MINEIRISMO BREJEIRO – CAMPANHAS ELEITORAIS
Enoque Alves Rodrigues
Segundo a definição de Derso Renault em seu livro Chão e Alma de Minas, nós mineiros somos pouco comunicativos. Devido a isso não conhecemos como devíamos as características de nosso caráter, de nosso “ethos”, daí sermos muitas vezes misteriosos. Já Tristão de Ataíde atribui a nossa personalidade às vezes duvidosa e indecisa, as limitações geográficas montanhosas de nosso estado. Diz ele: a montanha é uma limitação do horizonte. Limitação geográfica e psicológica. A montanha é o intimismo, a continuidade, a temperança. O instinto do homem mineiro não é o mesmo que o instinto do homem do litoral. Já Sylvio de Vasconcellos grande observador dos gestos e costumes do mineiro no trabalho diz o seguinte: o mineiro preza a palavra empenhada, por isso mesmo raramente a empenha. Negaceia por costume, contorna assuntos, fala por paráfrases ou simula hipóteses. Está sempre com o pé atrás, desconfiado sempre, elogiando no próximo suas próprias qualidades ou desculpando seus defeitos. É generoso quando suplicado e cruel quando ofendido. Esperto ao extremo ou ingênuo por conveniência. Não aceita ou rejeita as coisas de pronto, etc. Cita inclusive este pequeno dialogo entre dois mineiros ao telefone.
- “Espero você às seis horas na Praça Sete”.
- “Está bem. Agora, se eu não for até as cinco e meia é porque eu não fui”.
Bem, cumpre-me aqui resumir o que estes grandes estudiosos dos costumes arraigados na personalidade montanhesa quiseram dizer ao nosso respeito. Falamos tudo sem falarmos nada. Utilizamos de palavras lindas e afirmativas sem nos comprometermos. Sinalizamos que estamos indo numa direção e, de repente, sem prévio aviso, mudamos de rumo, deixando quem nos está seguindo atarantado, tonto, embasbacado, surpreso, boquiaberto. Aí pensamos: “uai, quem mandou me seguir? Eu nem disse para onde ia!” Não valorizamos os nossos gestos. Esquecemos muitas vezes que um gesto nosso vale por mil palavras. Fazer o que? Por mais que muitos conterrâneos não concordem, somos assim! No entanto, como podem ver, isso não significa um desvio de personalidade, caráter ou conduta. Isso se chama costume e o nosso caráter foi moldado exatamente dentro destes conceitos. Então, isso se chama “simplicidade mineira”, “é o nosso jeito mineiro de ser”. Virtude, então, e fim de papo.
Uai, por quais razões então, os Brejeiros e políticos de antanho seriam diferentes? Eles também não são mineiros?
- São, uai!
- Então...
1962. Campanha eleitoral a pleno vapor. O candidato à Prefeitura do Brejo das Almas, Geraldo Tito e seu vice, Leônidas Ribeiro da Cruz, amassavam o barro vermelho da zona urbana e a bosta de vaca da zona rural, à caça do voto precioso do eleitor, arisco e arredio.
- “Ô, de casa!”. Gritava um candidato com voz rouca e botas sujas do caminhar diário. “Tem alguém, aí?”
- “Tem não, senhor!” - respondia, lá de dentro, um fiozinho de voz quase inaudível, marcado pela fraqueza causada pela desnutrição do rango escasso.
- “Quero falar com o meu amigo Demóstenes!”
- “Mais o que é que Mercê quer falar com ele?”
- “Eu quero pedir voto!”
- “Desculpe, doutor, mais voto nóis num tem mais não! Mercê num cumpriu a promessa das dentaduras!”
- “Mais como não. Você não é a Maria, mulher do Demóstenes?”
- “Sou sim senhor. Uai, o que isso tem a ver?”. Quatro anos de vossa promessa e eu continuo aqui, com a boca murcha!”
- Espere aí, Maria, você chegou a ir a Clinica do Euler tomar as medidas de sua boca para fazer as dentaduras?”
- “Acho que fui!”
- “Mas você não tem certeza? Você tinha que ter comparecido a Clinica, conforme está escrito no cartão que lhe entreguei naquela época”.
- “Uai, doutor, mas eu acho que estive lá, sim senhor. Peguei uma fila grande dos diabos. No final dela, veio uma moça e me deu mais um cartão no qual me mandou escrever o numero do meu candidato e colocar na urna. Foi o que eu fiz”.
- “E onde está agora o cartão que lhe dei, Maria?”, – indagou-lhe o candidato, apreensivo.
Por alguns instantes, Maria de Demóstenes que até então, do alto de sua desconfiança falava com o candidato por trás da porta, sem sequer dar o ar da graça, surge à frente do mesmo com um papel na mão, todo amarelado pelo tempo.
- “Aqui está, doutor!”
- “Por mil demônios, Maria. Isto ai que você trás à mão é a maldita cédula eleitoral que você teria que ter colocado na urna para me eleger, diabo! Enquanto que o cartão que você colocou lá dentro era o cartão do Euler para lhe fazer as dentaduras. Agora não sou eu quem tem a culpa por você estar com a boca assim. Sabe Maria, ou melhor, Mariazinha, minha querida e idolatrada correligionária, o fato é que estou muito necessitado do seu voto, do Demóstenes e dos meninos (quatro filhos adultos do casal) e desta vez, com os votos de vocês, estou certo que vou ganhar para fazer para você, sua família e todos nós, um Brejo melhor!”.
Afinou o discurso com a Maria. “Passarinho não canta na muda, uai” e levou as eleições. Depois de algumas tentativas o grande escritor mineiro Coronel Geraldo Tito Silveira, ganhou as eleições em Francisco Sá , Brejo das Almas. Renunciaria, no entanto, dois anos depois, pelos motivos que todos nós Brasileiros, que vivenciamos os anos “dourados” do chumbo-grosso, conhecemos.
Enquanto que para aquele mesmo exercício de 1963-1966 eram eleitos para a Câmara Municipal do Brejo:
José de Deus Prado, Ivonílde Gaspar Oliveira, Euler Martins Moreira, Robson D’Artagnam Campos, Vanderlei Oliveira Brito, Irineu Lourenço Sampaio, José Antonio da Silveira, Antonio Augusto Dias, Osvaldo Rodrigues Vasconcelos, Jacinto Teixeira da Silva, Joaquim Soares de Jesus e Jorge Ribeiro Rocha.
E tenho dito!
Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/