sábado, 10 de março de 2012

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – PADRE SALÚ E TIBÚRCIO

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ –  PADRE SALÚ E TIBÚRCIO

Enoque Alves Rodrigues

Quando em 17 de Março do ano de 1931, acometido por um câncer na garganta, o Padre Augusto falecia no Brejo das Almas, preocupações e incertezas se apossaram das famílias Brejalminas. Todas as atenções agora pairavam sobre uma dúvida muito séria, mas oportuna, pelo fato de que o Padre, que ora perdiam, era muito querido no lugarejo. Todos o adoravam. Ele fazia por merecer.

Quem seria o seu substituto?

Por muito tempo esta pergunta permaneceu no ar. As beatas, que já não sabiam mais o que fazer, sequer  conseguiam dormir. Não dava mais para levar adiante, até o seu final, novenas e terços. Além de terem que conviver com a ausência do Padre Augusto, ainda se sentiam  desamparadas pela falta de um condutor dos destinos dos católicos da região. Algum tempo depois, soavam-se as trombetas anunciando a chegada de um novo Pároco para os serviços eclesiásticos junto aos pecadores de Maria. Curiosos, todos, indistintamente, acorreram-se a velha Matriz para se certificarem da boa nova. Sim. Era verdade! Lá estava ele, robusto, o senhor Padre, vestido com sua batina de gala. Estrearia com ela a primeira missa na calorosa tarde outonal daquele mesmo dia.

Apesar de vir da diocese de Salinas, distante a poucos quilômetros de Francisco Sá ou Brejo das Almas, ninguém no Brejo o conhecia. Sequer antes ouviram falar seu nome. Logo o inevitável passou a acontecer. O povo, acostumado com a forma carinhosa do Padre Augusto que permaneceu à frente da Igreja do Brejo por trinta e cinco anos, passou a fazer comparações. No frigir dos ovos resultava como liquido e certo que aquele Padre que agora substituía o Padre Augusto, diferia deste como a água do vinho. Nada, absolutamente nada tinham em comum.

Salustiano Fernandes dos Anjos, ou Padre Salú, era este o nome do sucessor do Padre Augusto. Enquanto um era dado a longas conversas, preocupando sempre em ouvir atentamente o interlocutor para, no final, oferecer seus préstimos que sempre eram acompanhados por palavras de carinho, motivação e ternura, o outro era ríspido. De poucas palavras. Não era muito de ouvir. Chegava mesmo a interromper aos berros, fiéis em confissão. As missas já não tinham mais o ânimo de outrora e o povo começou a se debandar. A Igreja, aos poucos, foi se esvaziando e os casamentos e batizados se escassearam.  Os jovens continuavam com vontade de se casar, ter filhos, batiza-los, etc. No entanto, quando imaginavam a cara de bravo do Padre Salú, perdiam a vontade, neste caso, literalmente, perdiam o tesão. Questionava as moças e os mancebos quanto a seus respectivos celibatos numa época em que vários tabus existiam sobre este tema, que não era tratado nem mesmo no seio da família. Quando nas cerimonias de batismos ao perguntar aos pais que nome dariam ao filho, se este nome não fosse de seu agrado ele simplesmente o substituía por outro. Caso houvesse recusa dos pais ao novo nome, encerrava ali mesmo a cerimônia, deixando o anjinho pagão. O padre Salú era muito materialista. Não era mau, tanto que era Padre. Era demasiado criterioso e entendia que com estes pequenos exageros,  estaria zelando melhor de seu rebanho.

O fim não justifica os meios. Mas  é possível que o fato de o Padre Salú, ao contrário do Padre Augusto, vir de camadas sociais mais abastadas, o  tenha influenciado para que ele fosse desse jeito. Passava a impressão de que não gostava de pobre. Que apenas o tolerava por força de um oficio que pouco se parecia com uma vocação. Mas no fundo como eu já disse, ele era boa gente. Era do bem, indubitavelmente, desde que não comparado ao antecessor. Ai não tinha jeito mesmo. O outro ganhava de goleada.

Tibúrcio Procópio Soares, ele colaborava com o Padre Salú nos trabalhos da Igreja. Funcionava como ajudante de ordens e Sacristão, destes que muitas vezes se esquecem, até mesmo de tocar os sinos. Tibúrcio era nascido em Grão Mogol. De lá foi para Salinas onde trabalhou nas Fazendas dos pais do Padre Salú. Das fazendas passou a colaborar com o Padre nos trabalhos da Igreja. Foi por isso que ao ser transferido para a Freguesia do Brejo das Almas, sim, quando o Padre Salú chegou ao Brejo, o Brejo ainda não era Francisco Sá, pois só veio receber esta denominação em 1938, levou consigo seu ajudante e fiel escudeiro, Tibúrcio.

Vejam vocês as coincidências. Não foi, creiam-me, propósito meu. Na semana passada me achava aqui, neste mesmo horário e prefixo escrevendo sobre um ajudante de ordens de outro Padre. Nesse caso, o Wenceslau, ou “Azar”, que surgiu como por encanto e trabalhava com o Padre Augusto, cuja alusão, fiz acima. Já que, sem querer, comparamos  os costumes daquelas duas figuras exponenciais da vida religiosa do Brejo, por que não traçaríamos analogias entre seus dois serviçais? Não vou, no entanto, cansar vocês relembrando algumas façanhas do bom “Azar”. Voltarei a ele em outras oportunidades. Fixemos, agora, em Tibúrcio.

Vinte e seis anos, alto, mulato, semblante fechado, jamais sorria. Passava por todos nas ruas sem sequer cumprimentar. Mirava a todos com o olhar severo de uma Madre Superiora. De cima para baixo. Encrenqueiro dos mais temidos. Mentiroso de nascença e carteirinha. Garganteador. Nem ele mesmo acreditava no que falava. Somente o Padre lhe dava crédito. Certa vez arrumou um “fuzuê” na “ZBM” que ficava próximo ao Centro. Desentendeu-se com um tal de Calixto de Vaca Brava. Chegaram ás vias de fato. Rolaram pelo chão. Ele tinha dois metros e meio de altura. Calixto tinha três. Os cinquenta centímetros a mais fez a diferença. Levou uma tremenda sova. Chegou a Igreja todo ralado. Indagado pelo Padre Salú, foi logo dizendo: “Estava participando da novena ao São Gonçalo e ao passar defronte a uma casa suspeita fui atacado por um tal de Calixto.”

- Dê-me, disse-lhe o Padre, o nome completo desse facínora que eu vou amaldiçoa-lo agora mesmo! Que mal poderia fazer você, este “santo homem,” a ele para que agisse dessa maneira? Não se agride assim um “homem de Deus.”

O Padre Salú era assim: o que pertencia a ele era valorizado ao extremo ainda que pouco ou quase nenhum valor tivesse. O simples fato de fruir do convívio e confiança dele já era motivo mais que suficiente para que tivesse dele total proteção. Uma pena que somente Tibúrcio tinha esta primazia e deferência.

A aspereza e o jeito rústico de ser, destarte, haver tido uma boa educação de berço, ás vezes arrebatavam o Padre Salú aos mais tenebrosos pensamentos e comentários. Dizia, por exemplo, em seus devaneios, ao se referir ao câncer na garganta que ceifara a vida do Padre Augusto, seu antecessor, que “o Padre só morreu de doença ruim porque era muito bom para os outros. Dando assim uma falsa conotação de que os Céus não pertencem aos justos e bons.

Algum tempo depois, retornando de uma pescaria, sentiu uma pequena fisgada na perna esquerda. Depois veio uma dorzinha de cabeça chata que não passava nunca. Daí a pouco o  estomago começava a dar voltas. Comia, mas as substâncias dos alimentos não se retinham no organismo. Bebia um copo de água, por pequeno que fosse e se achava como se tivesse engolido um elefante inteiro. Nesse entrementes o humor que já era ruim, piorou. Não tinha “Niquinho”, nem “Francelino, o França”  os “doutores” da farmácia do Brejo, assim como não tinha também o Dr. João José Alves, na bela MOC.

Procurou, então, os médicos da Capital das Alterosas “Belzonte” que foram taxativos e implacáveis no diagnóstico: “Câncer em estágio avançado e irreversível nos intestinos!”

Após longo padecer, agora era a vez de Salustiano Fernandes dos Anjos, o Padre Salú, acompanhar o seu antecessor na longa viagem rumo ao Cosmos. Igualando-se a ele, pelo menos neste quesito, onde todos nós somos iguais perante as Leis Infinitas que Regem o Universo. Seu espirito, finalmente, pode comprovar meio decepcionado, que a morte não é o fim e que viver não é nenhum privilégio. Que não existem diferenças entre mortos e vivos senão a simples e ás vezes chocante e assustadora troca de vestimenta. Sim, porque mesmo que você não creia, saiba que quem escolhe os “modelitos” que pretende vestir lá em cima somos nós mesmos, enquanto aqui no chão.

Quanto a Tibúrcio, por algum tempo, ainda continuou no Brejo. Mas depois retornou para Salinas de onde ninguém mais teve noticias.

É...

Continuo com aquele certo William.

