saíam  agora a campo em busca do eleitor incauto.
Em Francisco Sá, antigo Brejo das Almas, as forças políticas locais se articulavam e compunham-se. Feliciano, filho de Lauro, nascido na região, foi lançado candidato a Prefeito, enquanto que o Paraibano Enéas, dono da fazenda Burarama, que naqueles tempos se localizava no Município de Francisco Sá, entre os rios Quem-Quem, São Domingos e Verde,  saiu como seu vice, com o apoio de Gentil Dias e Osmani Barbosa. Enquanto que a chapa de José Pereira de Aguiar e Francisco Versiani Ataíde, contou com o apoio de João de Deus Dias e outros companheiros.
Finalizadas todas as articulações, costurados todos os acordos, fechada a chapa, era chegada a hora da “onça beber água”. Era, o que imagino, para qualquer político, o momento  mais difícil, ou seja, a correria atrás do voto. Tinham que possuir o alto poder de persuasão para que no final dos escrutínios não tivessem que amargar  uma tenebrosa derrota  e esperar mais quatro anos para começarem tudo de novo. É este o circulo dos que militam nesta área da Sociologia.
Qualquer Brejeiro, por mais jovem que seja, tem conhecimento da grande facilidade que tinha Feliciano Oliveira, com as palavras. Orador eloqüente daqueles capazes de convencer o eleitor ou qualquer que fosse com poucas frases. Ele não se deixava levar pela retórica desprovida de conteúdo. Tampouco era dado a mentira ou promessas miraculosas que jamais se poderia cumprir. Mais que provado está o que afirmo, pela quantidade de vezes em que se elegeu Prefeito do Município e outros mandatos eletivos pela força do sufrágio universal. O homem falava bonito e levava o eleitor matuto brejeiro ao delírio. Qualquer candidato que estivesse em inicio de carreira naquela época queria ser um Feliciano.
Por outro lado, Enéas, ou o Capitão Enéas Mineiro de Souza, era homem de poucas palavras e não muito afeito às letras. Também não dispunha do jogo de cintura necessário em todas as atividades e principalmente na arte da política. Falava estritamente o necessário e, acostumado a caserna dos senhores de engenhos de onde provinha, expressava-se na maioria das vezes com frases truncadas e nem sempre compreensíveis. Bem humorado, afável, sorridente, no entanto, o Capitão possuía um senso de humanidade  e um coração bondoso que contrastavam com suas rudes palavras. Empreendedor contumaz, esse Paraibano arretado, “Bandeirante do Norte das Gerais”, era comprometido com o seu povo, com o Brejo e com sua “Burarama”, hoje Capitão Enéas, em sua justa homenagem.
Lagoa Seca. Comício animado. Brejeiros brotavam de todos os rincões daquele que antes era um dos maiores Municípios das Alterosas. Cerveja quente e cachaça do Mangal sendo consumidas por todos, acompanhadas por carnes de bois que ardiam sobre os espetos atravessados em valetas ao chão, cobertas por braseiros reluzentes.
Filinto, Oscar e Idalino, sendo os dois primeiros em campanha eleitoral à vereança, acompanhavam os discursos no meio da multidão, animada, que a cada salva de palmas seguidas de “muito bem!” previamente ensaiados por “puxa-sacos” de plantão, gritavam:
-“Este é o homem... Este é nosso... Este é da gente... É deste homem que o Brejo precisa!”
Hoje não sei, sinceramente como é, mas naquele tempo, falavam-se primeiro os candidatos a cargos minoritários, como vereadores, deputados estaduais, deputados federais, etc., sendo que os candidatos a cargos majoritários faziam sempre o encerramento, fechando-o com a famosa  “chave de ouro”. Todos falaram. Chegou a vez de Enéas.
-“Vocês sabem, por acaso, quantos mata-burros tem de Burarama até aqui?”, indagou o Capitão da multidão, aquela altura não muito ávida por tais informações, no sentido de enfatizar, sem qualquer sombra de dúvidas, seu vasto conhecimento de homem público sobre as coisas e mazelas do velho Brejo e sua gente.
- “Sei, doze!”, -respondeu Idalino, mais prá lá do que pra cá.
- “E alguém ai no palanque saberia me dizer por quais motivos, razões ou circunstâncias os trilhos da estrada de ferro não chegaram e jamais chegarão ao Brejo?”  –Perguntou o sábio Idalino, acrescentando: “Me parece que alguém cujas iniciais do prenome, nome e sobrenome são “E”, “M” e “S” usou de sua grande influência para se beneficiar, fazendo com que os trilhos fossem desviados, cortando ao meio sua imensa fazenda cujo nome começa com “BU”!
Não teve jeito. Feliciano tinha que intervir. O seu candidato a vice era pesado e difícil de carregar. Foi ai que aproveitando sua vez de falar, com toda a classe e verve que lhes eram peculiares, iniciou seu pronunciamento:
“Obrigado, Idalino, pela “clareza” da sua pergunta. Enéas e eu estamos aqui para falarmos dos problemas que afligem a nossa gente Brejeira. Estamos convictos de que somos os candidatos melhor preparados para corrigirmos distorções existentes. Dêem-nos o voto de vocês e verão que jamais nos furtaremos ao nosso compromisso. A estrada de ferro não chegou e talvez nunca chegará ao nosso Brejo. Isso não se deve a intervenção humana, não. Ela não chegou porque Deus, o Todo Poderoso Criador do Universo não quis. Foi Ele quem fez o Brejo das Almas rodeado de montanhas intransponíveis onde trilho algum passará. Certamente que se assim o fez foi para blindar-nos. Para nos proteger de alguma coisa. É por isso que vocês tem que nos eleger...Nós conseguimos ler e interpretar com facilidade e desenvoltura, a cartilha do Criador.”
Ganhou!
É...
Por vezes, quando nos vemos em palpos de aranhas, onde as palavras que nos permitam virar o jogo, fogem de nós, a única solução plausível mesmo, é apelar aos Céus. Os “Caras lá de Cima” são costas-grossas. Eles podem tudo!
E tenho dito!
Enoque Alves Rodrigues, Brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/

Um comentário: