sábado, 25 de junho de 2011

MINEIRISMO BREJEIRO – MANÉL DE VOVÓ

MINEIRISMO BREJEIRO – MANÉL DE VOVÓ

Enoque Alves Rodrigues

Antigo proprietário de bar em Francisco Sá, Manél de Vovó era muito conhecido e famoso devido ao esmero com que preparava suas garrafadas de pingas, nas quais adicionava desde raízes de vegetais do serrado brejeiro até a bela cobrinha coral, que dava um tom colorido às garrafas, quase sempre brancas.
A cachaça era curtida com aquelas exóticas misturas durante várias semanas. Depois, eram servidas em doses generosas, aos tropeiros cansados que pairavam naquele bar confortável, tendo a frente o manguezal do Clovão, com fartas pastagens verdejantes para suas montarias.
Ali era o que se poderia chamar de “o paraíso dos tropeiros”. Enquanto lá fora, os muares degustavam os brotos ainda em formação do legitimo capim colonião, dentro do bar de Manél de Vovó, na verdade um barraco de madeiras que ficava bem na saída da Cidade, à beira da estrada principal de acesso a todos os confins do norte de Minas Gerais, seus donos, os tropeiros, faziam a festa.
Manél de Vovó, um senhor já de meia idade, moreno, alto, que possuía somente um braço, não me lembro qual, era ágil na alquimia das garrafadas além de exímio cozinheiro, que preparava pratos saborosos que segundo a própria freguesia comentava, também eram afrodisíacos, quase sempre compostos por ovos de codorna e sarapatel, acompanhados de arroz branco, feijão de corda e farinha de mandioca. Era este o prato do dia, ou melhor, de todos os dias. Como sobremesa, casadinhos de queijos com marmelada que ficavam em um prato sobre o balcão. Vinha gente de diversas regiões, de todos os lados para saborear as famosas iguarias do Bar de Manél de Vovó. Enquanto os muitos bares do Brejo das Almas se achavam às moscas, a espera de um mísero freguês, amargando prejuízos pelas crises seguidas que naqueles tempos grassavam o Norte das Gerais, Manél não tinha do que se queixar. Seu bar vivia sempre cheio, todos os dias. O burburinho era intenso. Copos e mais copos de cachaça com cobras e raízes eram servidos à guisa de aperitivo enquanto a clientela mordiscava crocantes torresmos e pernas de galinha, no aguardo, sem nenhuma pressa, do rango principal que fumegava numa preta panela de ferro, sobre um fogão de lenha com fogo preguiçoso. Flores de aboboras como eram chamadas as antigas notas de um mil cruzeiros, quase inexistentes para as mãos dos simples e mortais brejeiros, reluziam aos montes nas mãos de Manél de Vovó. Contava-as assim como se contavam centavos. Ele merecia o sucesso. Ele trabalhava. Mas todos também trabalhavam e não prosperavam. Manél, quem sabe, ao nascer, fora bafejado pela sorte. Será?
O certo é que Manél conhecia o caminho das pedras. Como bom comerciante tinha que agradar a todos; ainda que para isso, tivesse que praticar o mais puro e autentico mineirismo. Isso ocorria sempre que ele queria se esquivar de uma venda na base do “fiado”, sem se correr o risco de perder o freguês. Mas também sabia ser áspero com os maus pagadores.
- Antonces, seu Manél... - Dizia um freguês no intuito de justificar o atraso de pagamento de um fiado para contrair novas dividas.
- Eu não me esqueci daquela continha que fiz com o senhor no ano passado...
- Não se esqueceu, mais não pagou. Se queres beber e comer de novo, primeiro tem que pagar! Não estou aqui para trabalhar de graça, não!
- Seu Manél, “sorta ai um rabo de galo e um “torremo”, que eu lhe pago no dia 30 de fevereiro  –brincava um engraçadinho”.
- “Trinta de fevereiro está muito longe. Só lhe vendo se for para pagar no dia 28”. – Respondia, Manél, sério.
- Seu Manél... “Sua cumida é muito gostosa, mas o pissoá aí fora anda dizeno que ocê está guardano sobras de cumida véia pra vendê pra nóis outra vêis. Isso é divéra?”
- É intriga da oposição, respondia Manél: Quem espalhou essa mentira foram os donos de bares do centro do Brejo, revoltados com o meu sucesso...
- Manél... Esse torresmo está muito pequeno. Você vai acabar cortando o dedo da mão que você não tem.
- Então espera o bacuri crescer e virar porco. Não faço milagres...
- Seo Manél... Os “ovo de cadorna” que o senhor me serviu “está” muito pequenos.
- Vá reclamar com o “fiofó” da codorna ou então coma ovos de galinha que são “mais grandes!”
- Mas ovo de galinha não dá sustância e lá na casa da Salomé, num tem cunversa. Eu tenho que chegar com os quatro pneus calibrados. Num posso passá vregonha.
- Isso já não é problema meu, retrucava Manél. Se você não tem como dar conta do recado, fique por aqui mesmo, comendo e bebendo, porque você é um bom pagador e o meu negócio vai agradecer!
Certa feita, munido da curiosidade peculiar aos adolescentes, estava eu a observar a agilidade e destreza com que Manél de Vovó, apenas com um braço, cortava os queijos e marmeladas para fazer os apetitosos casadinhos.
Não, aquilo não era possível!
Ou era...
Seria ilusão de ótica ou estou bêbado?
Não...
Uai, mas eu jamais bebi em toda a minha vida!
Então, o que era aquilo?
Será que os meus lindos olhinhos estão me traindo?
Simples e elementar meu caro Enoque, diria a voz da minha consciência: O querido amigo Manél, em sendo desprovido de um dos braços, não teria outra maneira mais eficaz, apesar de pouco ou quase nada higiênica, de realizar a necessária tarefa da retirada dos resíduos da marmelada da faca antes de cortar o queijo e vice-versa, senão com a própria língua. Que outra forma você acha que ele teria para limpar a faca, bobinho?
O certo é que daquele dia em diante jamais retornei ao bar do Manél de Vovó para comer casadinhos.
É...
Por vezes, é melhor viver enganado que conhecer a verdade. É como dizem os Espanhóis: “La verdad, duele”
E tenho dito!
Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá,  Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/