Por vezes, dizia ele, “há muito mais coisas entre o Céu e a Terra além do que supõe nossa vã filosofia.”

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há 40 anos na área de Engenharia. É Escritor, com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 3 de março de 2012

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – WENCESLAU, MANDINGUEIRO.

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – WENCESLAU, MANDINGUEIRO.

Enoque Alves Rodrigues

Quando em 1914 o pequeno Orfanato particular que era mantido pelo Padre Augusto Prudêncio da Silva, em Francisco Sá, Brejo das Almas, atingiu a marca de 74 (setenta e quatro) pequeninos abandonados à própria sorte e que agora encontravam guarida no seio daquele coração misericordioso, coincidentemente ou não, sem que se soubessem ao certo de onde veio, “brotou”, ali, na antiga Rua da Amargura ou Rua do Padre, ou especificamente naquele simples Orfanato, um negro alto, feio, de pele áspera e olhos vermelhos esbugalhados, de andar ziguezagueante. A princípio aquela imagem aparentemente sinistra e ameaçadora, causou um verdadeiro rebuliço a todos. O próprio Padre Augusto, que  nada temia, até porque como é de conhecimento de todos, mantinha relações muito estreitas com o mundo invisível, se assustou. Sua Reverendíssima na verdade não gostava de surpresas. Por isso indagava a si mesmo: Quem quer que tenha enviado aquele negro à sua porta teria por obrigação avisa-lo antes. Sim, por que o negro Wenceslau chegou até a casa do Padre com endereço certo. Viram-no, inicialmente, em frente ao velho mercado com um pequeno e amarelado pedaço de papel à mão. Ali notaram que alguém apontava para a direção da Rua da Amargura. Não haveria dúvida, aquela “aparição” repentina tratava-se de uma encomenda. De um presente. Bem, se se tratava de um presente que não fosse de gregos. Não haveria outra forma de saber senão perguntando. A curiosidade que “matou o gato” agora atazanava a vida do Padre. Ele queria saber de onde viera o negro Wenceslau, mas não queria constrangê-lo com perguntas e indagações inoportunas, até porque ele tinha isso como principio. Ajudava a todos sem sequer perguntar de onde veio ou quem foi que o abandonou. O Padre Augusto sobre quem tive o privilégio de dedicar várias crônicas era exatamente assim. Um santo na terra, diziam todos que o conheciam. Fazia tudo em beneficio dos menos favorecidos, muitas vezes em detrimento de si próprio. Quando  a Igreja de Roma não era a potência econômica que é hoje, ele deixava de comer para repassar o seu pão a uma boca mais necessitada e esfomeada. O Padre Augusto era incondicionalmente comprometido com as massas desfavorecidas pela sorte. Era, guardadas as devidas proporções, um São Vicente Brejeiro.

Durante uma semana o Padre manteve-se calado. Apenas observava as atitudes do negro Wenceslau. Quanto mais o observava mais curioso ficava. Sim, porque o negro por possuir idade aproximada de dezoito anos era mantido apartado dos pequenos onde a faixa etária atingia os 14 anos. Ele dormia numa pequena edícula nos fundos.

Wenceslau levantava-se de seu catre e já catava uma vassoura. Punha-se a varrer todo aquele casarão. Quando terminava a varrição, corria de espanador e pano em punhos a limpar os móveis rústicos. Terminada esta tarefa ia até a cozinha oferecer seus préstimos no preparo da comida. Quando tudo estava pronto, pegava os pratos que estavam sobre as mesas diante de cada menino e servia-os. Depois disso servia o Padre que tinha como hábito alimentar, primeiro se servir de um bom e fundo prato de sopas de legumes para só depois passar ao prato principal. Somente após servir a todos é que o negro Wenceslau se servia. Mesmo assim, pegava o seu pratinho e se dirigia a um dos cantos da sala. Nestas ocasiões era sempre repreendido pelo Padre que se levantava de seu lugar à mesa, geralmente na cabeceira e, de braços dados com o negro Wenceslau, levava-o até a outra cabeceira da mesa, onde fazia questão de que ele de assentasse, após lhe aplicar pequeno sermão: “Este lugar é seu por direito. Você não é aqui escravo de ninguém. Se você tem o trabalho de se dedicar a tudo e se esmerar para que tudo saia bem, você tem também o direito e a obrigação de usufruir.”

Não demorou muito e Wenceslau ganhou as graças de todas as crianças. Fruía, agora, de toda a confiança do Padre Augusto que, já meio cansado e alquebrado pelos anos, cuidava daqueles pequenos com certa dificuldade. Dotava-os de conforto alimentar pífio, que as sobras parcas da descapitalizada gente Brejeira permitiam. Não tinha mais pique para fazer gracinhas. Até porque isso não era o seu forte. Mas o negro não. Ele estava em plena flor da idade. Com todo o gás e cheio de vontade de animar aquele Orfanato com cara de velório. O Padre sentia que faltava alguma coisa para aquelas crianças. O Padre sabia que ninguém vive só de comida, bebida e estudo. Faltava alegria. Faltava motivação. Faltava entusiasmo. Wenceslau fez uma careta. A molecada caiu na gargalhada. O Padre franziu a testa. Wenceslau recolheu-se. No dia seguinte Wenceslau puxou as duas orelhas de um dos moleques. Balbuciou alguma coisa aos ouvidos e com trejeitos símios, com uma careta assustadora começou a grunhir. Todos caíram na gargalhada, inclusive o Padre. Pronto, o sorriso do Padre era a senha que Wenceslau queria. Era a assinatura da autorização que ele necessitava para daquele dia em diante tornar a vida daquele pequeno Orfanato a mais alegre possível. Definitivamente, lançava-se ali, naquele momento, os “pródromos de uma nova era.”  A era da alegria.

Wenceslau Bispo dos Santos, ou “azar”. Era esse o seu nome e apelido. Veio na verdade de Taiobeiras, na região. Não conheceu os pais. Vivia com uma avó que ao falecer, levou-o a perambular pelas estradas que davam no Brejo. O “azar” que ele fazia questão de incorporar ao seu nome, segundo ele próprio informava, era porque não tivera a sorte de conhecer os pais que segundo lhe dissera a avó, morreram de paludismo. Ele era feio de doer. Nem precisava fazer caretas. Mas era um verdadeiro templo de simpatias e cordialidades. Fazia graça com tudo. Brincava com todos sem jamais ser grosseiro. Tinha uma piada para cada menino. Visitantes do Padre eram alvos de suas brincadeiras. Até mesmo o Coronel Jacinto Silveira, meio sisudo, por natureza, recebia com sorrisos os seus gracejos. Era ele especializado na arte da mandinga inocente. No entanto ele só as realizava a pedido dos internos quando o Padre Augusto não estava por perto.

Certa vez todos os meninos se acercaram da mesa, pois “Azar” ou Wenceslau, ia fazer o número do ovo. Consistia no seguinte: ele deixava um ovo na cabeceira da mesa e se assentava na outra cabeceira de onde, gesticulando com as duas mãos e proferindo frases aparentemente desconexas, ordenava que o ovo rolasse até ele. O ovo que a primeira vista se achava imóvel, de repente começava a mover-se e dali a instantes estava na outra ponta da mesa. Nas mãos de “Azar.”

De outra feita tentou repetir a façanha. Toda a petizada ao redor da mesa. “Azar” tomou seu lugar costumeiro na cabeceira. Na outra cabeceira estava o ovo. “Azar” iniciou seu ritual com palavras incompreensíveis aos mortais. Contorcia todo em jeitos e trejeitos. Fazia diabólicas caretas. Acenava para o ovo. Em habitual gesto de chamamento para si num abrir e fechar de mãos e o ovo, nada! Permanecia inerte. Mortinho da silva. Por mais que ele se esforçava, o ovo não se movia. Os pequenos infantes já se desesperavam. Sedentos estavam para verem uma vez mais aquele ovo, qual morena faceira, partir em direção aos braços do feio Wenceslau e finalmente pousar em suas grossas mãos. Lamento informa-los mais desta vez a coisa, literalmente, não rolou. Ovo parado não tem graça. Empacou qual jumento baiano. Ninguém o faria mover-se. Total decepção.

Foi quando o pobre do “Azar” levantou a cabeça. De soslaio visualizou em meio a multidão de moleques dois enormes olhos azuis. Percebeu também que o rosto ao qual pertenciam aqueles grandes olhos era de há muito, dele conhecido. Fixou-se um pouco mais e constatou vasta cabeleira branca à guisa de véu. Era sim. Era ele mesmo. Era o Padre Augusto, o “dindinho” como o chamavam. Ele estava ali presenciando a cena. Não devia...

Num misto de assustado, envergonhado, decepcionado e constrangido, “Azar” que jamais antes houvera pronunciado qualquer palavra destoante de sua vida simples de matuto agora afinado até a medula com as cousas dos santos evangelhos,  não conseguiu se segurar. Fixando o olhar vermelho no Padre entre a molecada, começou a se justificar aos gritos.

- Diabo! Capeta! Inferno! Agora eu descobri porque este maldito ovo não me obedece. É porque  Sô Padre está ai no meio de vocês, diabos! Na frente dele o ovo não anda. O ovo só anda quando ele não está por perto!

