sábado, 5 de novembro de 2011

GENTE DO BREJO - MARIA BOCÃO

GENTE DO BREJO  -  MARIA BOCÃO

Enoque Alves Rodrigues

De repente, ela surgiu como se estivesse brotando do nada. Eles sempre surgem assim:  de onde menos se espera!
Todos nós meninos, próximos a entrarmos na adolescência, estávamos em frente ao velho Cemitério do Brejo das Almas, ou Francisco Sá, em um dia de finados, no aguardo de outros moleques que se integrariam a nossa turma para juntos, acompanharmos a procissão dos mortos.

- Qual é o seu nome?

- Maria!

- Mas, Maria do que?

- Maria “Bocão”!

- Uai, estranho, mas é esse mesmo o seu nome?

- É!

Perguntada, de onde vinha, respondeu-nos: “do pé na cova”. Referia-se ao antigo e famoso boteco com este nome que existia naquela melancólica, triste e silente localidade onde apenas aqueles que partiram deste mundo rumo ao Mundo Maior, a quem devemos sempre reverenciar, reinavam. Na realidade, conforme soubemos depois, Maria de Nazaré, era esse o seu verdadeiro nome, não provinha do “pé na cova”, apenas deu uma passadinha por lá para “molhar as palavras”, e não houvera brotado do nada, não, senhor. Nasceu, assim como todos nós nascemos, de um pai e de uma mãe e sua localidade de nascimento era o povoado do Caititu, meio distante de onde se achava agora. Tivera, no entanto, ainda em infância, alguma desdita, reservada que lhe fora pelo destino implacável ao qual não nos cabe questionar, que culminou em lapsos de memórias intermitentes que muitas vezes não a permitiam sequer saber onde estava. Trazia consigo, além do sujo bornal, em seu recôndito longínquo, traumas desencadeados talvez por alguma disfunção no processo alimentar, pois tinha como hábito não levar nenhum alimento à boca sem que antes o tivesse cheirado. Muitas vezes, em minhas curiosidades de quase infante, vi-a desprezar após haver recebido de alguém, saborosos e apetitosos petiscos. Alguma coisa, por certo, por razões que desconhecíamos, não caíra bem ao seu olfato sensível. Quando isso acontecia, de o alimento não passar pelo crivo do olfato, de nada adiantava o paladar aguçar o mundo das ascaridídas lá embaixo. Maria cismou com o rango, não tinha mesmo para ninguém. Aí só restava mesmo aos parasitas, chafurdarem-se em seus respectivos infernos astrais, onde permaneciam hibernados, até quando aquele divino ser, criado a imagem e semelhança de Deus, assim como nós,  finalmente decidisse ser menos exigente para com o “pão nosso de cada dia”.

Não sei se devo reivindicar para mim a primazia de tê-la visto antes de todos. Tampouco saberia definir o que isso viria acrescentar hoje, ao meu ego e personalidade ainda em duvidosa e inacabável formação, apesar de meus quase sessentinha.

O certo é que do impacto daquele nosso  primeiro encontro,  ou seja, de nós, moleques do bem, educados dentro dos mais rígidos princípios doutrinários, até vermos Maria enturmada com mais de uma dezena de outros de seus iguais em expiações e provas em busca do burilamento espiritual neste Mundão de Meu Deus, foi um pulo. Ainda hoje seria capaz de citar todos os nomes daqueles que alguns do Brejo, inadvertidamente insistiam em chamar de “doidinhos”.

Retornando a “Francisá”, (já perceberam que a maioria de nós nascidos no Brejo, involuntariamente ou não, ainda hoje nos relutamos em aceitar um gentílico “que não é nosso”, não utilizamos a pronuncia completa e correta de Francisco Sá?), depois de cinco anos em São Paulo, fui até um “brejeiro ausente” lá nos arrabaldes de onde se começava o Brejo. Saudoso, queria logo rever os amiguinhos, assim os chamava, os quais sempre se reuniam em torno de mim, as algazarras diante de algum lar em festa. Encostado ao batente da porta da casa de Feliciano, juntamente com Zé Rodrigues, Mateus Gordo, Maninho do Mocó, Manél, Cláudio Lagoa Seca, Demétrius, Gideão, Almeida e outros, tentava, inutilmente, identificar em meio aquela turma que dançava animadamente uns com os outros, um sequer, daqueles muitos que havia conhecido em tempos não tão distantes assim. Ledo engano: Cadê Maria Bocão, Roberto Carlos do Mato, Tininho, Chuteira, Pascomiro, Galdino, João Pretinho, Geraldo Magela, Boneca Preta, Mané Pezim, Katiússia... Cadê todo o mundo, pô!

- Acalme-se, Noquinho. Essa gente é assim mesmo. Quando uns vem, outros vão e quando uns vão outros vem... Aqueles que conhecemos em nossos tempos de meninos já se foram... Para substitui-los “Mandaram” estes que ai estão. Se você fixar melhor os seus olhos ternos nos semblantes de cada um deles, verá que são iguaizinhos aos que se foram.  Não há a menor diferença. Você não tem motivo algum para deixar de amar estes também. Basta que você os olhe com os olhos do Espírito, tontinho. Cresça e apareça moleque e não se esqueça jamais de que as aparências físicas não passam de um mero e insignificante detalhe!

Ai, ai,ai,ai,ai...Diria minha Santa e bela mãezinha lá em Burarama.

Pra ser sincero, essa doeu!

É...

Por vezes, e principalmente quando tentamos burlar o que veem os nossos olhos, a voz da nossa consciência berra aos nossos tímpanos.

Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Escritor com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/  http://www.facebook.com/profile.php?v=info&edit_info=all&ref=nur

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