sábado, 4 de junho de 2011

MINEIRISMO BREJEIRO – COMÍCIOS

MINEIRISMO BREJEIRO  – COMÍCIOS  
Enoque Alves Rodrigues
Quando a dois de dezembro de 1945,  Eurico Gaspar Dutra se elegeu Presidente da Republica, o Tribunal Regional Eleitoral tratou logo de marcar as próximas eleições gerais no Brasil para o ano de 1947. No norte de Minas Gerais, assim como em todo o País, velhas e felpudas raposas  famintas por voto, que até então se achavam na toca no aguardo de que a poeira da Revolução de 1930 baixasse, saíam  agora a campo em busca do eleitor incauto.
Em Francisco Sá, antigo Brejo das Almas, as forças políticas locais se articulavam e compunham-se. Feliciano, filho de Lauro, nascido na região, foi lançado candidato a Prefeito, enquanto que o Paraibano Enéas, dono da fazenda Burarama, que naqueles tempos se localizava no Município de Francisco Sá, entre os rios Quem-Quem, São Domingos e Verde,  saiu como seu vice, com o apoio de Gentil Dias e Osmani Barbosa. Enquanto que a chapa de José Pereira de Aguiar e Francisco Versiani Ataíde, contou com o apoio de João de Deus Dias e outros companheiros.
Finalizadas todas as articulações, costurados todos os acordos, fechada a chapa, era chegada a hora da “onça beber água”. Era, o que imagino, para qualquer político, o momento  mais difícil, ou seja, a correria atrás do voto. Tinham que possuir o alto poder de persuasão para que no final dos escrutínios não tivessem que amargar  uma tenebrosa derrota  e esperar mais quatro anos para começarem tudo de novo. É este o circulo dos que militam nesta área da Sociologia.
Qualquer Brejeiro, por mais jovem que seja, tem conhecimento da grande facilidade que tinha Feliciano Oliveira, com as palavras. Orador eloqüente daqueles capazes de convencer o eleitor ou qualquer que fosse com poucas frases. Ele não se deixava levar pela retórica desprovida de conteúdo. Tampouco era dado a mentira ou promessas miraculosas que jamais se poderia cumprir. Mais que provado está o que afirmo, pela quantidade de vezes em que se elegeu Prefeito do Município e outros mandatos eletivos pela força do sufrágio universal. O homem falava bonito e levava o eleitor matuto brejeiro ao delírio. Qualquer candidato que estivesse em inicio de carreira naquela época queria ser um Feliciano.
Por outro lado, Enéas, ou o Capitão Enéas Mineiro de Souza, era homem de poucas palavras e não muito afeito às letras. Também não dispunha do jogo de cintura necessário em todas as atividades e principalmente na arte da política. Falava estritamente o necessário e, acostumado a caserna dos senhores de engenhos de onde provinha, expressava-se na maioria das vezes com frases truncadas e nem sempre compreensíveis. Bem humorado, afável, sorridente, no entanto, o Capitão possuía um senso de humanidade  e um coração bondoso que contrastavam com suas rudes palavras. Empreendedor contumaz, esse Paraibano arretado, “Bandeirante do Norte das Gerais”, era comprometido com o seu povo, com o Brejo e com sua “Burarama”, hoje Capitão Enéas, em sua justa homenagem.
Lagoa Seca. Comício animado. Brejeiros brotavam de todos os rincões daquele que antes era um dos maiores Municípios das Alterosas. Cerveja quente e cachaça do Mangal sendo consumidas por todos, acompanhadas por carnes de bois que ardiam sobre os espetos atravessados em valetas ao chão, cobertas por braseiros reluzentes.
Filinto, Oscar e Idalino, sendo os dois primeiros em campanha eleitoral à vereança, acompanhavam os discursos no meio da multidão, animada, que a cada salva de palmas seguidas de “muito bem!” previamente ensaiados por “puxa-sacos” de plantão, gritavam:
-“Este é o homem... Este é nosso... Este é da gente... É deste homem que o Brejo precisa!”
Hoje não sei, sinceramente como é, mas naquele tempo, falavam-se primeiro os candidatos a cargos minoritários, como vereadores, deputados estaduais, deputados federais, etc., sendo que os candidatos a cargos majoritários faziam sempre o encerramento, fechando-o com a famosa  “chave de ouro”. Todos falaram. Chegou a vez de Enéas.
-“Vocês sabem, por acaso, quantos mata-burros tem de Burarama até aqui?”, indagou o Capitão da multidão, aquela altura não muito ávida por tais informações, no sentido de enfatizar, sem qualquer sombra de dúvidas, seu vasto conhecimento de homem público sobre as coisas e mazelas do velho Brejo e sua gente.
- “Sei, doze!”, -respondeu Idalino, mais prá lá do que pra cá.
- “E alguém ai no palanque saberia me dizer por quais motivos, razões ou circunstâncias os trilhos da estrada de ferro não chegaram e jamais chegarão ao Brejo?”  –Perguntou o sábio Idalino, acrescentando: “Me parece que alguém cujas iniciais do prenome, nome e sobrenome são “E”, “M” e “S” usou de sua grande influência para se beneficiar, fazendo com que os trilhos fossem desviados, cortando ao meio sua imensa fazenda cujo nome começa com “BU”!
Não teve jeito. Feliciano tinha que intervir. O seu candidato a vice era pesado e difícil de carregar. Foi ai que aproveitando sua vez de falar, com toda a classe e verve que lhes eram peculiares, iniciou seu pronunciamento:
“Obrigado, Idalino, pela “clareza” da sua pergunta. Enéas e eu estamos aqui para falarmos dos problemas que afligem a nossa gente Brejeira. Estamos convictos de que somos os candidatos melhor preparados para corrigirmos distorções existentes. Dêem-nos o voto de vocês e verão que jamais nos furtaremos ao nosso compromisso. A estrada de ferro não chegou e talvez nunca chegará ao nosso Brejo. Isso não se deve a intervenção humana, não. Ela não chegou porque Deus, o Todo Poderoso Criador do Universo não quis. Foi Ele quem fez o Brejo das Almas rodeado de montanhas intransponíveis onde trilho algum passará. Certamente que se assim o fez foi para blindar-nos. Para nos proteger de alguma coisa. É por isso que vocês tem que nos eleger...Nós conseguimos ler e interpretar com facilidade e desenvoltura, a cartilha do Criador.”
Ganhou!
É...
Por vezes, quando nos vemos em palpos de aranhas, onde as palavras que nos permitam virar o jogo, fogem de nós, a única solução plausível mesmo, é apelar aos Céus. Os “Caras lá de Cima” são costas-grossas. Eles podem tudo!
E tenho dito!
Enoque Alves Rodrigues, Brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/

domingo, 29 de maio de 2011

MINEIRISMO BREJEIRO – CAMPANHAS ELEITORAIS

MINEIRISMO BREJEIRO  – CAMPANHAS ELEITORAIS
Enoque Alves Rodrigues
Segundo a definição de Derso Renault em seu livro Chão e Alma de Minas, nós mineiros somos pouco comunicativos. Devido a isso não conhecemos como devíamos as características de nosso caráter, de nosso “ethos”, daí sermos muitas vezes misteriosos. Já Tristão de Ataíde atribui a nossa personalidade às vezes duvidosa e indecisa, as limitações geográficas montanhosas de nosso estado. Diz ele: a montanha é uma limitação do horizonte. Limitação geográfica e psicológica. A montanha é o intimismo, a continuidade, a temperança. O instinto do homem mineiro não é o mesmo que o instinto do homem do litoral. Já Sylvio de Vasconcellos grande observador dos gestos e costumes do mineiro no trabalho diz o seguinte: o mineiro preza a palavra empenhada, por isso mesmo raramente a empenha. Negaceia por costume, contorna assuntos, fala por paráfrases ou simula hipóteses. Está sempre com o pé atrás, desconfiado sempre, elogiando no próximo suas próprias qualidades ou desculpando seus defeitos. É generoso quando suplicado e cruel quando ofendido. Esperto ao extremo ou ingênuo por conveniência. Não aceita ou rejeita as coisas de pronto, etc. Cita inclusive este pequeno dialogo entre dois mineiros ao telefone.
- “Espero você às seis horas na Praça Sete”.
- “Está bem. Agora, se eu não for até as cinco e meia é porque eu não fui”.
Bem, cumpre-me aqui resumir o que estes grandes estudiosos dos costumes arraigados na personalidade montanhesa quiseram dizer ao nosso respeito. Falamos tudo sem falarmos nada. Utilizamos de palavras lindas e afirmativas sem nos comprometermos. Sinalizamos que estamos indo numa direção e, de repente, sem prévio aviso, mudamos de rumo, deixando quem nos está seguindo atarantado, tonto, embasbacado, surpreso, boquiaberto. Aí pensamos: “uai, quem mandou me seguir? Eu nem disse para onde ia!” Não valorizamos os nossos gestos. Esquecemos muitas vezes que um gesto nosso vale por mil palavras. Fazer o que? Por mais que muitos conterrâneos não concordem, somos assim! No entanto, como podem ver, isso não significa um desvio de personalidade, caráter ou conduta. Isso se chama costume e o nosso caráter foi moldado exatamente dentro destes conceitos. Então, isso se chama “simplicidade mineira”, “é o nosso jeito mineiro de ser”. Virtude, então, e fim de papo.
Uai, por quais razões então, os Brejeiros  e políticos de antanho seriam diferentes? Eles também não são mineiros?
- São, uai!
- Então...
1962. Campanha eleitoral a pleno vapor. O candidato à Prefeitura do Brejo das Almas, Geraldo Tito e seu vice, Leônidas Ribeiro da Cruz, amassavam o barro vermelho da zona urbana e a bosta de vaca da zona rural, à caça do voto precioso do eleitor, arisco e arredio.
- “Ô, de casa!”. Gritava um candidato com voz rouca e botas sujas do caminhar diário. “Tem alguém, aí?”
- “Tem não, senhor!” - respondia, lá de dentro, um fiozinho de voz quase inaudível,  marcado pela fraqueza causada pela desnutrição do rango escasso.
- “Quero falar com o meu amigo Demóstenes!”
- “Mais o que é que Mercê quer falar com ele?”
- “Eu quero pedir voto!”
- “Desculpe, doutor, mais voto nóis num tem mais não! Mercê num cumpriu a promessa das dentaduras!”
- “Mais como não. Você não é a Maria, mulher do Demóstenes?”
- “Sou sim senhor. Uai, o que isso tem a ver?”. Quatro anos de vossa promessa e eu continuo aqui, com a boca murcha!”
- Espere aí, Maria, você chegou a ir a Clinica do Euler tomar as medidas de sua boca para fazer as dentaduras?”
- “Acho que fui!”
- “Mas você não tem certeza? Você tinha que ter comparecido a Clinica, conforme está escrito no cartão que lhe entreguei naquela época”.
- “Uai, doutor, mas eu acho que estive lá, sim senhor. Peguei uma fila grande dos diabos. No final dela, veio uma moça e me deu mais um cartão no qual me mandou escrever o numero do meu candidato e colocar na urna. Foi o que eu fiz”.
- “E onde está agora o cartão que lhe dei, Maria?”, – indagou-lhe o candidato, apreensivo.
Por alguns instantes, Maria de Demóstenes que até então, do alto de sua desconfiança falava com o candidato por trás da porta, sem sequer dar o ar da graça, surge à frente do mesmo com um papel  na mão, todo amarelado pelo tempo.
- “Aqui está, doutor!”
- “Por mil demônios, Maria. Isto ai que você trás à mão é a maldita cédula eleitoral que você teria que ter colocado na urna para me eleger, diabo! Enquanto que o cartão que você colocou lá dentro era o cartão do Euler para lhe fazer as dentaduras. Agora não sou eu quem tem a culpa por você estar com a boca assim. Sabe Maria, ou melhor, Mariazinha, minha querida e idolatrada correligionária, o fato é que estou muito necessitado do seu voto, do Demóstenes e dos meninos (quatro filhos adultos do casal) e desta vez, com os votos de vocês, estou certo que vou ganhar para fazer para você, sua família e todos nós, um Brejo melhor!”.
Afinou o discurso com a Maria. “Passarinho não canta na muda, uai” e levou as eleições. Depois de algumas tentativas o grande escritor mineiro Coronel Geraldo Tito Silveira, ganhou as eleições em Francisco Sá, Brejo das Almas. Renunciaria, no entanto, dois anos depois, pelos motivos que todos nós Brasileiros, que vivenciamos os anos “dourados” do chumbo-grosso, conhecemos.
Enquanto que para aquele mesmo exercício de 1963-1966 eram eleitos para a Câmara Municipal do Brejo:
 José de Deus Prado, Ivonílde Gaspar Oliveira, Euler Martins Moreira, Robson D’Artagnam Campos, Vanderlei Oliveira Brito, Irineu Lourenço Sampaio, José Antonio da Silveira, Antonio Augusto Dias, Osvaldo Rodrigues Vasconcelos,  Jacinto Teixeira da Silva, Joaquim Soares de Jesus e Jorge Ribeiro Rocha.
E tenho dito!
Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/

