A FÊNIX BREJEIRA III – MARGOT DO BOTECO
Enoque Alves Rodrigues
Na primeira crônica que escrevi
na série “A Fênix Brejeira” que teve como personagem principal Manezim Vaqueiro
cuja notoriedade obteve da noite para ao lançar-se à lagoa das pedras para
salvar uma criança e, ao ser ovacionado pelo gesto, passou um sabão nos riquinhos
que não tomaram tal atitude, etc. Conduzido por marmanjos em procissão que o
dispensaram na casa de Margot, na verdade, um fétido boteco com ares e fama de
inferninho, que se localizava na beira da estrada de quem saia do Francisco Sá
ou Brejo das Almas com destino à Salinas e adjacências, etc. É possível que
alguns hoje velhinhos que naquele tempo já eram “hominhos” se lembrem daquele
“point” onde muitos caminhantes e boiadeiros paravam para descanso e outras
diversões. Mas é claro que não tenho aqui a pretensão de que algum conterrâneo
se apresente como frequentador de mencionado “site”, ainda que em épocas tão
distantes. Pois, eu próprio, só estou tendo a coragem de declarar ter conhecido
aquele lugar, “de passagem,” porque naqueles tempos eu era apenas uma criança,
sem maldade e sem testosterona. Viram como eu me saí bem? Isto posto vamos à
Margot.
Brejeira, digna, esbelta, 50
anos. Tivera, em infância, uma vida farta, quando o pai, Júlio, dono de uma
pequena propriedade onde cultivava alho e algodão, culturas em ascensão na
época, não deixava que nada faltasse. Muito bonita e cortejada pelos bons
partidos do Brejo, nossa beldade estudou nas melhores Escolas de lá, tendo
inclusive realizado um périplo por importantes Colégios da bela MOC, de onde
retornou com um lindo canudo de Normalista. No Brejo, quando todos pensavam que
nossa musa fosse buscar uma Instituição para lecionar, ou se dedicar a carreira
para a qual se preparou, ao quadrar o lindo traseiro nos bancos escolares, eis
que a deusa se envereda por caminhos que julgava mais fáceis, mas que de fácil
mesmo, como ela confirmaria depois, tardiamente, não tinham nada. Quase todas
as jovens que são levadas a estes sendeiros o fazem depois de terem passado por
alguma desilusão amorosa ou então, por necessidades que não conseguiram, de
outra maneira, suprir. A beldade a qual me refiro hoje não se originava de
nenhuma destas vertentes. Ou seja, foi, na verdade por mera curiosidade.
Gostou, aderiu, agregou. Permaneceu assim, enquanto a Natureza não lhe mandava
a fatura. Quando, por fim, o carnê chegou nossa Margot, na verdade, Margarida Maria
de Jesus, já se encontrava com a idade de 45 anos e terrivelmente ferrada pelas
marcas implacáveis e indeléveis do senhor da razão. O tempo é foda mesmo. Não
perdoa ninguém.
Não tendo outras condições até
porque não houvera poupado para usufruir de uma velhice amparada, não lhe
restou alternativa senão abrir aquele boteco numa afastada região. Em pouco
tempo Margot estava no fundo do poço. O negócio não prosperava. A clientela não
aparecia. Não tinha filhos. Os parentes de há muito a abandonaram. Ás vezes
amanhecia sem ter o que comer. Mas Margot era grande. Margot não se entregava.
Ao invés de lamentar, sorria. Não era nenhum sorriso fingido, mas espontâneo,
franco e resplandecente. Ao invés de
chorar, cantava. Não era um canto triste, mas alegre. Ao invés de xingar,
rezava. Mas ela não rezava da boca pra fora, mas com a fé dos iluminados que acreditam
e confiam. Se o corpo, agora trôpego e trêmulo reclamava de cansaço,
trabalhava. Mas trabalhava com afinco e dedicação plena de que um dia, tempos
melhores viriam. Não, não trabalhava no que você está pensando. Desta profissão
houvera de há muito, se aposentado.
Vernúcio, Salineiro, viúvo, fazendeiro,
tocava sua boiada juntamente com mais três vaqueiros com destino aos
Frigoríficos de Montes Claros. Com sede e fome pararam naquele boteco. Nada
havia além de água.
Os olhares se cruzaram. A paixão
foi fulminante. De repente toda aquela beleza da juventude que se achava apenas
adormecida lá no interior de nossa beldade, ressurgiu. Uma vez bonita sempre
bonita. Aliás, não há ninguém feio. Existem apenas aqueles sofridos que não
sabem sorrir. A “conta fechou positivamente por aqueles lados.” Deu empate. Vernúcio não queria mais sair
dali. A todo custo conseguiram convencê-lo de que ele havia saído de Salinas
para vender uma boiada em Montes Claros. Seguiu viagem somente depois de Margot
lhe prometer que lhe esperaria naquele mesmo prefixo. Naquele mesmo lugar ou se
preferir, naquele mesmo “ponto.” E assim foi.
Vernúcio retornou com as burras
cheias de gaita. Margot fechou o negócio para sempre. Foi viver com o primeiro
marido de toda a sua vida de 50 anos em uma bela fazenda que se localizava
quase na entrada de Salinas a qual muitos com certeza conheceram. Trinta e
cinco anos depois lá estavam os dois pombinhos “firmes no batente.” Margot Fruía,
agora, no ápice da vida, do conforto que todos que a conheceram antes,
unânimes, não acreditavam. Ela era grande. Ela era o máximo. Ela deu a volta
por cima sem se utilizar de atalhos. Singulares virtudes que somente aqueles,
como Margot, que receberam na testa, ao nascer, o carimbo dos bravos e
vencedores conseguem atingir.
É...
Por vezes, dizia Platão, na velha
Atenas, 347 anos antes do Cara, “não existe barreira intransponível para o ser
humano que pensa, luta e acredita.”
Tomou?
E tenho dito!
Enoque
Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção.
Atua há mais de 41 anos na área de Engenharia. É autor do livro “Liderança
Conquistada” que já se encontra nas melhores Livrarias do Brasil e pode ser
pedido diretamente pelo e-mail: enoque.rodrigues@ibest.com.br ou pelo telefone da
Livraria SN Station, (11) 2221-0703. É Colunista, Historiador e divulgador
voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.