O Padre olhou-o com piedade e brandura. Depois de lhe sorrir, agora foi sua vez de lhe tirar uma casquinha. “Pois é, meu bom “Azar”, eu só estava querendo lhe ajudar.”

- Desculpe Sô Padre, mais eu não sei “que diabo” o senhor tem nos olhos que não permite que o ovo ande.

- Engano seu, meu querido, disse-lhe o Padre, sente-se no seu lugar e chame o ovo, novamente!

Assim foi feito. O ovo sem maiores delongas andou. Caiu nas mãos do negro Wenceslau, o “Azar”. Agora  com os olhos mais esbugalhados que nunca. Assustadíssimo. Em vias de sair correndo.

- “Cruz Credo... Por mil demônios. Esse Padre é o capeta mesmo!”

Para o Padre que só queria ajudar a  emenda saiu pior que o soneto.

É...

Por vezes, dizia um certo William, há muito mais coisas entre o Céu e a Terra além do que supõe nossa vã filosofia.

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Escritor com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – MESSIAS, O BENZEDOR.


ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – MESSIAS, O BENZEDOR.

Enoque Alves Rodrigues

Calçadão - Centro Brejo - EAR
Ele não tinha do que reclamar. Estava, indubitavelmente, atravessando uma época muito próspera e favorável em sua vida. Até então tivera uma vidinha bem insossa. Apertada ao extremo onde até mesmo o básico necessário à subsistência lhe faltava. Agora, não. A vida finalmente lhe sorrira. Ele estava feliz. Efetivamente, pensava ele, esta era sua melhor fase. Cada enxadada era uma minhoca. E meditava: “justo ele que até ali tudo o que fez em sua vida foi reclamar de tudo e de todos!” Nada para ele estava bom. Sempre faltava alguma coisa. Mas é sempre assim. Você já percebeu que aqueles que menos fazem são os que mais reclamam da vida? Pois é, ele era assim. Quando lhe “sobrava” um tempinho, entre uma reclamação e outra, vendia alguns dias de serviços nas Fazendas das redondezas. Será que alguém lá de Cima ouviu, por fim, suas reclamações?” É o que veremos na seqüência.

Messias Dias Pereira, era esse seu nome, na realidade, pouco ou quase nada fizera para usufruir de todo aquele conforto. Mas, honesto como era, apenas não gostava muito do batente, nada de errado fizera que maculasse sua irrepreensível conduta. Apesar do sobrenome, nenhum parentesco tinha com Zeca Guida.

Nascido em São Geraldo, criança ainda, descobriu que não tinha muito jeito com o cabo da enxada. Com os cambões de bater feijões, então, nem pensar. Feijão mesmo ele só batia no prato e de preferência bem cozido. Foi desastrosa a sua estréia no “oficio” de batedor de feijões que teve como palco inicial as terras de Saturnino, ainda em São Geraldo. Quando ele punha a mão nos cambões, antes de erguê-los para arriar sobre a montanha de feijões, os camaradas batedores abriam a roda e, com medo de que os cambões fossem soltos sobre suas cabeças, afastavam-se, deixando-o sozinho o que tornava à lide contraproducente. Não demorava muito e o dono do trampo o dispensava. Foi assim, também, na fazenda de Zeca, em Cana Brava, já que ao mudar para o Centro do Brejo das Almas, ou Francisco Sá, ainda rapazinho, pouco ou quase nada fazia que se pudesse classificar como trabalho duro. Como já informei anteriormente, ele, de vez em quando laborava, levemente, em Fazendas adjacentes.

Coincidentemente ou não, entre idas e vindas a uma destas Fazendas, foi que sua vida começou a mudar. Passou a ostentar alguns sinais de melhoria financeira. Naqueles longínquos tempos, assim como o é ainda hoje, guardadas as devidas proporções, entre elas, o aumento demográfico e a evolução cultural da gente Brejeira, não era necessário que o individuo saísse muito dos trilhos para cair na boca do povo. Assim sendo, progredir, sem que se tivesse uma fonte de renda muito bem definida e, de preferência, de conhecimento de todos, nem pensar. Cidade pequena aqui ou em qualquer parte do mundo é sempre assim. Todos se conhecem. A maioria tem algum grau de parentesco mesmo que não o saiba. Não conhecer procedência e filiação de algum morador local era tido como tremenda falta de informação.  No Brejo das Almas dos meus tempos os indivíduos solteiros eram identificados pela filiação paterna ou materna. Eu, por exemplo, era conhecido como “o Enoque da Dona Nazir do Grupo.” O “grupo” aqui se referia ao vinculo de minha doce mãe ao Grupo Escolar onde era professora. Uma vez casados, ganhavam, imediatamente, uma nova identidade. Agora com o nome da esposa ou do marido. Hoje, se ainda no Brejo  residisse, provavelmente seria esta a minha  identidade: “O Enoque da Teresa.”  É isso mesmo, ao contrário do nome da mãe do cabra que era precedido do “dona”, não era comum se utilizar o mesmo ao se referir à esposa. Somente os casais antigos recebiam esta denominação “seu fulano da dona sicrana” e vice-versa.  Passemos adiante.

Rezador era esta agora a lucrativa profissão de Messias. Mas rezador do que? De tudo! Rezava para expulsar das roças e fazendas, cobras, onças, gafanhotos, formigas, escorpiões, carrapatos, lagartas, etc. Tirava quebrantos de criancinhas indefesas. Benzia plantações inteiras, Juntava casais em processo de litígio, amansava burros e cavalos bravios, enfim, ele era o cara.

Certa vez estava ele enchendo o talo no “Pé na Cova”, aquele boteco que ficava bem em frente ao velho cemitério. Não demorou muito e eis que surge ali o Capataz que trabalhava na Fazenda de Elpídio, de nome Manoel da Conceição.

Eles não se conheciam. Jamais antes se viram. Mas quem foi que disse que bêbado precisa se conhecer para se engatar uma boa conversa? Qualquer banalidade entre os amantes do pileque é motivo mais que suficiente para vararem dias e noites. Falavam de tudo. Menos, claro, da vida alheia ou de temas complexos e relevantes dos quais não possuíam o domínio do conhecimento. Eram exatamente 9 horas da manhã quando aquelas duas almas, puras e imaculadas apesar do cheiro forte do suor do sertão, causado pela “brisa brejeira”, misto de calor e poeira, se encontraram naquele genérico de bar. Começaram dialogando sobre porcos, galinhas, carros de bois, roças, secas, águas e, por fim, chegaram a “morte da bezerra,” literalmente.

O bom Manoel informava ao bondoso Messias, que já não agüentava mais conviver com a morte de tanta rês na flor da idade. Que as onças não estavam dando trégua. Que era preciso que alguém fizesse alguma coisa. Bem, mesmo ele não sabendo, estava falando com a pessoa certa. Messias, incontinenti, informou-lhe desta sua especialidade. Inclusive deu-lhe como referência algumas fazendas  onde houvera prestado seu trabalho eficaz. Esgotados todos os assuntos. Não tendo mais sobre o que falar, despediram-se.

Dias depois, Elpídio, patrão de Manoel da Conceição, mandou chamar Messias à sua fazenda. Queria fechar com ele o valor para que expulsasse as onças. Mas antes queria uma prova. Messias valorou seu trabalho por cabeça de onça expulsa. Elpídio aceitou, mas continuava querendo provas. Não haveria problemas, a prova seria dada.

Rumaram todos para a porteira de entrada principal da fazenda. Messias pendurou-se no mourão enquanto que Elpídio e Manoel puseram-se sobre a cerca. Num estalar de dedos e ao pronunciar “pintada um” surgiu a primeira onça. Messias desceu, falou-lhe alguma coisa ao ouvido, a onça saiu e Messias voltou para o mourão. Pronto, a prova estava dada. Fecharam ali mesmo o negócio. Iniciou-se o processo e várias onças foram expulsas. A manada agora vivia na paz do senhor, tranqüila, serena e sem sobressaltos. Livre estava das onças ferozes. Será?

Decorridos noventa dias Elpídio chama Messias de volta à fazenda. Novilhas voltaram a aparecer mortas. As marcas registradas dos dentes de onças eram visíveis. O que haveria acontecido? Pergunta Elpídio. É simples, responde Messias, a reza é válida por noventa dias. Depois disso tem que ser revalidada. A cada revalidação eu vou ter que cobrar outra vez e assim, sucessivamente.

- Uai, sô, indagou-lhe Elpídio, mais não tem como você fazer este trabalho de uma só vez? Que diabo de reza é esta que você usa que tem prazo de validade? Deus não trabalha desse jeito. Tudo Dele é definitivo. Depois tem mais uma coisa: Deus não cobra para fazer nada e você me cobrou, e muito. Há alguma coisa errada nisso ai que eu gostaria muito que você me explicasse. Afinal, sua tralha, para que diabo de santo você reza?