sábado, 21 de maio de 2011

AS JOIAS RARAS DO BREJO FINAL – NIQUINHO

AS JOIAS RARAS DO BREJO FINAL – NIQUINHO
Enoque Alves Rodrigues
Previsível demais ou repetitivo ao extremo. Quiçá ao tomar ciência sobre qual “jóia rara do brejo” estarei escrevendo em minha crônica de hoje, o amigo leitor, sempre complacente para com esse humilde operário especializado da engenharia, mas que de quando em vez se mete a besta a escrever alguma coisa,  seja induzido a esses adjetivos. Devo, portanto, antecipar que tal conclusão, caso ocorra, não corresponde à realidade. Entendo como oportuno lembrar que mesmo não vivendo fisicamente no Brejo há muitos anos, jamais me distanciei desta terra boa que me serviu de berço. Além do mais, é de conhecimento de todos que passei dezoito lindos anos da minha não menos linda existência, no Brejo das Almas e suas adjacências. Como tudo que faço da vida é vivê-la intensamente, esses dezoito anos, acreditem, representam muitíssimo para mim. Sem contar que sou um pesquisador nato e apaixonado por tudo que se refira ao Brejo. São, portanto, sem falsa modéstia, relevantes os cabedais de conhecimentos que disponho sobre fatos, antigos e atuais ou pessoas que foram ou que vieram a ser importantes no cenário brejeiro ou até mesmo, saídas do brejo, na vida Nacional.
-“Chega de bestagem, Noquinho, meu filho! Diria minha santa mãezinha lá em Capitão Enéas. Para que toda essa introdução se a “jóia rara do brejo”, nem é você? Limite-se a reportar os fatos e chega de rodeios e referências pessoais. Não foi assim que lhe ensinei menino!”
-Está certo, uai, mas mesmo assim cabe aqui uma pequena explicação:
-É que já me referi, ainda que superficialmente, por algumas vezes a esta “jóia rara do brejo”. No entanto, jamais havia lhe dedicado uma crônica. Depois, como abri esta série com sua filha, a Professora Yvonne Silveira, em cuja crônica também fiz uma introdução, nada mais justo que dissertar um pouco e encerrar esta série com este personagem. 
“Brejo das Almas, ou Francisco Sá. Igual a ti, outro não há...”
O autor da letra do nosso hino, que foi musicado por Corinto Cunha, que aliás, não me canso de ouvir, o qual escreveu em atendimento ao pedido de uma amiga sua, a Professora Maria de Jesus Sampaio  já que até então Francisco Sá não tinha seu próprio hino,  é a minha “jóia rara do brejo” desta semana.
Antonio Ferreira de Oliveira, Niquinho, nasceu em Montes Claros. Formado em farmácia, ainda em sua cidade natal, enveredou-se pelos caminhos da Política. Tendo sido ali, ainda jovem, Vereador e Secretário da Câmara Municipal. Foi, inclusive, contemporâneo naquela edilidade de Jacinto Silveira e do Padre Augusto. Redigiu, enquanto secretário na Câmara de Montes Claros,  projeto de lei que culminaria na Lei Estadual 843, de 07/09/1923.  Cuja Lei desmembrou o distrito de Brejo das Almas dos Municípios de Montes Claros e Grão Mogol, dando-o vida independente, elevado que fora a condição de Município, tendo  sua sede própria sido instalada em 07/09/1924, sob a denominação de “Brejo das Almas” que em 1938 se denominaria Francisco Sá.
Orador e poeta de inconfundível eloqüência. Intelectual ativo e inconformado com as injustiças sociais de seu tempo contra as quais lutava com velada bravura sem jamais perder a polidez e afabilidade. Escrivão de paz, farmacêutico de profissão, marido exemplar que pacientemente cuidou de sua esposa enferma até seus últimos momentos de lucidez e um ótimo pai de família de prole numerosa com oito filhos. Fisicamente alto, magro, tez clara, com bigodes, cabelos longos e corridos. Índole integra e sempre disposto a socorrer aqueles que dos seus préstimos necessitassem. Ainda que para isso tivesse que sacrificar a si próprio. Vivia para servir.
Foi com toda esta bagagem que numa ensolarada manhã do mês  janeiro do ano de 1929 adentrou as ruazinhas estreitas e empoeiradas do velho Brejo das Almas, o querido Niquinho. Fincou residência no antigo Largo da Matriz, próximo a única farmácia do lugarejo de propriedade de seu amigo Francelino Dias, o França, com quem viria a trabalhar até montar a sua própria farmácia. O velho Largo da Matriz que então desnivelado, passou, em 1931 por reformas de nivelamentos na gestão do Prefeito médico, Dr. Paulo Cerqueira Rodrigues Pereira.
Antonio Ferreira de Oliveira, Niquinho, pode ser considerado um dos grandes expoentes do velho Brejo das Almas. Conseguiu, neste torrãozinho de meu Deus, colocar em prática todos os atributos com os quais a Divina Natureza o dotara. Exerceu todas as suas atividades sempre voltadas para a benevolência e crescimento do Brejo e de sua gente. Mesmo assim conseguiu amealhar com toda a sua honestidade razoável patrimônio que, no entanto, não muito afeito as coisas materiais e, principalmente,  -desculpem-me mas não posso nem devo trair a historia omitindo dela a veracidade de fatos ainda que tristes-, pelo vicio do alcoolismo que infelizmente adquiriu, veio a falecer desprovido de bens materiais em casa de Yvonne e Olyntho, amparado pela filha amada e pelo genro querido, com o mais puro e sublime amor, depois de padecer por dez anos da incurável e tenebrosa enfermidade.  No entanto levou consigo a maior riqueza. A certeza plena de que sempre que as necessidades brejeiras se manifestavam, lá estava ele a postos para amenizá-las ou tentar combatê-las.
Antonio Ferreira de Oliveira, Niquinho farmacêutico, a “jóia rara do brejo” desta semana, era na verdade em toda a sua essência, um “mitigador de problemas e dificuldades”.
E tenho dito!
Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.Visitem meu novo blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/http://www.facebook.com/home.php?email_confirmed=1&changed_login=1

