terça-feira, 6 de setembro de 2011

SER BREJEIRO É... SUPERAR OBSTÁCULOS COM GALHARDIA

SER BREJEIRO É...  SUPERAR OBSTÁCULOS COM GALHARDIA
Enoque Alves Rodrigues
Março de 1964. O dia 31 que marcaria, literalmente, a ferro e fogo a vida de todos nós Brasileiros, se avizinhava. Falsos sentimentos de amor eterno pela Pátria Amada, Salve, Salve, enrustidos por detrás de vaidades pessoais e interesses mesquinhos e individualistas, levavam forças deletérias a aglutinarem-se em noites caladas, debaixo de sombras sorrateiras. Na marra, desiguais apeariam outros desiguais do Poder, lançando os menos favorecidos nos mais profundos e tenebrosos precipícios durante 20 anos. Não vale a pena detalhar aqui as consequências nefastas deste tresloucado gesto, que todos nós ainda hoje tentamos esquecer.
O certo é que, muito antes desse episódio, as coisas já não andavam muito bem pelas plagas que eu, quase infante, palmilhava com pés descalços. Aliás, as marés dos “mares de Minas” já não estavam mais para peixes há muito tempo. Crises de seca e fome grassavam o País de ponta a ponta. Numa dessas pontas, estava eu, um pirralho de onze anos, estávamos nós, e estava ele, o velho Brejo de todas as Almas, lá na pontinha das Gerais, se debatendo todo para saciar os desejos mais sublimes e elementares de seus filhos. A vida fluía difícil e lentamente. Por mais que se trabalhasse, claro, quando havia trabalho, a coisa não saia do lugar.
Não fosse a velha máxima que diz que “não há nada que de tão ruim não possa piorar”, poderíamos até afirmar que os efeitos desastrosos da Revolução, foram apenas mais uma ferida no corpanzil de um lazarento. Mas as coisas não são tão simples assim.
Dejanir de Cana Brava tinha plena consciência disso. Casado com Francisca, pai de seis filhos pequenos, labutava de sol a sol para conseguir o sustento parco daquela prole numerosa. Tivera ele todos os trinta anos de sua curta existência, forjados na bigorna cruel das mais difíceis necessidades de uma vida miseravelmente Severina. Vendia o almoço para comprar a janta. Trabalhava nas roças  de Zeca. Quando a lide no campo escasseava, recorria-se ao Gorutuba, de onde sempre voltava com alguns peixes. Agradecido, dizia sempre: “Meu Deus... O Gorutuba jamais me deixou na mão. O que será de mim se algum dia isso acontecer?”
Bem, como o Brejeiro aqui já mencionou nestas mal traçadas linhas, “as marés dos mares de Minas”  não estavam mesmo para peixes.  Sendo assim, o Gorutuba, coitado,  não estava nem mesmo para sapo. A seca atazanava a vida de todos nós matutos do Norte de Minas. Eu, apesar de à época contar apenas 11 anos, já não tinha mais cobras para puxar o rabo (roças para carpir) com uma velha enxada lá na Fazenda do “seu” Venúcios, onde defendia alguns trocados. Vem daí a minha obstinação pelo trabalho, fora do qual não vejo nenhuma outra forma de se realizar na vida. Mergulhei-me, então, na função de “retratista”. Com uma velha câmera kodac e rolos de  filmes branco e preto, tentava realçar a sofrível beleza brejeira de meus iguais, que apesar de serem feios de doer, como eu, queriam mesmo era ficar bem e bonitos na fita. Distantes estávamos  dos tempos atuais das câmeras de última geração e do photoshop que hoje, num passe de mágica, transforma gordos em magros, pretos em brancos, feios em bonitos e canhões oxidados pelo tempo, em reluzentes e turbinados boeng’s, aliás, difíceis de pilotar. É o progresso meu chapa.
A verdade, sem maiores delongas, é que o que o nosso amigo Dejanir mais temia, aconteceu. O rio Gorutuba começou a dar sinais de cansaço. O peixe que antes oferecia a Dejanir em abundância, agora não mais aparecia. Com o seu velho anzol com vara de bambu, e uma minhoca à ponta, ele ficava horas a fio sentado sobre um toco naquele barranco, à espera  que um pintado, uma gorda traíra ou na pior das hipóteses, um bagre enlameado surgissem. Mas, nada. Quando o desespero apertava, ele tentava se tranquilizar acedendo um cigarrinho de palha. Mas permanecia sempre plantado no mesmo lugar como se um arbusto fosse. À maneira que as horas avançavam ele se descabelava. E em suas lamentações amaldiçoava a tudo e a todos. Em seus queixumes olvidava-se que naquele mesmo lugar, no mesmo rio, houvera tirado durante todo o ano o seu sustento. E resmungava: “Capeta, que diabo está acontecendo com estes peixes?” “Antes eles vinham aqui aos montões e agora, nenhum!” “Será que deu veneno na cabeceira deste maldito rio?” “Cruz, credo...”
Mergulhado em sua própria inércia e muito mais preocupado com suas “desgracências”, sequer lhe ocorreu em algum instante mudar de lugar. Não havia notado que  a pouco menos de cem metros de distância dele, Antão do Catuni, precavido, prudente e motivado, calmamente retirava peixes e mais peixes do mesmo rio que ele segundos atrás amaldiçoara. De soslaio, entre uma baforada e outra, viu-o. Pôs-se estático. Nada conseguia entender. Em suas divagações inferiores só conseguia concatenar isso: “Desgraça, como é possível que Antão tão perto de mim consiga pegar tantos peixes em tão pouco tempo, enquanto que eu que estou aqui o dia todo não consigo pegar nem uma piabinha?”
Ai não teve jeito. A voz da consciência que até então se achava adormecida lá no fundão da cachola do caboclo brejeiro, não se conteve. Perdeu a paciência e compostura. Aos berros,  esbravejou: “Vai trabalhar, vagabundo! Saia dessa inércia inútil! Quem você pensa que é? Durante o ano todo você ficou ai sentado neste toco, e o rio, generoso, empurrou os peixes até você para que você os pescasse. Você no entanto se acomodou de tal forma que hoje não quer nem se dar ao trabalho de caminhar menos de cem metros para busca-los. É por isso que nós, digo, eu, que sou o seu Anjo da Guarda, que recebi a triste missão do Cara lá de Cima para lhe carregar nas costas, seu estrupício,  e Ele Próprio, decidimos que a partir de hoje, se você quiser levar algum peixe para casa terá que correr atrás. Você tem que sair daí. Esse toco já não lhe agüenta mais, cara. Você precisa caminhar um pouco e emagrecer, rapaz... Feio... Molenga...Careca...  Barrigudo... Preguiçoso... Te manca, meu... Cobra que não anda não engole sapo, sô!”
Convenhamos que o vocabulário chulo, próprio de nós, simples mortais, utilizado pelo Anjo da Guarda de Dejanir, estava há milhões de anos luz de distância do que se pratica nas esferas Angelicais mais elevadas. No entanto, foram as palavras certas no momento mais que oportuno. Foi a sacudida que Dejanir necessitava para, daquele dia em diante, seguir em frente, ir à luta com coragem, determinação e galhardia.
É...
Por vezes, quando até mesmo o nosso Anjo da Guarda perde as estribeiras, é porque a coisa entortou de vez e ai, meu nego, mexa-se. Vá em frente, senão jacaré te abraça.
Enoque Alves Rodrigues, Brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia há quarenta anos, é cronista, escritor com dois livros em fase de lançamento, historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Contatos: enoque.rodrigues@ibest.com.br; enoquerodrigues2010@hotmail.com. Visitem meu blog: http://enoquerodrigues-earodriguesblogspot.com/; http://www.facebook.com/profile.php?v=info&edit_info=all&ref=nur#!/profile.php?id=100000392634518

sábado, 27 de agosto de 2011

PLANTAS MEDICINAIS - OS RAIZEIROS DO VELHO BREJO DAS ALMAS

PLANTAS MEDICINAIS  -  OS RAIZEIROS DO VELHO BREJO DAS ALMAS
Enoque Alves Rodrigues
São infinitamente incontáveis os historiadores que tem nos presenteado com seus relatos, por sinal, ricos em pormenores, a respeito da flora medicinal que existia nos serrados do velho Brejo das Almas de antanho que, contrariando a ordem da Natureza,  cobria como se verde tapete fosse, á árida terra que me serviu de berço. Eu próprio, sem qualquer pretensão de incluir-me no rol de importantes, mas mantendo a prudência peculiar, já discorri várias vezes sobre esse tema que em muitos ainda exerce grande fascínio. 
Há, no entanto, várias crendices populares que o nosso matuto brejeiro sempre procurou preservar no decorrer dos muitos anos ou séculos. Refiro-me a comprovação da eficácia de cura atribuída a determinada erva ou raiz. Aliás, ao vermos nos dias atuais a alquimia resultante das grandes descobertas no campo da indústria química prevalecer em quase todas as essências, há que nos perguntarmos: até onde devemos crer na capacidade de cura creditada pelos nossos antepassados, a esta ou aquela plantinha? Será que a raiz que se encontra curtida com cachaça de alambique dentro daquela branca garrafa tem realmente algum poder de cura ou está lá apenas devido ao seu sabor amargo ou para causar um bom efeito visual induzindo o pinguço a consumir mais? São indagações que com toda certeza habitam o imaginário de grande parte da população, pau d’agua ou não.
Contrariando minha mãezinha, a santa de cabelos brancos, razão de meu existir, que acaba de completar setenta e seis aninhos e vive lá em Burarama, que certamente me diria: “Noquinho, cuidado com certas afirmações. Lembre-se que cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém,” atrevo-me a dizer que os efeitos dessas garrafadas na maioria das vezes, são muito mais psicológicos, ou placebo que reais. Mas isso não importa. O que conta mesmo é que não há raízes e garrafadas sem os raizeiros, que as preparam e que intitulam a crônica de hoje.
Certo está que as raízes e os raizeiros fazem parte da vida de Francisco Sá, o nosso querido Brejo das Almas, desde os tempos de sua fundação. Em 1704, quando  o fazendeiro Antonio Gonçalves Figueira deixou suas fazendas Jaíba, Olhos D’agua e Colônia Montes Claros com destino ao Gorutuba, onde chegaria a dois de Novembro, incorporaram-se em sua pequena expedição de pouco mais de 20 pessoas, vários raizeiros, sendo o mais famoso deles Getúlio Santos Soares. Quando construíram a primeira Capela do Brejo, a São Gonçalo, em 1768, ao inaugura-la, estavam todos cansados e esbaforidos. Devido ao calor, forte indisposição intestinal tomou conta da plebe. Foram todos salvos por garrafadas e mais garrafadas de malva com fedegoso e semente de aroeira.
Antão do Catuni, Geraldo da Marvina, de Lagoa Seca, Rosendo, de São Geraldo, Manuel Pereira, de Poções, Bicalho, do final da Rua Montes Claros, Zezim, tocador, da Padre Augusto, Genivaldo, do Mocó, Zé Cláudio, de Vaca Morta e muitos outros, são alguns dos raizeiros que se encarregavam de abastecer os muitos botecos do Brejo com suas garrafadas milagrosas. No entanto, para quem desejasse saborear todas as garrafadas produzidas por estes verdadeiros alquimistas em uma só parte, sem  que se fizesse necessário caminhar muito, bastava apenas ir até o velho “pé na cova”, sugestivo nome de um protótipo de bar, que como o nome indica, ficava exatamente no alto, quase dentro do cemitério de Francisco Sá. Também já muito falei