domingo, 5 de abril de 2015

O BREJO E SUA GENTE IV - ARTHUR JARDIM


O BREJO E SUA GENTE IV – ARTHUR JARDIM

*Enoque Alves Rodrigues

Em 24/08/1949, quando Feliciano Oliveira, Prefeito de Francisco Sá, inaugurava o serviço permanente de luz elétrica fornecida pela Usina Santa Marta, a mesma que abastecia Montes Claros, poucos se lembravam de que a iniciativa daquele grande feito que agora se concretizava havia se iniciado, na verdade, dez anos antes, ou precisamente em 30/11/1939, ainda que de maneira precária, na gestão do grande Brasileiro nascido no ano de 1897, em Conselheiro Lafaiete, norte de Minas, de nome Arthur Jardim de Castro Gomes, ou melhor, Doutor, sim, ele era Doutor, não por ter sido o grande engenheiro que foi o que para nós já seria uma grande honra, mas, principalmente por sua inteligência, caráter, competência, e integridade inquestionáveis em todos os postos que ocupou. Talvez a pobreza de dados que atualmente se encontram disponíveis sobre o Doutor Arthur Jardim de Castro Gomes se justifica pela inexistência de réguas capazes de dimensiona-lo integralmente, em toda a sua magnitude. Sabemos que nem sempre a história é pródiga ou justa para com os grandes vultos que efetivamente a souberam escrever, quase sempre com letras de sangue, por que eles existiram em uma época em que tudo era mais difícil e muitas vezes para levar adiante os seus projetos tiveram de “tirar leite de pedra”, além de se sacrificar ao extremo em prol do ideal de realizar o seu melhor para assim minorar o sofrimento dos mais carentes.

O Dr. Arthur Jardim de Castro Gomes que também foi Prefeito da cidade de Corinto tornou-se Prefeito de Francisco Sá de 1938 á 1942, no período intervencionista, em substituição ao Dr. João Bawden Teixeira que morreu repentinamente. Em sua bem-sucedida administração frente à Prefeitura Brejeira a cidade que ainda chorava seu líder recentemente desaparecido (08/01/1938) se transformou em um verdadeiro canteiro de obras. O arrojado Plano Diretor que o Prefeito Dr. Arthur Jardim escreveria de próprio punho para por em prática no primeiro ano de seu mandato, contemplou todas as áreas vinculadas direta ou indiretamente ao desenvolvimento urbano do sofrido Município de maneira que ao chegar ao final de sua gestão quase nada restava por fazer do que havia planejado. Em seu relatório, a guisa de prestação de contas, que ele escreveu e enviou ao então Governador do Estado de Minas, Benedito Valadares, em dezembro de 1942, deixa claro em linguagem simples e objetiva que soube dignificar o cargo que lhe fora confiado com grandes e incalculáveis realizações em beneficio da cidade e de seus munícipes, que lhe propiciavam á consciência tranquila do dever cumprido.

Enumerar as realizações do Dr. Arthur Jardim na Prefeitura do Brejo significa correr riscos de omissão. Fez tanto que ainda hoje permanecem inabaláveis os pilares de sua administração. Da radical mudança topográfica do antigo traçado das ruas brejeiras com aterramentos colossais que sepultavam o feio fazendo brotar o bonito, escavações que punham abaixo montanhas de terra que durante anos desafiaram cabeças geniais, terraplenagens extensas e nivelamentos abismais que colocavam cara a cara em condição de igualdade o aclive íngreme com o declive, empedramentos, prédios, jardins, barragens, criou bairros e distritos, etc.

O Prefeitão Arthur Jardim abusava de suas multifaces qualidades na cavernosa arte de “engenhar”. Grande parte dos projetos que executou quando se achava na Prefeitura do Brejo foram produzidos por ele. Saíram de sua prancheta e ganharam formas pelo seu nanquim. Ele mesmo os fazia e ainda corria para executa-los. Também, pudera. O cara era tudo na engenharia. Ele era engenheiro topógrafo, engenheiro civil e eletricista, engenheiro rural, engenheiro paisagístico e engenheiro urbano. Para o Brejo das Almas daqueles tempos, então, o Dr. Arthur Jardim não poderia ter vindo em hora mais oportuna.  Ele era também escritor, conferencista, jornalista e articulista de vários jornais entre eles, “Gazeta do Norte”, “Gazeta do Lavrador” e “Diário da Noite”, entre outros.

Membro da Maçonaria onde praticava fervorosamente seu amor e devoção por todos. Intelectual acadêmico, tendo ocupado a cadeira de nº 26 da Academia Montesclarense de Letras, é também naquele egrégio templo do saber patrono da cadeira de nº 14 ocupada com humildade, sapiência e galhardia pela escritora e professora Karla Celene Campos. O Dr. Arthur Jardim foi também funcionário graduado de instituições de renome e projeção nacional como Estrada de Ferro Central do Brasil, Departamento de Estradas e Rodagens, Departamento de Águas e Esgotos de Minas Gerais, etc.

Fez todos os seus estudos, do primário á Escola Superior de Engenharia em Belo Horizonte. Foram seus pais José Henrique de Castro Gomes e dona Celestina Jardim de Castro Gomes.

Mesmo não sendo o Dr. Arthur Jardim de Castro Gomes, Brejeiro de nascimento, conhecia o brejo como ninguém ao ponto de escrever a mais bela e completa monografia onde discorre com riqueza de pormenores nossa região como a fauna com suas variadas espécies de animais domésticos que vivem no Município de Francisco Sá, que em sua maioria se constituem das mais comuns em varias partes do Brasil. Aves e pássaros selvagens característicos da região, canoros e de belas plumagens. Dentre eles o sofrê, o corricho, o canarinho amarelo e o pardo, o pintassilgo, a patativa, o bicudo, o curió, o pássaro preto de três espécies, o cardeal e a brabeza e mais seis espécies de beija-flores. Há também as pombinhas verdadeiras e amargosas, a juriti, a inhambu, a zabelê, o sabiá, o tico-tico, o bem-te-vi, a codorna, o quem-quem, os anuns pretos e brancos, as rolinhas pedrês e parda, o João congo, o João de barro, e muitos outros. Com relação às aves de rapina, catalogou varias espécies de gaviões de penacho e o carcará. Em se tratando dos animais selvagens mencionou a suçuarana, a lombo-preto, e em algumas regiões o tigre, a anta, os gatos maracajá e marisco, a raposa, o caititu, o queixada, os tamanduás, os tatus pebas e bola, a paca, os veados, os coelhos, as cutias, o guaxo, os preás e a jaratataca. Quanto a serpentes, a maior mesmo é a jiboia, a caninana, a jararacuçu, a cipó, a cascavel, a coral, a jararaca e outras mais. No tocante as variedades de peixes são muitas, a começar pelo grande surubi do rio verde grande, o dourado, as curumbatás, as traíras, o piau e, ainda no rio verde e várias lagoas, os grandes jacarés, as ferozes piranhas, os mandis, etc.

Referindo-se á flora o Dr. Arthur Jardim nos diz ser quase toda constituída de CAMPOS – Limpos, Cerrados e Gerais. CAATINGAS – Altas, de vazantes, baixas e médias. CATANDUVAS – Altas e Baixas. Informa que nas Catanduvas encontram-se o Pau de óleo, garapa, potumujú, ipê, catinga de porco, e outras mais. Já nos cerrados o pau terra, o vinhático, a cagaiteira, a samambaia, o tingui, a caraíba, o angico e outros, quanto às serras que rodeiam o nosso município destacou todas elas de acordo com suas grandezas como a Serra do Catuni, um planalto que desce bruscamente, na vertente ocidental, que é a do Verde Grande, de 900 – 1000 metros de altitude média, 700 – 650 na base da elevação, etc. Falou da orografia á composição do solo e subsolo brejeiro que segundo os seus estudos geotécnicos avançadíssimos para a época, são compostos de várias camadas entre elas a de argila, calcário, lajedos, xistos, cascalho, quartzo, entre outras. Sobre a hidrografia do Brejo das Almas o Dr. Arthur informava ser ela pobre tendo em vista que a maioria dos rios e córregos que banham o Município é feita de rios temporários, ou seja, aqueles que só existem no período das chuvas tendo destacado como principais permanentes naqueles tempos hoje nem tanto, o Verde Grande, o São Domingos, e o Gorutuba, etc.

O Doutor Arthur Jardim utilizou em beneficio de Francisco Sá grande parte de seus conhecimentos topográficos, pois com desprendimento e generosidade que somente os que atingiram elevados níveis de grandeza são capazes, graças ao seu amor incondicional pelo Brejo, colocou o nosso município no mapa do mundo ao embrenhar-se em suas entranhas de matas fechadas de difícil acesso, tendo convivido durante trinta dias com todo tipo de obstáculos, onde o caboclo lhe transmitia em dialeto nativo seus usos e costumes e outras preciosidades roceiras que viriam ilustrar o seu rico libelo monógrafo, tendo de lá retornado somente depois de concluir os estudos das linhas imaginárias e seus paralelos, meridianos, latitudes e longitudes que definiriam com exatidão as coordenadas geográficas ou a posição que ocupa a Cidade de Francisco Sá no Globo por onde todo e qualquer ser em qualquer parte do Planeta consegue localiza-la. Talvez para você, da geração GPS, isso não diz nada, mas naqueles tempos significava tudo.

Ufa!

Que prazer falar do grande homem que foi o Doutor Arthur Jardim de Castro Gomes. Que bom poder enaltecer aqui neste pequeno espaço, um pouco do muito que ele fez. Que ótimo seria se os brejeiros de hoje e pósteros jamais o esquecessem.

E tenho dito!

*Enoque Alves Rodrigues nasceu no Brejo das Almas.

Vem ai, Feliciano Oliveira. Aguardem!
 

domingo, 1 de março de 2015

O BREJO E SUA GENTE III - NECO SURDO



O BREJO E SUA GENTE III – NECO SURDO


*Enoque Alves Rodrigues


Quando no final do ano letivo de 1924 o professor José Maria Fernandes que lecionava na única escola do Brejo das Almas foi substituído pelo professor Manuel José Veloso, vulgo Neco Surdo, codinome este alusivo ao seu estado de surdez, apenas a normalista Maria Luiza Silveira, maestra maior, cuja batuta o velho Neco obedecia, sabia que não se tratava de uma simples e corriqueira transição, não obstante tê-la efetuado sob o argumento mais que justificado que consistia no sério envolvimento do antecessor com o álcool. Discreta e silenciosamente, escrevia-se ali, com letras indeléveis, o prenúncio de uma nova era que revolucionaria, durante muito tempo, o ensino pedagógico no município recentemente emancipado.

Trôpego e alquebrado. Muito mais velho que o professor anterior, Neco Surdo também se diferia deste no tocante a metodologia. Também adepto da palmatória, é verdade, mas bem menos rigoroso e mesmo ranzinza, era, por vezes, alegre, compreensivo, tolerante e brincalhão. Enquanto José Maria se utilizava de uma rigidez arcaica onde qualquer displicência do aluno era punida com a palmatória, o sucessor, de jeitos simples e despojados, apesar de enérgico, distribuía simpatias na mesma proporção em que irradiava didática e cultura para a petizada carente do saber. A sua deficiência auditiva em nada interferia em sua conduta e eficiência pois, sempre que alguma dificuldade em entender ou fazer a leitura labial do aluno lhe surgia que o impossibilitasse de dispensar-lhe a atenção necessária e sanar ás duvidas, ele recorria, imediatamente, à mímica e trejeitos do inspetor escolar Mateus Alves. O único problema, bem, temos então um problema, contrariamente ao que afirmei poucas linhas atrás, era que o inspetor Mateus em matéria de mímica era uma negação. Jamais havia frequentado uma “Universidade de Mímica”. Sabia tanto de mímica quanto este velho engenheiro de medicina. Mas ele dava lá suas pauladinhas. E assim, de gestos em gestos, entre uma careta e outra, inspetor, professor e alunos iam se entendendo e a cultura ali só se expandia. Grandes homens se formaram naquela época pelas mãos do professor Neco Surdo.

Ao mesmo tempo em que se preparava para abolir a palmatória naquela escola, ele trouxe de volta ás mãos dos alunos, o lápis e o caderno que, inusitadamente, haviam sido proibidos pelo professor de antes que dizia serem desnecessários por que os alunos tinham de decorar em dez minutos os textos que ele escrevia no quadro negro assim como as frações aritméticas. Quanto aos intervalos de recreios onde José Maria colocava, sistematicamente, a molecada para carpir mato, o bom Manuel José aproveitava para brincar com as crianças e ao mesmo tempo solucionar questões pontuais que porventura não conseguiram assimilar na formalidade do ambiente escolar. Enquanto os meninos jogavam com bola de meia, ás meninas que se mantinham separadas dos meninos somente nos intervalos, jogavam peteca. Numa época em que sequer se falava em emancipação feminina era impensável imaginar que naquelas bandas pouca distinção havia entre meninos e meninas que compartilhavam dos mesmos anseios de ser alguém, depositando nas mãos de um simples professor ás rédeas de seus destinos que invariavelmente os conduziriam pelos caminhos do bem.