domingo, 15 de maio de 2011

AS JOIAS RARAS DO BREJO III - O PADRE SILVESTRE

AS JOIAS RARAS DO BREJO III – O PADRE SILVESTRE
Enoque Alves Rodrigues
Se o caro amigo leitor fizer parte dos quase cem mil que acessaram minha humilde página no CityBrasil, certamente já deve ter lido pelo menos umas três crônicas que escrevi sobre o Padre Silvestre, antigo pároco da minha, da sua, da nossa linda Cidade de Francisco Sá, o velho e querido Brejo das Almas.
Pois bem, naqueles tempos era comum que as crianças fossem batizadas somente após ter alguma consciência da vida. Fui, portanto, batizado pelo Padre Silvestre lá em São Geraldo, Município de Francisco Sá, no ano de 1960, quando já tinha sete anos. Vários foram os episódios que presenciei os quais tinham como protagonista o Padre Silvestre, a minha “jóia rara do brejo” de hoje, cuja memória, não obstante os meus relatos nem sempre favoráveis ao querido amigo, reverencio sempre. Era um amor de pessoa. Um santo na terra, a meu ver, claro.
Tipo físico europeu, estatura mediana, pele rosada, olhos azuis, cabelos loiros, e com  sotaque característico dos “deutschers”, tribo alemã de onde se originava. Falava fluentemente o alemão enquanto se expressava com extrema dificuldade em Português.
Fora as ocupações que mantinha no clero, tendo sob sua responsabilidade toda a comunidade católica brejeira, o Padre Silvestre Classen também era ligado ás coisas da terra e mantinha algumas fazendas de cultivos naturais, além da criação de porcos. Inovador na arte da irrigação, foi pioneiro e grande entusiasta da agricultura familiar, ensinando ao matuto brejeiro, várias técnicas aparentemente primitivas, mas de resultados economicamente positivos e incalculáveis  para o homem da terra de antanho. Na suinocultura incentivou grandes pesquisas que resultaram na mudança dos padrões genéticos da porcada que antes era considerada “curraleira”, ou seja, desprovida de qualquer pedegree. De repente o jeca brejeiro passou a conviver com “marcas de porcos” de palavras difíceis como “landrace” e “duroc” e uma leva de outros denominativos difundidos pelo Padre visionário e empreendedor. È isso mesmo, o caipira do brejo não falava  “raça de porcos” mas, “marca”, sim senhor.
Certa ocasião, Mundinho do Correio, levou até o Padre Silvestre, um envelope pardo  de aspecto bonito e luxuoso, subscrito em letras bonitas e garrafais onde o remetente se apresentava como um certo doutor Castro, que mantinha, segundo ele, um laboratório na Avenida do Contorno, em Belo Horizonte, Capital das Alterosas.  Ao abrir o envelope, e principalmente depois de iniciar a leitura da missiva,  o Padre arregalou seus grandes olhos azuis e por alguns instantes ficou estático. Havia ali, certamente, algo que muito lhe interessava.
Estudioso, meticuloso e curioso extremado. O Padre Silvestre era daqueles que se necessário fosse, varava noites analisando fórmulas que viessem propiciar melhorias e facilidades a vida difícil do homem caipira e dele próprio. Agora andava as voltas com uma nova invenção sua a qual estava a divulgar nas redondezas. Tratava-se de uma engenhoca que consistia em cortar curvas de níveis dos rios quase secos da região, receber as águas das chuvas escassas e encaminhar para as roças. Produziu também o primeiro “espantalho de formigas” que já vi na vida. Este sim era estranho e porque não dizer, até difícil de descrever: tratava-se de cabaças onde ele contornava toda a face, a imagem e semelhança de grandes tanajuras, com dois orifícios dianteiros e traseiros que captavam e liberavam o vento sob um som triste e melancólico, as quais  colocava estrategicamente na porta do formigueiro. Segundo ele, quando as pequenas formigas davam de cara com as tanajuras gigantes, ainda na saída do formigueiro, com medo, retornavam imediatamente para dentro de seus “habitat” e de lá não mais saiam para devorar suas plantações. Quanto aos gafanhotos, ele vivia também às turras. No entanto, até o dia em que sai do Brejo, o placar era de dez para os gafanhotos e zero para o Padre. Ele não gostava de matar nada, por isso, fazia sempre o possível para se livrar dos inimigos de suas plantações “sem derramamento de sangue”. Já contra os passarinhos, rolinhas, pombas amargosas, periquitos, pássaros pretos e outros glutões admiradores de suas safras de milho, ele utilizava-se do bom e velho espantalho. Aquele boneco feito de panos velhos.
Mas que noticia tão importante havia naquele envelope para que o Padre Silvestre ficasse tão entusiasmado? Sobre o que falava o tal doutor Castro?
Pois é, uai, dizia a carta:
“Prezado Padre, tenho a honra de comunicar a vossa Reverendíssima, que o meu Laboratório localizado na Avenida do Contorno, número 2144, em Belo Horizonte, acaba de realizar a grande descoberta que finalmente irá por fim a praga dos gafanhotos que tanto assolam as vossas plantações. É muito simples, caro Padre. Trata-se de uma fórmula. No entanto para que eu possa vos enviar, é necessário que o Sr. me mande dois mil e duzentos cruzeiros para custear as despesas, etc., etc.”. Essa quantia naqueles tempos era suficiente para se comprar várias cabeças de gado.