- Bem, respondeu-lhe Messias, você quase acertou. Só que não é nenhum santo não senhor. Pode até ser que exista alguma coisa de errado. Mas quem foi que lhe disse que eu tenho alguma coisa a ver com Deus? Eu não trabalho com Ele e nem para Ele. O meu negócio aqui não é com o “Cara lá de Cima”, mas sim, com o “cara lá de baixo” e você sabe que ele não perdoa nada. Ele cobra por qualquer coisa. O que recebi de você na primeira reza, repassei tudo para ele. O meu lucro está exatamente nas revalidações. Se você não revalidar, tanto eu quanto você, ficaremos no prejuízo. Aquele diabo dos infernos é assim mesmo, meu caro, não dá ponto sem nó. Ele nunca perde. Só ganha.

É...

Fazer o que!

Por vezes, ou quase sempre, é melhor não procurarmos saber o nome do santo que realizou o milagre. Ele poderá nos ser, deveras, demasiado frustrante e assustador.

E tenho dito.

Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Escritor com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – VALDO, “O ESPERTO”

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – VALDO, “O ESPERTO”

Enoque Alves Rodrigues

Não. Definitivamente as coisas não andavam bem para o lado dele. Nada, absolutamente nada daquilo que tentava lhe saia bem. Se ele plantava, não chovia. Se não chovia, não vingava. Se não vingava, não colhia. Se não colhia, não comia. Se não comia, certamente que morreria. Aparentemente não haveria para ele uma honrosa e digna saída. Naquela pobre e oca cabeça de cabaça brejeira, restava apenas e tão somente, como liquido e certo, o final melancólico de um agonizante moribundo. Desculpem-me pela redundância, mas foi, deveras, necessário para deixar claro e patente o superlativo de desencontros e desatinos pelo qual passava aquela pobre e, para ele, insignificante vida.

Realmente, os “mares de Minas não estavam mesmo para peixes.” Bem, se os “mares de Minas” não estavam para peixes, os brejos de todas as almas bondosas, de minha querida e bem amada Francisco Sá,  não estavam nem para sapos. Várias foram as vezes em que este genérico de escriba se referiu aqui neste mesmo espaço, sobre as muitas crises que se abatiam sobre o norte do estado de Minas Gerais, mais precisamente em Francisco Sá ou Brejo das Almas, terra que me serviu de entranha, onde permaneci até os 18 anos.

Parece fácil dissertar sobre crises ou dificuldades, preferencialmente depois de superadas. Vive-las, no entanto, não é nada fácil. Aliás, há que se ter muita esperança, força de vontade, determinação e paciência, para poder atravessar quaisquer crises com otimismo e dignidade incólumes e imaculados. Quando, então, elas afetam diretamente o estômago ai a coisa torna-se mais difícil. É mais ou menos como dizia o senhor Madruga do seriado “Chaves: “Quando a fome aperta, a vergonha afrouxa.” Recordo-me, de algumas delas, onde, ainda tenro, tive que interromper os estudos primários para me embrenhar nas fazendas em busca de trabalho, enquanto a deusa de nossa casa, a santa de cabelos brancos por quem tive a graça de ser concebido, orgulho maior de meu existir, que hoje, queira o Divino Mestre, por muitíssimo tempo ainda, vive em Burarama, se desdobrava dia e noite, na bela e gloriosa arte do ensinar. Já o meu pai, que Deus o tenha no santo lugar que lhe é merecido por direito, labutava com uma vendinha de secos & molhados. Quando não conseguia tirar mais nada dali, corria de picareta em punhos, a prestar trabalho duro na Estrada de Ferro para suprir as carências da casa. Tempos duros, mas saudosos aqueles. Entendo, ainda hoje, que as dificuldades são as únicas maneiras de se fazer com que as pessoas provem quem realmente elas são e que fora do trabalho não há realização.

Quem não se lembra, por exemplo, dos tempos da “caça” as gabirobas? O que são gabirobas? Pois é, tratava-se de um pequenino fruto de coloração verde e amarelo que mais se parecia a uma pequena goiaba e que, surgiu ou foi, inesperadamente, descoberta, no serrado Mineiro em plena crise. Famílias inteiras embrenhavam-se nas matas ralas em busca daquela verdadeira dádiva da Natureza. Quantas boquinhas nervosas aquela abençoada frutinha acalmou. Voltemos ao Valdo.

Valdomiro Ferreira dos Santos. Era este o pomposo nome pelo qual respondia. Caboclo, brejeiro, queimado pelo sol escaldante do Sertão de Cana Brava, era casado com Sebastiana, com quem tinha quatro filhos.

Morava no centro do Brejo, próximo ao velho Mercado, ou precisamente na Rua Padre Augusto. Quando não estava trabalhando em suas “improdutivas” roças, era facilmente encontrado dando banhos em minhocas no rio São Domingos. Muitas vezes, quando a aflição mais lhe atormentava, punha-se a sonhar com o rico tesouro do Bandeirante Jerônimo Xavier de Souza, que segundo antiga lenda, se achava enterrado há séculos no morro do mocó, sob uma grande pedra onde ficava a fazenda de Antonio Miranda. Pronto: “cabeça vazia, oficina do diabo.” Falamos, nós, os antigos, ou melhor, os gastos. Pois é. Não demorou muito e Valdo que não tinha mais no que pensar, julgando-se desprovido de qualquer alternativa que o levasse a sair daquela pindaíba com luta e denodo, passou, destarte, a divagar sobre futilidades.

Numa dessas divagações, deitou-se e não conseguiu conciliar o sono. É próprio do espírito não repousar enquanto não encontrar a paz necessária para fazê-lo. Cochilou, o cachimbo não caiu. Pelo menos não fumava. Mas foi o suficiente para em sua visão ver-se frente a frente com o Sargento Mor, ou o Bandeirante Jerônimo Xavier de Souza. Cobria-lhe o lombo vestimenta característica dos que provem de “Além mar”, “da costa”, ou, como queiram “de Portugal”. Valdo, surpreso com aquela inesperada aparição, não teve sequer forças para abrir os olhos. Falar ou balbuciar alguma coisa, então, nem pensar. Mas o “bondoso” Bandeirante, na condição de espírito, lia-lhe os pensamentos e assim poupou-lhe de maiores sacrifícios. Determinado e assertivo como qualquer bom Europeu foi direto ao ponto:

- Meu caro Valdo, há tempos que venho lhe observando. Não consigo mais descansar de tão aturdido que vivo com os seus queixumes e atribulações. Traz-me aqui a vontade imensa de lhe ajudar. Por favor, meu amigo, pense ai, em três desejos e fixe-se em um, e, se possível me fale, que eu o realizarei, imediatamente. Não quero vê-lo sofrendo desse jeito.

Bem, qualquer brejeiro normal,  habituado com a dureza da vida, amante incondicional do velho batente, ou como falamos aqui em São Paulo nos canteiros de obras, “do trampo”, cônscio de que sem árdua luta não há vitória, pediria chuva para que continuasse no trabalho sagrado de plantar e colher para se alimentar. Mais Valdo. Bem... Valdo, não. Ele queria muito mais. Ele não queria trabalhar. Ele não perderia de forma alguma aquela única chance de ficar rico sem fazer força. Assim sendo, num sacrifício dos diabos, movido pela usura, buscou lá no fundo do recôndito, forças até então, inimagináveis com as quais balbuciou seu mesquinho desejo:

- “Uai, Coroné. Os meu desejos o sinhô bem o sabe. Eu queria que mecê me dissesse adonde o sinhô enterrô o seu tisoro. Se pussive qui o sinhô me trouxesse ele aqui apusquê eu tenho medo de artura e principarmente qui a preda adonde ele está escondido se role sobre mim. Num é mesmo lá no morro do mocó qui ele está enterrado?” Antes mesmo que Valdo fechasse a boca, já se ouvia o fantasma do Bandeirante Jerônimo esbravejando num dialeto Lusitano de quem veio da Ilha da Madeira, nos tempos das Caravelas:

- “Ora, pois, pois. É isso que vucê me pedes, seu curalho? Eu psei que vucê fosse me pedirr chuva para cuntinuarr laburando em suas roças e com o suor de seu rousto, sustentar sua fumília e vucê me vens pedirr ouro? Vá trabalhar vagabuundo... Vucê acha que eu sai daquele curalho de inferrno para vir aqui lhe dar muleza? Nós somos de uma raça trabalhadora, curalho e não aceitamos nada fácil. Eu quueria lhe ofrecer trabalho, curalho. Mas vucê só queres bua vida. Se queres muleza, seu gajo do curalho, filho de uma mãe feia, vais  sentarse no pudim, ou empurrar bêbado das escadas, curalho. Ora, pois, pois.” Dito isto, virou fumaça. Pó de traque. Evaporou-se.

Boca porca a do Portuga. Mas foi a forma ideal que aquela boa alma encontrou para chacoalhar Valdomiro e tira-lo do marasmo da ociosidade. Da preguiça. Da inércia.

É...

Por vezes, dizia Confúcio, imprescindível se faz jamais negligenciarmos com os nossos pensamentos. Eles são o espelho de nós.