Certa vez ou precisamente no dia 22/12/1925 o padre Augusto Prudêncio da Silva saia de seu Orfanato na Rua da Amargura em direção a Rua das Aroeiras onde se localizava a escola do professor Neco. Vinha ele numa missão muito importante: elegeria os dez melhores alunos que haviam se destacado naquele ano para que passassem o Natal junto aos seus quarenta pequeninos dos quais ele cuidava com o maior carinho. O padre chegou ali na hora do recreio e desejava observar à maneira com que cada criança se comportava no pátio. Neco não sabia daquela visita inesperada. Não havia sido informado. Os padres daqueles tempos eram tidos como fieis representantes de Deus na terra além de serem dignos de todas as honras de um chefe de estado. Qualquer município tinha dois gestores, o padre e o prefeito. Sem contar que àquela época o padre Augusto que havia sido prefeito em Montes Claros (1901/1904) era, também, vereador no Brejo. Apesar de bondoso e compreensivo, ele era demasiado rigoroso. Todos conheciam sua fama de homem enérgico que não tergiversava quando tinha de falar a verdade.

Por uma razão que a própria desconhece, coube ao pobre do inspetor escolar Mateus Alves visualizar primeiro o padre que, aparentemente não o vira. Ato contínuo, disfarçada e sorrateiramente, tratou de correr para avisar o professor Neco Surdo que, entretido, batia uma bolinha com os seus pupilos do outro lado do muro. Apesar da curta distância, inútil seria gritar. Primeiro por que Neco era surdo e não o ouviria e segundo porque poderia chamar a atenção do padre que aguardava.

Criativo ou sem saída, não importa. É a necessidade que faz o sapo pular. Lançou mão de um pano branco o qual pôs sobre a cabeça e galgou a escada no sentido de sinalizar para Neco do outro lado. Por mais que Mateus tentasse, Neco não conseguia ler-lhe os gestos. Quando ele passava á mão sobre o pano branco na cabeça em alusão à túnica e aos cabelos brancos do padre, Neco, irritado, gesticulava de lá o chamando de velha coroca e caduca. Paciente, Mateus, cujo interesse era apenas salvar a pele do mestre, colocou um dos pés sobre o muro com o qual pretendia imitar o padre que mancava de uma das pernas. Escorregou-se caindo de costas aos pés do padre que bem mais alto que ele observava há muito tempo o professor Neco interagindo com os seus alunos em um momento de paz e descontração que o padre ao invés de repreender como pensava Mateus, elogiou, assim se expressando:

- “É muito bonito de se ver um professor, do alto do seu saber, se divertindo com os seus alunos onde por alguns instantes se nivelam como criaturinhas de Deus que são!”.

E virando-se para Mateus, disse-lhe:

- “Levanta-te daí, meu filho... Essa brincadeira sua de subir em muro e ficar pulando igual Saci Pererê com uma perna só não é nada saudável e você pode se machucar... Vá brincar junto aos demais. Por favor, avise ao professor Neco que quando terminar o recreio preciso falar com ele. É sobre o Natal das crianças daqui!”.

Pois é.

A vida é simples de ser vivida. Somos nós que a dificultamos, por vezes, quando queremos nos antecipar ao pensamento dos outros.

E tenho dito.

*Enoque Alves Rodrigues nasceu no Brejo das Almas.

Atenção: Vem ai, Feliciano Oliveira!

domingo, 1 de fevereiro de 2015

O BREJO E SUA GENTE II - PADRE AUGUSTO


O BREJO E SUA GENTE II – PADRE AUGUSTO

*Enoque Alves Rodrigues

Augusto Prudêncio da Silva nasceu no dia 31 de Julho de 1856, em Montes Claros, quando esta localidade situada ao norte de Minas Gerais já não era mais uma colônia dos temidos índios tapuias ou do bravo Bandeirante Antônio Gonçalves Figueira. A praça onde hoje se encontra erguida a velha Matriz era o ponto central da comunidade. Algumas ruas adjacentes já eram calçadas o que dava um aspecto limpo e civilizado ao lugar.

Aos cinco anos de idade, seus pais, Camilo Prudêncio e Maria já notavam sua forte inclinação para as coisas eclesiásticas. Aos sete anos Augusto Prudêncio já acompanhava o vigário, o cônego Chaves, seu padrinho, no lombo do cavalo em viagens pelas freguesias. Dois anos depois de o primeiro bispo de Diamantina, dom João Antônio dos Santos fundar o Seminário Diocesano naquela cidade, em 1865, Augusto, então com 11 anos foi internado neste Seminário no ano de 1867, graças á influência do cônego Chaves, de onde, 12 anos depois se sagraria padre, após receber a ordem de subdiácono em 20/06/1878, de diácono em 21/12/1878 e ter lecionado latim no próprio Seminário enquanto aguardava completar a idade mínima de 23 anos para ser consagrado padre o que viria a ocorrer no dia 03/08/1879.