Dois Meses depois, estava eu em frente à loja da dona Bezinha, quando vejo o Mundinho do Correio com um envelope semelhante, passar em desabalada carreira em direção à Igreja. Curioso, segui-o.
O Padre vivia impaciente e desconfiado. Não obstante ter ele pago aquela imensa quantia antecipadamente, o bendito envelope com a fórmula jamais chegava. Foi por isso que nem bem Mundinho entrou na Igreja e o Padre já o interceptou. Arrancou de suas mãos o envelope e ao ler o seu conteúdo, transformou-se. Mundinho e eu agora víamos um Padre transtornado, andando de um lado para o outro, puxando os cordões da batina em frente ao altar, a resmungar enquanto lia e relia o teor da carta em voz alta:
 “Prezado Padre, ainda não foi desta vez. O senhor precisa ter um pouquinho mais de paciência com os gafanhotos. Eles também são filhos de Deus. Houve um revertério muito grande na nossa fórmula o qual estamos tentando corrigir. Um grande abraço para o senhor e fique com Jesus. Amém!”
Ao longe, assustados, Mundinho do Correio e eu só ouvíamos os berros do Padre num português sofrível  a dizer:
“E você, seu ladróne amardiçoado de una figa, fique com todos os diabros e que se queimem no fogo das profundas. Quanto a fórmula que você ia me mandar, ponha-a no... Bem, isso eu num posso dizê... Que assim seja!”
É...
Por vezes, e principalmente quando são passados para trás, os santos também perdem a paciência e compostura. E ai, salve-se quem puder, uai!
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.
Visitem meu novo blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/ http://www.citybrazil.com.br/mg/franciscosa/usuario.php?id_cadastro=7585
AS JOIAS RARAS DO BREJO III – O PADRE SILVESTRE
Enoque Alves Rodrigues
Se o caro amigo leitor fizer parte dos quase cem mil que acessaram minha humilde página no CityBrasil, certamente já deve ter lido pelo menos umas três crônicas que escrevi sobre o Padre Silvestre, antigo pároco da minha, da sua, da nossa linda Cidade de Francisco Sá, o velho e querido Brejo das Almas.
Pois bem, naqueles tempos era comum que as crianças fossem batizadas somente após ter alguma consciência da vida. Fui, portanto, batizado pelo Padre Silvestre lá em São Geraldo, Município de Francisco Sá, no ano de 1960, quando já tinha sete anos. Vários foram os episódios que presenciei os quais tinham como protagonista o Padre Silvestre, a minha “jóia rara do brejo” de hoje, cuja memória, não obstante os meus relatos nem sempre favoráveis ao querido amigo, reverencio sempre. Era um amor de pessoa. Um santo na terra, a meu ver, claro.
Tipo físico europeu, estatura mediana, pele rosada, olhos azuis, cabelos loiros, e com  sotaque característico dos “deutschers”, tribo alemã de onde se originava. Falava fluentemente o alemão enquanto se expressava com extrema dificuldade em Português.
Fora as ocupações que mantinha no clero, tendo sob sua responsabilidade toda a comunidade católica brejeira, o Padre Silvestre Classen também era ligado ás coisas da terra e mantinha algumas fazendas de cultivos naturais, além da criação de porcos. Inovador na arte da irrigação, foi pioneiro e grande entusiasta da agricultura familiar, ensinando ao matuto brejeiro, várias técnicas aparentemente primitivas, mas de resultados economicamente positivos e incalculáveis  para o homem da terra de antanho. Na suinocultura incentivou grandes pesquisas que resultaram na mudança dos padrões genéticos da porcada que antes era considerada “curraleira”, ou seja, desprovida de qualquer pedegree. De repente o jeca brejeiro passou a conviver com “marcas de porcos” de palavras difíceis como “landrace” e “duroc” e uma leva de outros denominativos difundidos pelo Padre visionário e empreendedor. È isso mesmo, o caipira do brejo não falava  “raça de porcos” mas, “marca”, sim senhor.
Certa ocasião, Mudinho do Correio, levou até o Padre Silvestre, um envelope pardo  de aspecto bonito e luxuoso, subscrito em letras bonitas e garrafais onde o remetente se apresentava como um certo doutor Castro, que mantinha, segundo ele, um laboratório na Avenida do Contorno, em Belo Horizonte, Capital das Alterosas.  Ao abrir o envelope, e principalmente depois de iniciar a leitura da missiva,  o Padre arregalou seus grandes olhos azuis e por alguns instantes ficou estático. Havia ali, certamente, algo que muito lhe interessava.