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Escritor com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

 As referências Lusitanas atribuídas aqui ao Sargento Mor Jerônimo Xavier de Souza, correspondem apenas e tão somente a sua vestimenta espiritual com a qual se apresentava e a sua descendência ancestral. Jerônimo Xavier de Souza, parente de Joaquim José, o Tiradentes, nascera em Vila Rica ou Ouro Preto, MG.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

VENDAS & VENDEIROS DO BREJO ANTIGO – “SÔ CARRINHO”

VENDAS & VENDEIROS DO BREJO ANTIGO  – “SÔ CARRINHO”

Enoque Alves Rodrigues

No inicio do século passado podia se contar nos dedos as poucas casas comerciais que existiam no Brejo das Almas, hoje Francisco Sá, “beldade do norte de Minas.” Aliás, somando-se com as casas residenciais, não passava, naquela época, de um diminuto amontoado de pequeninos casebres aglomerados em torno do antigo Largo da Matriz, o principal do lugar. Foi ali que se iniciou, de fato, a povoação da Cidade, que hoje se aproxima das 30 mil almas. Apenas um casarão em estilo colonial erguido no Largo da Matriz, se destacava. Era a residência da principal força politica da região e pertencia ao clã Silveira, cujo chefe era o Coronel Jacinto Alves.

Bem no “portão” de entrada do lugarejo, para quem vinha de Montes Claros, ou precisamente no morro do mocó, ficava a fazenda de Antonio Miranda. Seguindo um pouco mais adiante, se visualizava a casa velha de “Sá Jacinta”, que ficava dentro de um Sítio, onde ela criava vacas leiteiras. Mais alguns passos e já se achava diante da primeira casa comercial, na verdade, um pequeno armazém de “secos e molhados” que pertencia a Nezinho Pena. Um pouco mais em frente e se via a lojinha de Juca Brinco e a casa de Pedro Ferreira, escrivão de paz. Mais para a esquerda, por detrás da Igreja Matriz, se localizava a loja de João Caixeiro. Seguindo por aquela travessa dava-se no velho Largo do Comércio, onde se encontrava o centro comercial do pequeno distrito. Era ali que se concentravam as casas comerciais mais importantes. Lá se reuniam pequenos grupos de pessoas, em sua maioria, comerciantes, para discutirem os preços do alho, algodão, milho, feijão, cachaça, carne e outros produtos que comercializavam.

Para quem olhasse lá de cima, da esquina do velho mercado, via-se a Farmácia de Francelino Dias, o “França.” Francelino, que havia estudado em Seminário de Diamantina, além de farmacêutico, laborava, também, por força de circunstâncias, no oficio de “Médico”, pois naqueles tempos não se havia ali, naquele torrãozinho de meu Deus, nenhum profissional com curso superior, habilitado nas “exatas.” A “Clínica” de França ficava na própria farmácia. Era ele um grande perito em clínica geral. Todos os brejeiros, do mais importante ao mais simples, passavam, obrigatoriamente, pelas avaliações de França. Órfão de pai, França agora tinha como padrasto o personagem de minha crônica de hoje, “Sô Carrinho”, ou Carlos de Oliveira Pena, cuja estirpe familiar e tradição, no comércio e em vários outros ramos de atividades, inclusive no da politica, ainda predominam em dias atuais.

Grande comerciante, só que no ramo de fazendas (tecidos) e armarinhos em geral, “Sô Carrinho”, apesar de ter obtido sucesso inquestionável na arte de comerciar, não era lá de fazer muita força para isso. Falar pouco e pausado, próprio de nós, montanheses. Para inicio de conversa, abominava toda e qualquer propaganda que não fosse “boca a boca”. Dizia ele, com toda razão e propriedade, numa época em que sequer se sonhava falar um dia em propaganda enganosa ou código de defesa do consumidor, que, “quando o produto é bom não precisa falatório para vendê-lo.” “Que a propaganda mais eficiente e eficaz era aquela disseminada pelos clientes, em seu entorno, satisfeitos com os produtos adquiridos.”

Até ai, morreu neves. Talvez, quem sabe, teria eu que encerrar abruptamente este meu relato, pequeno, singelo e despretensioso, assim como o amontoado de casebres aos quais me referi lá em cima, logo no inicio dessas mal traçadas linhas, não fosse à maneira, digamos, atípica e meio surreal, com que “Sô Carrinho” cultivava ou fidelizava sua clientela. Carrancudo e, na maioria das vezes, mal humorado, nenhum sorriso oferecia. “Só produto bom.” A lei da oferta e da procura, por aquelas plagas sertanejas, aonde, em épocas um pouco mais atuais, os meus pés, outrora, rachados e descalços, pisaram, naqueles primórdios, hoje distantes, funcionava meio que às avessas. Imperava-se, quase sempre, somente a lei da procura. Significava dizer que você tinha a necessidade de buscar e adquirir algum produto para atender sua subsistência. Encontra-lo, no entanto, quando isso ocorria, era motivo de comemoração. Quem o possuía para lhe vender, por qualquer que fosse o preço, estaria, pasmem, na verdade, lhe prestando um favor. Conseguiu entender? Sigamos em frente.

Pachorrento, mas sem jamais ser mal educado com ninguém, apesar de não ser afável. Correto e probo. Zeloso, impecável e transparente em suas transações. “Sô Carrinho”, por incrível que pareça, tinha que vender fiado. E vendia. Tornou-se adepto da caderneta, ou, melhor dizendo, do velho e venerabilíssimo fiado. Postava-se no interior de sua loja e, vestido a caráter, com camisa morim branco e calça tergal azul claro, mantinha ao pescoço, a guisa de gravata, uma fita métrica. Sobre o balcão, possuía uma trena em madeira e, penduradas, à prateleira central, duas velhas e reluzentes tesouras da marca mundial. Completando o cenário, havia também, um não menos velho tamborete em couro cru, onde “Sô Carrinho” se assentava, passando ali, longas e preguiçosas horas a enrolar seu inseparável cigarrinho de palha que pitava com prazer, enquanto lia “O Lápis” ou cochilava entre uma tragada e outra. Por força do hábito, nem bem terminava de fumar um cigarro e já estava a enrolar outro, enquanto aguardava a clientela chegar. Ás vezes ali permanecia, horas e horas, por inteiras e modorrentas tardes, sem que uma vivalma surgisse. Eram comuns os seguintes diálogos entre “Sô Carrinho” e sua clientela:

- “Apôis é, Sô Carrin – dizia-lhe um enforcado justificando atraso de pagamento de um fiado qualquer -, num truxe hoje o dinhero de mecê! Mais eu picisava renová o meu crediáro. Os minino e a Maria tão picisano de ropa e as roça acuma o sinhô sabe, num deu nada nessa coiêta.”

- “Tem problema não, Joaquim – respondia assertivo -, você já me provou que é bom pagador e se não me traz o dinheiro hoje, com certeza me trará amanhã ou quando tiver. Pode levar o que precisa que eu debito pra você.”

Mas nem sempre era assim. “Sô Carrinho” sabia, como ninguém, identificar um caloteiro a quilômetros de distância. Aliás, dizia ele, que o homem traz escrito na testa o que é. Ele tinha verdadeira ojeriza pelos que não honravam seus compromissos. E nem precisava que fosse com ele. Se ele soubesse que alguém deu algum calote na praça já ficava puto da vida. Para que o individuo caísse em seu conceito e fosse jogado na vala comum dos mal pagadores não era preciso fazer muito. Bastava que o infeliz deixasse de dar uma satisfação antes de a dívida vencer. Ai o bicho pegava para o lado do caboclo.

- “E ai, Mané, quando é que você vai me pagar sua continha?” Não adianta se agachar do outro lado da rua, porque eu estou te vendo!”

- “Uai, “Sô Carrinho”, eu nem tinha visto o senhor. Eu só estava indo até a venda do Estelito (de Oliveira Pena, irmão de “Sô Carrinho”, que também tinha um comércio), para depois passar ai para trocar dois dedinhos de prosa com o senhor. “

- “Dedinho de prosa não vai adiantar nada, Diabo! O seu tempo para justificar de há muito já passou. Quanto ao prazo de pagar, nem se fala. Aqui comigo você já está com a falência decretada. Pode ser que aquela besta do Estelito ainda lhe fie alguma coisa. Ele não leva nada a sério mesmo!”

Estelito, bem diferente de “Sô Carrinho”, era muito brincalhão e costumava contar vantagens em rodas de amigos, onde ás vezes exagerava proferindo inocentes mentiras, numa época abençoada, onde todos eram felizes e não sabiam, pois a humanidade ainda não tinha por costume falar mal da vida alheia ou desejar a mulher do próximo.

Em paralelo as atividades de grande comerciante, “Sô Carrinho” ou Carlos de Oliveira Pena, foi Vereador e primeiro Vice Presidente da Câmara Municipal do Brejo das Almas. Amigo incondicional e grande correligionário do fundador, o Coronel Jacinto Silveira, além de seu fiel cabo eleitoral. Nas suas raríssimas horas vagas, ainda laborava com toda disposição como Inspetor Escolar, indicado pelo Governo. Faleceu no Brejo, em idade avançada.

É...

Por vezes, dizia Sêneca, a vida, por mais longa que possa parecer, torna-se demasiado curta, se ocupada e preenchida com atividades uteis, em toda a sua essência.