Augusto era aos vinte e três anos quando se tornou padre, um jovem muito bonito, alto, (media 1,81 metro), musculoso, loiro, de olhos azuis, lábios grossos e usava óculos com lentes pequenas e aros de ouro em decorrência de leve miopia que segundo diziam, fora causada pela intensa leitura muitas vezes á luz de lamparina altas horas da noite.

Aos 23 anos ou precisamente no dia 16 de agosto de 1879, vestindo uma batina nova de tecido brilhante, colarinho rendado e um barrete de três bicos o jovem Augusto Prudêncio acompanhado de uma multidão de amigos e vizinhos, saia da residência de seus pais em direção a Igreja Matriz, que naquele tempo se denominava de Paróquia de Nossa Senhora da Conceição e São José de Montes Claros, onde celebraria a sua primeira missa. Augusto foi o terceiro pároco daquela Igreja construída inicialmente no ano de 1769 como simples capela passando por várias mutações até chegar ao estágio atual. A primeira criança batizada pelo padre Augusto, ainda em Montes Claros, chamou-se Osório tendo o jovem padre se afeiçoado tanto a este menino que o tomou como pupilo e foi responsável pela sua criação e educação. Talvez tenha iniciado ai o seu grande amor e devoção que demonstrou durante toda a sua vida de quase 75 anos de idade pelos pequeninos menos favorecidos que ampararia em seu orfanato na cidade que adotaria como berço como veremos na sequência.

De vez em quando o Padre Augusto, montava a cavalo e chegava até o distrito de São Gonçalo de Brejo das Almas, a fim de visitar os parentes. Ele já ia ali anteriormente para ministrar as festas religiosas, hospedando-se em casa do coronel Jacinto Silveira. Falecida a sua mãe, em Montes Claros, consolidou-se a sua transferência em definitivo para a freguesia de Brejo das Almas.

Em 1904, depois de haver exercido o cargo de presidente da Câmara de Vereadores e chefe do Executivo municipal (prefeito – 1901/1904) em sua terra natal, Montes Claros, após eleição disputadíssima e cheia de peripécias, por solicitação própria feita a Dom Joaquim Silvério, sucessor de Dom João, foi transferido para a freguesia de São Gonçalo de Brejo das Almas, hoje Francisco Sá. Tratava-se de um recanto solitário, para onde nenhum outro padre se arriscaria. Pequeno lugarejo próximo á serra do Catuni cuja origem remonta á época colonial, quando o garimpeiro audacioso se aventurava pelos sertões à procura de pedras preciosas, no mesmo lugar onde um dia (02/11/1704) certo bandeirante fincou um rústico cruzeiro em madeira e bradou alto e bom som um vaticínio que infelizmente ainda hoje em dias atuais do ano da graça de 2015 não se confirmou completamente de que aquela terra se transformaria em um comércio próspero e que muito orgulho daria aos seus locais. O amigão ao qual me refiro que não era Mineiro do brejo como nós, mas Paulista de Santos, só não conseguiu ver em sua bola de cristal os obstáculos que seus pósteros teriam de transpor para levarem adiante a árdua tarefa diagnosticada em sua otimista premonição da qual podemos dizer com a imparcialidade natural de filhos das Alterosas que até o momento pouco se cumpriu, a não ser o amor, orgulho e devoção que mantemos pelo Brejo das Almas, nossa terra, que permanecem impregnados, incondicionalmente, em nossa mente, coração e espirito e como bons Brejeiros que somos almejamos um dia ver todas as predições do grande desbravador cumpridas.

Sua posse como vigário do Brejo foi festejada durante oito dias seguidos, recebendo a freguesia das mãos do vigário de Grão Mogol, padre Agapito. Como a paróquia não tinha casa para residência do padre, Augusto passou a residir em companhia de Jacinto Silveira.

No Brejo das Almas o grande Brasileiro, pescador de almas, Augusto Prudêncio da Silva, foi escrevendo, paulatinamente, com a caneta da humildade e amor ao próximo os seus exemplos de vida, cuja marca persiste até hoje não obstante decorridos 84 anos desde que partiu (17/03/1931) vitimado por um câncer na garganta, primeiramente descoberto pelo competente “doutor da farmácia” Niquinho, e depois confirmado pelo doutorzão João José Alves, na bela MOC.