Estudioso, meticuloso e curioso extremado. O Padre Silvestre era daqueles que se necessário fosse, varava noites analisando fórmulas que viessem propiciar melhorias e facilidades a vida difícil do homem caipira e dele próprio. Agora andava as voltas com uma nova invenção sua a qual estava a divulgar nas redondezas. Tratava-se de uma engenhoca que consistia em cortar curvas de níveis dos rios quase secos da região, receber as águas das chuvas escassas e encaminhar para as roças. Produziu também o primeiro “espantalho de formigas” que já vi na vida. Este sim era estranho e porque não dizer, até difícil de descrever: tratava-se de cabaças onde ele contornava toda a face, a imagem e semelhança de grandes tanajuras, com dois orifícios dianteiros e traseiros que captavam e liberavam o vento sob um som triste e melancólico, as quais  colocava estrategicamente na porta do formigueiro. Segundo ele, quando as pequenas formigas davam de cara com as tanajuras gigantes, ainda na saída do formigueiro, com medo, retornavam imediatamente para dentro de seus “habitat” e de lá não mais saiam para devorar suas plantações. Quanto aos gafanhotos, ele vivia também às turras. No entanto, até o dia em que sai do Brejo, o placar era de dez para os gafanhotos e zero para o Padre. Ele não gostava de matar nada, por isso, fazia sempre o possível para se livrar dos inimigos de suas plantações “sem derramamento de sangue”. Já contra os passarinhos, rolinhas, pombas amargosas, periquitos, pássaros pretos e outros glutões admiradores de suas safras de milho, ele utilizava-se do bom e velho espantalho. Aquele boneco feito de panos velhos.
Mas que noticia tão importante havia naquele envelope para que o Padre Silvestre ficasse tão entusiasmado? Sobre o que falava o tal doutor Castro?
Pois é, uai, dizia a carta:
“Prezado Padre, tenho a honra de comunicar a vossa Reverendíssima, que o meu Laboratório localizado na Avenida do Contorno, número 2144, em Belo Horizonte, acaba de realizar a grande descoberta que finalmente irá por fim a praga dos gafanhotos que tanto assolam as vossas plantações. É muito simples, caro Padre. Trata-se de uma fórmula. No entanto para que eu possa vos enviar, é necessário que o Sr. me mande dois mil e duzentos cruzeiros para custear as despesas, etc., etc.”. Essa quantia naqueles tempos era suficiente para se comprar várias cabeças de gado.
Dois Meses depois, estava eu em frente à loja da dona Bezinha, quando vejo o Mudinho do Correio com um envelope semelhante, passar em desabalada carreira em direção à Igreja. Curioso, segui-o.
O Padre vivia impaciente e desconfiado. Não obstante ter ele pago aquela imensa quantia antecipadamente, o bendito envelope com a fórmula jamais chegava. Foi por isso que nem bem mudinho entrou na Igreja e o Padre já o interceptou. Arrancou de suas mãos o envelope e ao ler o seu conteúdo, transformou-se. Mudinho e eu agora víamos um Padre transtornado, andando de um lado para o outro, puxando os cordões da batina em frente ao altar, a resmungar enquanto lia e relia o teor da carta em voz alta:
 “Prezado Padre, ainda não foi desta vez. O senhor precisa ter um pouquinho mais de paciência com os gafanhotos. Eles também são filhos de Deus. Houve um revertério muito grande na nossa fórmula o qual estamos tentando corrigir. Um grande abraço para o senhor e fique com Jesus. Amém!”
Ao longe, assustados, Mudinho do Correio e eu só ouvíamos os berros do Padre num português sofrível  a dizer:
“E você, seu ladróne amardiçoado de una figa, fique com todos os diabros e que se queimem no fogo das profundas. Quanto a fórmula que você ia me mandar, ponha-a no... Bem, isso eu num posso dizê... Que assim seja!”
É...
Por vezes, e principalmente quando são passados para trás, os santos também perdem a paciência e compostura. E ai, salve-se quem puder, uai!
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.
Visitem meu novo blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/ http://www.citybrazil.com.br/mg/franciscosa/usuario.php?id_cadastro=7585
AS JOIAS RARAS DO BREJO III – O PADRE SILVESTRE
Enoque Alves Rodrigues
Se o caro amigo leitor fizer parte dos quase cem mil que acessaram minha humilde página no CityBrasil, certamente já deve ter lido pelo menos umas três crônicas que escrevi sobre o Padre Silvestre, antigo pároco da minha, da sua, da nossa linda Cidade de Francisco Sá, o velho e querido Brejo das Almas.
Pois bem, naqueles tempos era comum que as crianças fossem batizadas somente após ter alguma consciência da vida. Fui, portanto, batizado pelo Padre Silvestre lá em São Geraldo, Município de Francisco Sá, no ano de 1960, quando já tinha sete anos. Vários foram os episódios que presenciei os quais tinham como protagonista o Padre Silvestre, a minha “jóia rara do brejo” de hoje, cuja memória, não obstante os meus relatos nem sempre favoráveis ao querido amigo, reverencio sempre. Era um amor de pessoa. Um santo na terra, a meu ver, claro.
Tipo físico europeu, estatura mediana, pele rosada, olhos azuis, cabelos loiros, e com  sotaque característico dos “deutschers”, tribo alemã de onde se originava. Falava fluentemente o alemão enquanto se expressava com extrema dificuldade em Português.