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Escritor com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 14 de janeiro de 2012

AS JOIAS DO BREJO VI – ROGÉRIO DA COSTA NEGRO II

Preâmbulo e comentários de EAR: 

 

Enoque Alves Rodrigues 

 

Em atenção a oportunos e respeitáveis “posts” inseridos no “facebook”, no último fim de semana, onde verifico pairarem dúvidas de interpretação e entendimento sobre referências que fiz em minha crônica “As Joias do Brejo VI – Rogério da Costa Negro”, publicada no http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/2011/03/as-joias-do-brejo-vi-rogerio-da-costa.html, em 20/03/2011, cumpre-me o dever de melhor clarear o tema, pormenorizadamente, a fim de que mencionadas dúvidas sejam, em definitivo, dirimidas. Para que não haja distorções, enumero e comento aludidos tópicos dentro do texto original negritado. Antes, porém, permito-me fazer aqui o seguinte introito: 

 

Quem quer que tenha lido, até aqui, uma única linha do que escrevo sobre o Brejo das Almas e seu povo, percebe, claramente, que os principais objetivos que pautam e norteiam todas as minhas crônicas consistem em elevar, enaltecer, dignificar, engrandecer e render singelas homenagens aos que passaram pelo Brejo,  além de informar, motivar, reviver e revigorar na memória dos que ficaram, principalmente, os jovens, aqueles que muito fizeram pelo nosso Brejo das Almas e que, muitas vezes, sequer são lembrados. Nesta crônica, por exemplo, quantos Brejeiros confessaram nada saberem sobre Rogério da Costa Negro? Resumindo: só escrevo sobre aqueles que realmente nos deixaram boas lições e grandes exemplos, na tortuosa e longa estrada da vida, no que tange a superação, o sair do nada, o ganhar e o perder com dignidade, sem fraquejar, onde o viver, deixar viver e saber viver, é uma arte. Rogério da Costa Negro reunia tudo isso e muito mais. Não fosse assim, eu não o teria incluído na série, onde ombreia com outros grandes vultos que muito realizaram pelo Brejo. Escrevi de 2004 até hoje, quase duas mil crônicas sobre o Brejo e seus principais personagens, e em nenhuma delas, sequer, faltei com a verdade, respeito e elegância que todos de mim esperam e merecem, incluindo ai os parentes de cada homenageado. E não me foi preciso mentir ou fantasiar nada para deixar o homenageado “bonito na fita”. É muito simples de explicar: sendo eu um cara íntegro e correto, não vou cometer o contrassenso de escrever ou prestigiar “tranqueiras”. Devo salientar que o único e maior dividendo que recebo por esse trabalho, que desenvolvo, com muito carinho, atenção e responsabilidade, até pelo fato de envolver pessoas e sentimentos alheios, no sentido de entregar aos que me leem algo o mais próximo e fiel possível da realidade, é a sensação salubre de compartilhar com vocês, indistintamente, meu modesto conhecimento sobre a Terra que nos serviu de berço. É divulgar o que é nosso. Mostrar ao Mundo os nossos reais valores, que são os grandes homens produzidos pelo Brejo e que tiveram suas vidas impolutas e imaculadas vinculadas a do próprio Brejo. Nada mais, além disso. E por possuir vasto cabedal de conhecimentos sobre o Brejo, até porque também não  costumo falar, escrever ou opinar sobre aquilo de que não tenho conhecimento, mesmo não vivendo no Brejo há muito tempo, e é por isso que só me refiro ao Brejo no passado, desenvolvo essa atividade em paralelo com incontáveis atribuições profissionais, com certa tranquilidade. De maneira que erros e enganos primários e grosseiros estão, dentro do possível, afastados. 

 

Além do mais, sou criterioso e disciplinado em tudo aquilo que faço. Pasmem, mas ainda sou desses poucos “tontos” que pensam antes de falar e matutam antes de escrever. Não dou nem mesmo um passo sem o devido planejamento. Mas nada disto me livra da falibilidade, própria de um espírito em primitivo e lento processo evolutivo, apesar de que, no caso em tela, como já me fiz entender,  nenhum engano,  falha, lapso ou erro, existiram.

 

Não tenho, creiam-me, nenhuma intenção de que o que falo ou escrevo seja aceito com unanimidade. Até porque, tenho pleno conhecimento de minhas limitações e de que toda e qualquer verdade é relativa, como tudo na vida. Assim sendo, o que para mim possa parecer a mais pura e assertiva verdade, para outros pode significar a mais tenebrosa e deslavada mentira, e vice-versa. Mas espero e desejo que qualquer comentário feito por outrem que ponha em dúvida o que escrevo se fundamente em elementos sólidos. Senão, fica fácil.

 

Quem se propõe, assim como eu, a escrever alguma coisa vinculada ao pretérito, tem que estar embasado sobre o seguinte trinômio: “eu vi, eu ouvi, eu li”. Queiram ou não, a história se fundamenta nisso. Em se tratando especificamente do episódio que narrei tendo como foco a robusta figura moral de Rogério da Costa Negro, podemos dividir todo o seu teor da seguinte forma: 5% = eu vi. 5% = eu ouvi e 90% = eu li ou (eu pesquisei). Com isso, entende-se que quase tudo o que escrevi, ressalto, positivamente, sobre Rogério da Costa Negro, pois não há nada que macule ou desabone sua ilibada conduta, caráter e personalidade, assim como de seus parentes, já foram escritos por outros, antes de mim. Lembrando que eu próprio, sem nenhuma modéstia, me intitulo pesquisador nato de tudo aquilo que se refira ao Brejo ou Francisco Sá. Para eu escrever uma crônica, livros são cotejados, memórias são retroagidas, colocando-me, frente a frente com o personagem, no tempo e no lugar dos acontecimentos. Não chuto ou invento nada. A Universidade da vida não me permite trabalhar com achismos.  Vocês podem não concordar comigo. Mas de uma coisa estejam certos, meus queridos: acredito piamente naquilo que falo, escrevo ou faço, até por que tenho por principio só avançar sobre aquilo que acredito, depois de haver feito todas as avaliações. Não vendo ilusão. Gozo do privilégio de jamais mentir e isso me basta. Com a belíssima história de vida do grande Costa Negro, não foi diferente. Vamos então ás confirmações e esclarecimentos dos parágrafos em questão: 

 

Texto original do meu blog com os comentários correspondentes: 


http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/2011/03/as-joias-do-brejo-vi-rogerio-da-costa.html 

 

AS JOIAS DO BREJO VI – ROGÉRIO DA COSTA NEGRO 

 