A primeira escola pública de Brejo das Almas deve a sua criação ao Padre Augusto, que a construiu ao lado da casa de Jacinto Silveira. Como a esposa deste era normalista, a seu pedido, o Governo nomeou-a professora, abrindo assim a primeira picada no ensino primário naquela diminuta povoação. Árduo defensor dos pobres e oprimidos construiu anexo à casa paroquial um orfanato onde amparava a infância órfã de quarenta crianças o qual mantinha á duras penas com os parcos recursos que conseguia angariar.

Realizou a ampliação da antiga igreja e no campo da religião promoveu verdadeira revolução litúrgica junto aos fiéis que só fazia aumentar. Comandava pessoalmente as festas religiosas com danças, cânticos e gincanas onde a população prazerosamente se divertia. Nas artes, com os meninos de seu orfanato, organizou uma banda de música a qual deu o nome de LIRA que tinha a frente o Mestre José Maria e com ela disputavam torneios musicais com bandas de Montes Claros. Com isto o padre Augusto incentivava o culto das artes e das letras completando a formação intelectual de seus alunos, pois os mesmos já tinham oficinas de carpintaria e sapataria onde aprendiam o ofício para a conquista do pão.

Na Política Brejeira Augusto foi vereador atuante (1924/1930) na primeira legislatura do recém-instalado município. Na ordem pública, peitou muitos bandoleiros em inúmeras colunas de desordeiros que antes se formavam nos confins do nordeste e que se dirigiam ás localidades ermas para promoverem a barbárie como assaltos, estupros e assassinatos de pessoas indefesas. Entre os bandoleiros, Manduca e Alfredo, vulgo “Alfredão” eram os mais temidos. O primeiro cismou de amarrar um cavalo no cruzeiro em frente à igreja quando o padre rezava missa. Incontinenti, pediu licença aos fiéis, interrompeu a missa, foi lá fora e passou o maior sabão no valente Manduca que, amedrontado com o padre, desamarrou a animália do cruzeiro, mas no dia seguinte foi à forra, roubando-lhe três vacas que o padre de igual forma o fez devolver debaixo de vaias de seus capangas. Já Alfredo teve de interromper várias festas que promovia ao som de músicas altas e muita cachaça. O padre Augusto chegava, dava um horário para o bandoleiro por fim a farra e não tinha mais conversa.

Possuía o dom da premonição e clarividência. Com o seu simples olhar mandava quebrantos e outras mandingas para o espaço. No tempo em que viveu, a lei do mais forte era mantida á mira da escopeta. A sua forma correta de ser e agir o fez se encontrar muitas vezes na mira de alguém com o dedo no gatilho que, no entanto, não disparava por que na hora “h” o dedão do valente borra-botas travava o qual pilhado pelo padre em seu desafortunado intento se derretia todo se ajoelhando aos pés do padre a pedir perdão que só era dado depois de grande sermão que invariavelmente deixava o absolvido em palpos de aranha. São inúmeras as ações com as forças ocultas que tem o padre Augusto no centro. Possuía uma força no olhar capaz de ver atrás dos montes e mover montanhas. Não as utilizava, no entanto, salvo quando necessário.

Em seus aniversários a Rua da Amargura onde morava era toda enfeitada. Em 31/07/1916 quando ele completou sessenta anos, vários discursos foram ali proferido sendo o que mais o emocionou foi o da menina Edith Silveira com o menino José Galvão Bicalho que lhe ofereceram um ramalhete de flores.  Á missa de ação de graças comparecia quase toda população brejeira.

Afirmam os médicos que o câncer é uma das doenças mais cruéis e que mais atormenta o organismo do homem. Como corolário aos que vieram ao mundo em missão santificada, o padre Augusto Prudêncio da Silva colhido que foi pela doença, muito sofreu. Jamais a amaldiçoou. Ao contrário, cansado, com 74 anos, vergava agora sob o peso inclemente das dores que nem mesmo a agulhada de morfina conseguia conter. Nestes momentos de dores extensas seus olhos azuis lacrimejavam e ele delirava. Em seu delírio de frases desconexas o que se ouvia entre um gemido e outro eram “Senhor”... “Maria”... “Estou”... “Aqui”... ”Abade”... “Confessor”...