Fora as ocupações que mantinha no clero, tendo sob sua responsabilidade toda a comunidade católica brejeira, o Padre Silvestre Classen também era ligado ás coisas da terra e mantinha algumas fazendas de cultivos naturais, além da criação de porcos. Inovador na arte da irrigação, foi pioneiro e grande entusiasta da agricultura familiar, ensinando ao matuto brejeiro, várias técnicas aparentemente primitivas, mas de resultados economicamente positivos e incalculáveis  para o homem da terra de antanho. Na suinocultura incentivou grandes pesquisas que resultaram na mudança dos padrões genéticos da porcada que antes era considerada “curraleira”, ou seja, desprovida de qualquer pedegree. De repente o jeca brejeiro passou a conviver com “marcas de porcos” de palavras difíceis como “landrace” e “duroc” e uma leva de outros denominativos difundidos pelo Padre visionário e empreendedor. È isso mesmo, o caipira do brejo não falava  “raça de porcos” mas, “marca”, sim senhor.
Certa ocasião, Mudinho do Correio, levou até o Padre Silvestre, um envelope pardo  de aspecto bonito e luxuoso, subscrito em letras bonitas e garrafais onde o remetente se apresentava como um certo doutor Castro, que mantinha, segundo ele, um laboratório na Avenida do Contorno, em Belo Horizonte, Capital das Alterosas.  Ao abrir o envelope, e principalmente depois de iniciar a leitura da missiva,  o Padre arregalou seus grandes olhos azuis e por alguns instantes ficou estático. Havia ali, certamente, algo que muito lhe interessava.
Estudioso, meticuloso e curioso extremado. O Padre Silvestre era daqueles que se necessário fosse, varava noites analisando fórmulas que viessem propiciar melhorias e facilidades a vida difícil do homem caipira e dele próprio. Agora andava as voltas com uma nova invenção sua a qual estava a divulgar nas redondezas. Tratava-se de uma engenhoca que consistia em cortar curvas de níveis dos rios quase secos da região, receber as águas das chuvas escassas e encaminhar para as roças. Produziu também o primeiro “espantalho de formigas” que já vi na vida. Este sim era estranho e porque não dizer, até difícil de descrever: tratava-se de cabaças onde ele contornava toda a face, a imagem e semelhança de grandes tanajuras, com dois orifícios dianteiros e traseiros que captavam e liberavam o vento sob um som triste e melancólico, as quais  colocava estrategicamente na porta do formigueiro. Segundo ele, quando as pequenas formigas davam de cara com as tanajuras gigantes, ainda na saída do formigueiro, com medo, retornavam imediatamente para dentro de seus “habitat” e de lá não mais saiam para devorar suas plantações. Quanto aos gafanhotos, ele vivia também às turras. No entanto, até o dia em que sai do Brejo, o placar era de dez para os gafanhotos e zero para o Padre. Ele não gostava de matar nada, por isso, fazia sempre o possível para se livrar dos inimigos de suas plantações “sem derramamento de sangue”. Já contra os passarinhos, rolinhas, pombas amargosas, periquitos, pássaros pretos e outros glutões admiradores de suas safras de milho, ele utilizava-se do bom e velho espantalho. Aquele boneco feito de panos velhos.
Mas que noticia tão importante havia naquele envelope para que o Padre Silvestre ficasse tão entusiasmado? Sobre o que falava o tal doutor Castro?
Pois é, uai, dizia a carta:
“Prezado Padre, tenho a honra de comunicar a vossa Reverendíssima, que o meu Laboratório localizado na Avenida do Contorno, número 2144, em Belo Horizonte, acaba de realizar a grande descoberta que finalmente irá por fim a praga dos gafanhotos que tanto assolam as vossas plantações. É muito simples, caro Padre. Trata-se de uma fórmula. No entanto para que eu possa vos enviar, é necessário que o Sr. me mande dois mil e duzentos cruzeiros para custear as despesas, etc., etc.”. Essa quantia naqueles tempos era suficiente para se comprar várias cabeças de gado.
Dois Meses depois, estava eu em frente à loja da dona Bezinha, quando vejo o Mudinho do Correio com um envelope semelhante, passar em desabalada carreira em direção à Igreja. Curioso, segui-o.
O Padre vivia impaciente e desconfiado. Não obstante ter ele pago aquela imensa quantia antecipadamente, o bendito envelope com a fórmula jamais chegava. Foi por isso que nem bem mudinho entrou na Igreja e o Padre já o interceptou. Arrancou de suas mãos o envelope e ao ler o seu conteúdo, transformou-se. Mudinho e eu agora víamos um Padre transtornado, andando de um lado para o outro, puxando os cordões da batina em frente ao altar, a resmungar enquanto lia e relia o teor da carta em voz alta:
 “Prezado Padre, ainda não foi desta vez. O senhor precisa ter um pouquinho mais de paciência com os gafanhotos. Eles também são filhos de Deus. Houve um revertério muito grande na nossa fórmula o qual estamos tentando corrigir. Um grande abraço para o senhor e fique com Jesus. Amém!”
Ao longe, assustados, Mudinho do Correio e eu só ouvíamos os berros do Padre num português sofrível  a dizer:
“E você, seu ladróne amardiçoado de una figa, fique com todos os diabros e que se queimem no fogo das profundas. Quanto a fórmula que você ia me mandar, ponha-a no... Bem, isso eu num posso dizê... Que assim seja!”
É...
Por vezes, e principalmente quando são passados para trás, os santos também perdem a paciência e compostura. E ai, salve-se quem puder, uai!
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.
Visitem meu novo blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/ http://www.citybrazil.com.br/mg/franciscosa/usuario.php?id_cadastro=7585