AS JOIAS DO BREJO VI – ROGÉRIO DA COSTA NEGRO

Enoque Alves Rodrigues

Antes que algum conterrâneo ou leitor pense que eu me esqueci de alguma das muitas jóias produzidas pelo Brejo das Almas, devido ainda não tê-las publicado nesta serie de crônicas, quero me antecipar informando que esta serie é dividida por etapas. Ou seja, na primeira etapa estão elencadas “as jóias do brejo”, na segunda, “as jóias raras do brejo” e na terceira e ultima, “as jóias raríssimas do brejo”. Independente da ordem de grandeza,  saliento que todas as jóias aqui relatadas, tiveram, resguardadas as devidas proporções, importância fundamental no cotidiano do velho Brejo das Almas. Todas elas, todos nós, inclusive este humilde operário da engenharia a qual se dedica arduamente em tempo integral e que ainda busca tempo para, com todo o amor e orgulho falar de sua terra querida, somos todos indispensáveis à vida do Brejo das Almas. Vamos então ao querido Rogério da Costa Negro.
Quando aos 7 de setembro do ano de 1924 se instalou o Município de Brejo das Almas a sua Câmara Municipal se constituía de 8 vereadores. Um deles que depois viria a ser presidente da câmara era Rogério da Costa Negro.
1)Nascido em Grão Mogol, no ano de 1889, filho de um rico português com uma criada, Rogério jamais fora reconhecido pelo pai. Ainda jovem, com a mãe mudou-se para o Brejo das Almas. Lá chegando, com muita dificuldade, abriu um pequeno comércio de uma porta só, onde colocava algumas peças de tecidos para vender. Não demorou muito e graças à dedicação e tino comercial de Rogério, aquela pequenina loja de transformou em um grande conglomerado de empresas no ramo de tecidos recebendo o pomposo nome de “Casa Branca & Costa Negro”.
1) Comentários - EAR: O menino Rogério, assim como sua mãe, foram, a pedido do rico Português, assumidos por um rapaz de Grão Mogol a quem o Português deu 50 cabeças de gado e uma fazenda. Portanto, não obstante toda a dedicação, quem criou Rogério no Brejo não era seu pai biológico. Tanto é verdade que o “Costa Negro”, foi incorporado como sobrenome de Rogério por ele próprio, devido não possuir nome de família. O “Costa” ele utilizou em alusão a sua descendência, pois era comum naqueles tempos se definir os originários de Portugal como “vindos da costa”. Quanto ao “Negro”, ele adicionou por mera fonética. Soa bem ao pronunciar. Isso ocorreu exatamente quando ele abriu a primeira loja de tecidos no Brejo. Desculpem-me, não pretendia entrar nestes detalhes, que, no entanto, em nada macula a bela Biografia de Rogério. Prefiro não prolongar neste parágrafo. Só o mencionei devido terem colocado em dúvida Luso descendência paterna de Rogério, conforme eu afirmei.
Rogério da Costa Negro progredia a olhos vistos. Possuía agora grandes fazendas de gado, plantações de diversas culturas a perderem-se de vista. Jovem, rico, bonito e famoso, ainda exercia grande influencia na Política do lugar, Rogério não tinha do que reclamar.
A sorte sem dúvida alguma o bafejara. A vida, com toda certeza lhe sorrira. Será?
2)Ainda jovem, no ano de 1925 construiu um luxuoso casarão com grande e aclimatado jardim de inverno e janelas com vitrais azuis, na Praça Duque de Caxias. Era indiscutivelmente a melhor e mais bem projetada residência do Brejo das Almas de então. Muitas festas eram dadas naquele rico e imponente casarão.
2) Comentários - EAR: A foto em destaque não se refere a do casarão de Rogério da Costa Negro. Inseri-a para simples ilustração da matéria, assim como em algumas outras matérias quando não acompanhadas de fotos originais.
Juiz de Paz, tinha ele o poder de mandar prender e soltar, presidente da câmara e outras atividades, Rogério fazia sucesso junto ao universo feminino. Onde quer que chegasse causava o maior frisson. Sempre perfumado, roupas impecáveis, sapatos lustrados, não tinha para mais ninguém.
3)Não demorou muito e Rogério da Costa Negro conheceu e casou-se com Isméria com quem teve cinco filhos. Algum tempo depois não resistindo aos encantos de uma beldade de beleza brejeira estonteante, de nome Raimunda, não pensou duas vezes e com ela teve também cinco filhos.
3) Comentários - EAR: Conheci, de vista, cinco. Pesquisas anteriores realizadas e documentos cotejados me confirmam (cinco). Fico com este número.
Rogério se auto-intitulava amante de mulheres, músicas e flores. Boêmio até a medula, varava noites e madrugadas em boates onde, despojadamente, distribuía gordas e polpudas gorjetas aos cantores e mulheres animadas. Saia da boate e se dirigia a sua linda residência, sempre acompanhado por famosa orquestra da época denominada “turma do sereno”. Rogério chegava, subia aos seus aposentos ao som de sua música preferida “sonho azul” e da janela ouvia os cantos embaixo e de lá mesmo jogava para os cantores várias cédulas de dinheiro. É claro que ninguém arredava pé dali. A fonte era muito pródiga e inesgotável.
Inseri propositadamente uma interrogação no final do parágrafo “a vida com toda certeza lhe sorrira. Será?
Pois é. Tudo na vida se acaba. Com Rogério não foi diferente. Diante dos obstáculos naturais que a vida nos coloca, Rogério acabou por derrapar em uma das muitas curvas da estrada. Com muitos filhos, agora casados, todos eles educados nas melhores escolas, gastos incontroláveis com futilidades, desperdícios infindáveis, farras homéricas, não demorou muito para que o sólido patrimônio de Costa Negro começasse a se esvair. A virar pó, literalmente. Dali a falência total foi um pulo.
4)O golpe de misericórdia que culminou com a venda de suas fazendas de gado, plantações, e da própria loja de tecidos, foi dado por um de seus filhos que havia contraído grande divida, cabendo a Rogério paga-la a fim de preservar o bom nome da família. Pouquíssimo tempo depois, até mesmo o lindo casarão de estilo colonial onde ele vivia com a família, foi dividido em pequeninos cômodos que eram alugados para pequenos comerciantes.
4) Comentários - EAR: O golpe de misericórdia ao qual esse parágrafo se refere, se efetivou não por maldade ou desvio de conduta do filho de Rogério, todos eles íntegros e corretos assim como o pai. Mas, pela sua boa fé, aliás, uma grande virtude. Saiu como avalista de um grande amigo seu numa dívida vultosa, mas o amigo não honrou o compromisso. Até mesmo nisso Rogério deu mostras de sua grandeza, vendendo tudo que tinha para quita-la e honrar o nome da família.
5)Rogério da Costa Negro agora era apenas um pobre velho trôpego e alquebrado. De toda a sua imensa prole, somente Edinha, sua filha doente e solteira, restou para lhe fazer companhia. Rogério, mesmo diante da situação de penúria ainda mantinha o espírito elevado e a alma tranqüila. Conservava toda a elegância, brilho no olhar, coragem e determinação de seus agora longínquos tempos de juventude e grande riqueza.
5) Comentários - EAR: Aqui neste parágrafo foi onde mais “me bateram”. Entenderam que eu me referia a “abandono”. Vejam que em nenhum momento utilizei esse termo. Se assim o fizesse, estaria em desacordo com o final da história onde eu falo que “a gente brejeira fez-se presente em peso para dar o último adeus” a Costa Negro. Ora, se quase toda a população do Brejo estava presente, por certo que seria até redundante a afirmativa de que os parentes também estavam lá. Claro que eles tinham que estar e estavam lá. Por isso, serei  extenso neste comentário. Prefiro pecar por excesso de detalhes que por omiti-los: Devido necessidades da vida, não tendo mais os bens do pai, Rogério, para administrarem, seus filhos casados, cônscios de seus deveres, tiveram que sair para trabalhar fora. Assim sendo, por razões óbvias a companhia filial que restou a Rogério foi do único solteiro que ficou no casarão, no caso, sua filha Edinha que, em 1975, com 41 anos, deu a luz a Isméria, Como quem sai aos seus não degenera, Edinha, agora além de cuidar de Rogério, tinha uma boca a mais para sustentar. Não titubeou e, com determinação e galhardia, sem temores ou constrangimentos fúteis e sem quaisquer apegos aos tempos de fartura de antes, foi à luta com toda dignidade. Dedicava-se, essa grande mulher, ao fabrico de algodões doces coloridos, picolés, biscoitos, além de tecer colchas de crochê, que eram vendidos, tirando daí sua digna subsistência. Mesmo após a morte de Rogério, as duas, mãe e filha, que permaneciam no casarão, continuava, Edinha, no exercício dessas atividades. Em 1997, Edinha agora com 63 anos, ainda saia às ruas para vender seus deliciosos algodões doces. Enquanto a filha Isméria, esta seguia firme no trabalho, estudos e namorando firme para casar e, pasmem-se, céticos, sem que o soubesse, cumprindo à risca, com toda naturalidade do mundo, a profecia dita pela mãe 22 anos atrás, antes de seu nascimento. Quando Edinha, solteira, com 41 anos, estava grávida de Isméria, lhe perguntaram o motivo de uma gravidez em idade já avançada. E qual foi a resposta? Para que esse alguém, que está em minha barriga, nasça e cresça para que possa cuidar de mim quando eu for mais velha. Isméria sempre se dedicou a cuidar da mãe Edinha, procurando cerca-la de todos os mimos. Devolvendo a ela, quiçá, em dobro, todos os cuidados que Edinha dedicou ao velho pai Rogério, durante muitos anos. Bem, paro por aqui senão vou acabar escrevendo sobre a vida de Edinha, que, aliás, daria várias páginas, cujo titulo da crônica poderia ser denominado de “superação”. Mas fico por aqui. Não quero que me batam mais. Já sou um velhinho cansado e acabo de retornar de uma longa viagem profissional pelo Mundo. No momento, só estou aceitando elogios e “afagos”. Rsrsrsrsrs. Um forte abraço brejeiro, meus amigos e conterrâneos. Amo vocês. Vamos em frente!
No dia 20 de Novembro de 1977, numa bela manhã primaveril, Rogério da Costa Negro partiu desta vida em direção a uma melhor, onde, para os que assim como eu, acreditam, as riquezas conquistadas aqui na terra mediante o esforço dedicado ao amor ao próximo, a benevolência, a tolerância, a caridade e principalmente o desapego as coisas materiais, jamais se acabam. São eternas.
Comovida, a gente brejeira fez-se presente em peso para dar o último adeus aquele que muito significou para o brejo. A multidão que acompanhava o cortejo de Rogério cantando sua música preferida “sonho azul” era tão grande que dava-se a impressão que nas casas do brejo não havia sobrado mais ninguém. No sepultamento a comoção era geral e incontrolável. Ao baixar o caixão ao fundo do túmulo, pétalas de rosas e aromáticos perfumes eram lançados sobre o mesmo juntamente com lágrimas de gratidão.
Rogério, certamente, agradecido pelas dádivas que ele mais admirava em vida, sorria a todos, de algum ponto invisível a olho nu do infinito.
É...
Por vezes, a maior e mais perfeita riqueza que podemos conquistar não se retém nas mãos, mas no mais além.
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

sábado, 7 de janeiro de 2012

SOBRE O BREJO DAS ALMAS – 74 ANOS SEM O FUNDADOR

SOBRE O BREJO DAS ALMAS – 74 ANOS SEM O FUNDADOR

Enoque Alves Rodrigues

Brejo das Almas, 17 horas e 30 minutos do dia 8 de Janeiro do ano de 1938. Falecia, depois de padecer por doze anos do mal de parkinson, o fundador e maior benemérito da Cidade de Brejo das Almas, ou Francisco Sá, localizada no norte de Minas, Jacinto Alves da Silveira. Portanto, amanhã, Domingo, 8 de Janeiro de 2012, completará setenta e quatro anos de seu regresso à Pátria Espiritual.