A folhinha marcava 17 de março do ano de 1931. Um velho patacão talhado em madeira localizado em sua cabeceira assinalava 15 horas e 23 minutos, quando o Padre Augusto Prudêncio da Silva deu o seu último suspiro após receber a extrema unção que lhe foi dada pelo Cônego Marcos Premonstatense, Salineiro, de origem belga.

Ninguém ali queria acreditar que um ser tão bondoso fosse colhido nas malhas da morte. O imenso cortejo o levaria de novo à velha Matriz onde merecidamente frui o repouso dos justos. Sim, apenas repousa, por que os justos e bons não dormem, jamais.

E tenho dito.

*Enoque Alves Rodrigues nasceu no Brejo das Almas.
 

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O BREJO E SUA GENTE I - JACINTO SILVEIRA


O BREJO E SUA GENTE I – JACINTO SILVEIRA
 
*Enoque Alves Rodrigues
 
No próximo dia 8 de Janeiro de 2015 o nosso querido Brejo das Almas ou Francisco Sá estará completando 77 anos desde que viu partir rumo ao mundo maior, com quase 67 anos de idade, o seu fundador e principal defensor Jacinto Alves da Silveira, que durante toda a vida travou, no campo de batalha da politica, na maioria das vezes enfrentando inimigos sem rostos, ocultos por falsidades e traições, lutas ferozes que varavam noites, no sentido de ver concretizado o sonho de emancipação politico-administrativa do Brejo das Almas do município de Montes Claros o que ocorreria em 1923/24, para que através deste feito, conforme ele imaginava, o seu povo pudesse usufruir-se de dias melhores e de um futuro menos incerto. Faleceu Jacinto em 1938 depois de ter padecido durante doze longos anos do mal de Parkinson cuja patologia neurológica degenerativa o obrigava a arrastar-se pelas ruas do Brejo até a antiga sede do agora município onde trabalhava arduamente numa demonstração clara e inequívoca de dignidade, retidão de caráter, força e persistência, deixando gravado em letras indeléveis à posteridade os mais sólidos e reais exemplos de vida que se encontram apenas na lide honrada uma vez que somente por este caminho o homem consegue escrever o seu próprio nome nos anais de uma história igualmente digna e longeva.
 
Lutador incansável pelos direitos de seu povo, íntegro, transparente, correto em todas as suas atitudes, honesto até a medula, numa época em que a mosca varejeira já sobrevoava o mundo da política, Jacinto Silveira conduzia os destinos do povo Brejeiro para o porvir, assim como Moisés do Egito o seu povo rumo à Terra Prometida. Jamais perdeu uma eleição. O Brejeiro daqueles tempos sabia reconhecer os valores inalienáveis daquele homem e o tinha como a um verdadeiro Líder. E como tal ele se comportava: respeitador e cerimonioso, de falar pausado, mirava sempre nos olhos do interlocutor e não o interrompia enquanto falava. Firme, convincente e assertivo. Jamais tergiversou ou se utilizou de meias verdades para expressar o seu pensamento. Era homem de posições claras e definidas. Benevolente e despojado, servia a todos com amor sem pedir nada em troca. Disciplinado, sabia ser enérgico sem ser jactante. Muitos foram os Governadores de Estado que utilizaram o prestigio de Jacinto. A palavra dele era uma ordem e nela todo e qualquer Brejeiro acreditava cegamente por que Jacinto a proferia com clareza e nunca deixou de cumpri-la.
 
Jacinto Alves da Silveira foi, até hoje, o único capaz de reunir todos os predicados que habilitam qualquer individuo a afirmar ter vivido a vida em toda a sua plenitude na prática do bem. Descendente de famílias de Ouro Preto, assim como Pena, Oliveira, Dias, Xavier, entre outras, Jacinto, um dos muitos filhos do velho Fazendeiro José Alves da Silveira, nasceu no Brejo, lá pelos idos de 1871, quando o Brejo sequer sonhava em ter as feições de hoje. Assemelhava-se, muito mais, ao longínquo dois de novembro de 1704, quando não passava de uma vasta mata às margens dos rios Verde Grande, São Domingos e Gorutuba, onde Antônio Gonçalves Figueira fincou pela primeira vez, ao lado da Lagoa das Pedras, o imenso cruzeiro que marcaria para sempre, no tempo e no espaço, o inicio de uma nova era. Jacinto, ao contrário de seus outros irmãos que eram todos Fazendeiros, desde a infância, apesar de rústico, já se revelava muito inteligente, quando lia, escrevia e realizava cálculos difíceis até mesmo para quem tinha a mais elevada cultura. Era, desde aqueles tempos, um iluminado, na mais clara e límpida definição do termo.
 