A doença de Parkinson é idiopática, ou seja, é uma doença primária de causa obscura. Há degeneração e morte celular dos neurônios produtores de dopamina. É, portanto, uma doença degenerativa do sistema nervoso central, com início geralmente após os 50 anos de idade. É uma das doenças neurológicas mais freqüentes visto que sua prevalência situa-se entre 80 e 160 casos por cem mil habitantes, acometendo, aproximadamente, 1% dos indivíduos acima de 65 anos de idade. Apesar do muito que já se pesquisaram, decorridos quase duzentos anos do descobrimento desta gravíssima enfermidade por James Parkinson, pouco ou quase nada se sabe sobre suas causas.

O fato é que, deve-se a ela, todas as conseqüências que justificam doze anos de sofrimentos impetrados ao grande e até hoje insubstituível benfeitor de Brejo das Almas. Tudo começou quando ainda vereador em Montes Claros, quando lutava pela aprovação de mais um projeto que beneficiaria o Brejo, sentiu-se as primeiras dores no dedo indicador da mão direita, a qual insistia em não obedecer aos seus comandos. Seu colega de partido, o mesmo do Dr. Honorato Alves, Antonio Ferreira de Oliveira, o Niquinho “Açúcar”, ou Farmacêutico, é quem conta com todos os detalhes, o inicio desse verdadeiro tormento, que, como já mencionei, doze anos depois ceifaria a vida de quem tanto fez pelo Brejo.

Jacinto Alves da Silveira, sobre o qual muito já falei, foi, até hoje, o único capaz de reunir todas as características que habilita qualquer individuo a afirmar ter vivido a vida em toda a sua plenitude. Descendente de famílias de Ouro Preto, assim como os Pena, Oliveira, Dias, Xavier, entre outras, esta última pertencente a genealogia do grande Mártir da Inconfidência, o Tiradentes, Jacinto, um dos muitos filhos do velho Fazendeiro José Alves da Silveira, nasceu no Brejo, lá pelos idos de 1871, quando o Brejo sequer sonhava em ter as feições de hoje. Ao contrário, assemelhava-se, muito mais, daquele dois de novembro de 1704, quando não passava de uma vasta mata às margens dos rios Verde Grande, São Domingos e Gorutuba, onde Antonio Gonçalves Figueira fincou pela primeira vez, ao lado da Lagoa das Pedras, o imenso cruzeiro que marcaria para sempre, no tempo e no espaço, o inicio  de uma nova era, de uma promissora civilização e de uma progressiva Cidade. Jacinto, ao contrário de seus outros irmãos que eram todos Fazendeiros, desde a idade tenra, apesar de rústico, já despontava para as coisas da intelectualidade, quando lia, escrevia e realizava cálculos difíceis até mesmo para quem tinha a mais polida cultura. Era, portanto, desde aqueles tempos, um iluminado, na mais clara e límpida definição do termo.

Bonito, com um metro e oitenta de altura, bigodes bem fornidos, cabelos cortados a escovinha, trajando-se sempre de brim cáque, o belo mancebo Jacinto Silveira conduzia, juntamente com outros peões, grandes manadas de gados que eram vendidas na cidade de Curralinho, hoje, Corinto, no norte de Minas Gerais. Jovem ainda conheceu e casou-se com a normalista Maria Luiza de Araújo, na velha Matriz de Montes Claros, no dia 16 de Novembro de 1895. Maria Luiza foi durante toda a vida, sua fiel e inseparável companheira, a qual seria responsável pela condução dos destinos do povo brejeiro no campo da educação e cultura, enquanto Jacinto preparava esse mesmo povo na política e principalmente para a emancipação administrativa do Brejo, que ocorreria em 1923/24. A Câmara compunha-se dos seguintes vereadores: Padre Augusto Prudêncio da Silva, Francisco Fernandes de Oliveira, José Dias Pereira Zeca, João de Deus Dias de Farias e Rogério da Costa Negro, este último, um grande comerciante do ramo de tecidos.

Lutador, pelos direitos de seu povo, probo, íntegro, transparente, correto em todas as suas atitudes, honesto até a medula, numa época em que a mosca varejeira sequer sonhava sobrevoar o mundo da política, Jacinto Silveira conduzia os destinos do povo Brejeiro pelos caminhos da retidão, assim como Moisés do Egito conduzia seu povo rumo à Terra Prometida. Jamais perdeu uma só eleição. O Brejeiro daqueles tempos sabia reconhecer os valores incontestáveis de Jacinto e o tinha como a um verdadeiro Líder. E como tal se comportava: jamais deixou de falar o que pensava. Nunca se utilizou de meias palavras. Era homem de posições definidas. Não era de ficar sobre o muro. Educação casta e polida sabia ser enérgico no tempo certo. Muitos foram os Governadores de Estado que se utilizaram do prestigio de Jacinto junto aos Brejeiros.

Rico, dono de muitas fazendas de gado e cultivo, casas comerciais e muitas outras fontes de renda, Jacinto Alves da Silveira, homem que durante toda a existência sempre teve a casa cheia de amigos e correligionários, que sem nenhum apego às coisas materiais, ajudava, com recursos próprios a todo e qualquer Brejeiro; bancava, do próprio bolso, vários candidatos em campanhas eleitorais caríssimas. Depois de ter custeado com recursos próprios a emancipação do Brejo das Almas, tendo inclusive doado prédios para comporem o conjunto arquitetônico do Município, condição esta indispensável a sua homologação, já no final da vida, corroído pela enfermidade degenerativa, ainda era obrigado a arrastar-se de sua casa até a Prefeitura, onde dava expedientes, deixando-nos o exemplo o qual sigo até hoje, de que é no trabalho onde nos enobrecemos e dignificamos. Morreu, no entanto, pobre e praticamente só, tendo a seu lado apenas alguns familiares.

Não é sem motivo que um de seus filhos, o também Coronel Geraldo Tito Silveira, assim se expressa em um de seus lindos libelos, referindo-se as injustiças das quais fora vitima o pai: “Nos áureos tempos de sua vida abastada, quando ele plantava as sementes de uma pequena fortuna, depois esbanjada nos ardores da política, feita somente para o bem-estar de outrem, sua casa solarenga vivia repleta de “amigos”. Até então, não se via pela estrada real, que ia dar à Bahia, uma só pousada ou hospedaria, de modo que os forasteiros que por ali passavam procuravam a casa do Coronel Jacinto, onde recebiam todo o conforto, gratuitamente. Muitas dessas pessoas eram acometidas de terríveis doenças inclusive febre brava!”

E arremata o grande escritor do norte de Minas, Geraldo Tito Silveira, agora, lamentando a grande injustiça da qual foi vítima o pai, Jacinto Alves da Silveira. Aliás, muito já falei sobre tal injustiça que talvez, um dia, ainda nesta minha atual encarnação, veja corrigida: “Como corolário da ingratidão dos homens, mudaram o nome de Brejo das Almas, não para perpetuar o nome de Jacinto Silveira, na terra que engrandecera, mas para honrar o nome de outro Brasileiro, ilustre, é verdade, mas que nada fizera por ela.” Refere-se ao Dr. Francisco Sá, nascido no Município, na fazenda Brejo de Santo André, que foi Ministro da Viação e levou a estrada de ferro central do Brasil até Montes Claros, que muito lhe deve.

Não sei, até porque de há muito não vivo mais no Brejo e não participo de seu dia-a-dia, se a Sociedade Brejeira, movida por nobres sentimentos de gratidão, ou, quiçá, políticos locais, se lembrarão de promover neste dia 8 de Janeiro, alguma cerimônia, por mais simples que seja, ainda que um singelo minuto de silêncio, àquele que foi, é e será, o primeiro e mais importante Brejeiro. O maior de todos, porque deu tudo de si, até a própria vida, coisa que hoje não vejo ninguém fazer, para que o Brejo das Almas ou Francisco Sá,  figurasse, no mapa de Minas e no Mapa do Brasil, como um dos progressivos Municípios Brasileiros.

Depois de permanecer longo tempo na erraticidade, acha-se, atualmente, no meio de nós. Não dentro da política que, convenhamos, mudou muito, e para pior, desde os seus tempos. Servidor incansável e dedicado que jamais fugiu à luta, não obstante toda a ingratidão com a qual lhe brindaram, acreditem céticos de plantão, em uma coisa: Se hoje se realizasse uma “chamada oral” convocando homens de bem a colaborarem com qualquer causa que tivesse por objetivo o bem comum, a justiça social, a luta contra as desigualdades dos menos favorecidos, alguém para expurgar e limpar a corrupção e tudo o que há de podre no mundo da política, ao se pronunciar o nome “Jacinto Alves da Silveira!” Com toda certeza ouviríamos, prontamente, em algum lugar do Brasil, a voz firme, forte e determinada do Coronel:  “Presente. Eis-me aqui!”

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Escritor com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/  http://www.facebook.com/profile.php?v=info&edit_info=all&ref=nur