Alto, bigodes aparados e cabelos cortados à escovinha, Jacinto trajava-se sempre de brim-cáqui. Em sua juventude percorria no lombo do cavalo por estradas de chão batido, a longa distância de 270 quilômetros conduzindo grandes manadas de gados de corte que eram vendidas na cidade de Curralinho, hoje, Corinto, situada ao norte de Minas Gerais. Com 24 anos conheceu e casou-se com a normalista Maria Luiza de Araújo, na velha Matriz de Montes Claros, no dia 16 de Novembro de 1895. Maria Luiza foi durante toda a vida, sua fiel e inseparável companheira, a qual foi responsável pela condução dos destinos do povo brejeiro no campo da educação e cultura, enquanto Jacinto preparava esse mesmo povo na política e principalmente para a emancipação administrativa do Brejo. Jacinto foi o primeiro presidente da primeira legislatura municipal brejeira, 1924/1930, que era composta pelos seguintes vereadores: Padre Augusto Prudêncio da Silva, Francisco Fernandes de Oliveira, José Dias Pereira Zeca, João de Deus Dias de Farias e Rogério da Costa Negro, este último, um grande comerciante do ramo de tecidos.
 
Rico, dono de várias fazendas de gado e cultivo, casas comerciais e muitas outras fontes de renda, Jacinto Alves da Silveira, homem que durante toda a existência sempre teve a casa cheia de amigos e correligionários aos quais sempre ajudava com recursos pessoais, sem qualquer interesse ou apego material senão ao simples prazer de servir. Bancava, do próprio bolso, inúmeros candidatos em campanhas eleitorais caríssimas. Depois de ter custeado a emancipação do Brejo das Almas onde, também, doou ao estado prédios de sua propriedade para comporem a Sede Administrativa e o Conjunto Arquitetônico do Município, condição esta indispensável a sua aprovação e homologação, morreu, no entanto, pobre, mas digno e praticamente só, tendo ao seu lado apenas os familiares mais próximos.
 
Não é sem motivo que um de seus filhos, o também Coronel Geraldo Tito Silveira, assim se expressa em um de seus lindos libelos, referindo-se as indiferenças das quais fora vitima o pai: “Nos áureos tempos de sua vida abastada, quando ele plantava as sementes de uma pequena fortuna, depois esbanjada nos ardores da política, feita somente para o bem-estar de outrem, sua casa solarenga vivia repleta de “amigos”. Até então, não se via pela estrada real, que ia dar à Bahia, uma só pousada ou hospedaria, de modo que os forasteiros que por ali passavam procuravam a casa do Coronel Jacinto, onde recebiam todo o conforto, gratuitamente. Muitas dessas pessoas eram acometidas de terríveis pestes inclusive febre brava!”.
 
E arremata o grande escritor do Norte de Minas, Geraldo Tito Silveira, agora lamentando mais uma grande injustiça com a qual brindaram o pai. Aliás, muito já falei sobre tal injustiça que espero um dia, quiçá nessa atual encarnação ver corrigida: “Como corolário da ingratidão dos homens, mudaram o nome de Brejo das Almas, não para perpetuar o nome de Jacinto Silveira, na terra que engrandecera, mas para honrar o nome de outro Brasileiro, Ilustre, é verdade, mas que nada fizera por ela.”. Refere-se ao Doutor Francisco Sá, (1862-1936), nascido na fazenda Brejo de Santo André, que naqueles tempos pertencia ao Município de Grão Mogol e que foi Ministro da Viação e levou a Estrada de Ferro Central do Brasil até Montes Claros, esta sim, muito lhe deve.
 
Servidor nato e dedicado que jamais guardou mágoas ou fugiu à luta, não obstante toda a ingratidão que recebeu, em virtude de seu incondicional amor pelo Brejo e seu povo, se realizassem hoje uma chamada oral convocando homens de bem a colaborarem com qualquer causa que tivesse por objetivo o bem comum, a justiça social, a luta contra as desigualdades dos menos favorecidos, alguém, digno, decente, probo e humano em quem, todos nós pudéssemos nos espelhar, ao gritarem o nome “Jacinto Alves da Silveira!”, com toda certeza ouviríamos, prontamente, em algum lugar do Brasil a voz firme, forte e determinada do coronel e grande Líder Brejeiro:
 
“Presente... Eis-me aqui!”.
 
E tenho dito.
 
*Enoque Alves Rodrigues nasceu no Brejo das Almas.