a respeito dos bares do Brejo. Estica o Braço, Rola Moça, do Almeida, Dê Pena, Moça Branca, Roubaram meu Gato, Corta Volta, Rola Pote, Alma Penada, Fura Fronha, Só Cinco, Boca do Inferno, cuja denominação atribuída a sua localização que ficava no antigo beco que dava, ou melhor, que levava o transeunte boêmio à procura do sexo fácil, aonde belas mulheres maculadas e iludidas por promessas fáceis, ainda em idade juvenil, vendiam o sexo, na penumbra de abajur lilás do não menos famoso “Rancho da Lua”, onde  Margot, a cafetina, imperava. Isso apenas para citar alguns botecos mais recentes em minha memória quase anciã.
As poucas farmácias da época viviam às moscas, enquanto que os bares com suas garrafadas não tinham do que reclamar. Qualquer pequena dor de cabeça, de barriga, do peito, das pernas, lombrigas, impotência sexual, etc., era motivo mais que suficiente para que o matuto brejeiro recorresse ao bar mais próximo. Chegava, informava ao dono do bar o seu suposto diagnóstico e depois de alguns segundos lá vinha o caboclo com uma límpida garrafa em uma mão e com um copo baboso na outra, dizendo: “aqui está a solução para a sua doença. Toma um gole que é tiro e queda!”
O “doente” pegava o copo e antes de solver em um só trago o precioso liquido, dava o primeiro gole para o santo e... tchan, tchan, tchan, tchan... Entornava tudo de uma só vez e em poucos instantes dizia-se curado. Não. Não ia embora. Ao contrário, ficava lá bebendo mais e enchendo o saco, até cair, fazendo a festa da cachorrada que lambia-lhe os lábios, solvendo os sabores maléficos da aguardente. Enquanto isso, a patroa brejeira que ficara em casa preocupada com os queixumes do bebum, não restava outra alternativa senão o difícil périplo pelas escuras ruas do Brejo, em busca do infeliz em um dos muitos bares, cuja missão quase impossível, mas que protegida pela deusa que ampara e sustenta todas as deusas do sexo feminino, principalmente as nossas mulheres brejeiras, acabava por lograr êxito em seu intento. Lá estava o “maldito” estirado à frente do bar. Chamava-lhe pelo nome. Nenhum sinal de vida. Estava quase em coma alcoólico. Ai a grande heroína do lar, com a ajuda de alguns outros bebuns que ainda estavam de pé, mesmo tropeçando nas próprias pernas, punham-no em posição vertical, jogava-o nas costas e lá se iam, trôpegos, esposa e pau d’agua à caminho do lar aconchegante.
É...
Por vezes, não há cruz mais pesada e difícil de carregar, que um bêbado às costas.
Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Escritor com dois livros a serem lançados, Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/ 

domingo, 14 de agosto de 2011

DEVANEIOS DE UM BREJEIRO AUSENTE – ANDANDO PELAS RUAS DO BREJO

DEVANEIOS DE UM BREJEIRO AUSENTE – ANDANDO PELAS RUAS DO BREJO

Enoque Alves Rodrigues

A imaginação é a mais poderosa aeronave que nos transporta em fração de segundos de um ponto ao outro do Universo, sem que tenhamos movido sequer um dos pés do local em que nos encontramos. Através de suas poderosas asas voamos para os mais longínquos lugares, principalmente para onde se detém os nossos laços e recordações da infância indelével.
Foi assim que de repente me pus a vagar, de maneira dispersa e sem destino definido, pelas ruas, avenidas e praças de meu querido Brejo das Almas, Francisco Sá, “beldade do norte de minas”.
Vi-me defronte à Drogaria União, próximo ao Banco do Brasil, na Praça Jacinto Silveira, de onde iniciei minha caminhada. Parei um pouco em frente à Igreja Matriz e observava a movimentação dos fieis que saiam de mais uma missa. Ganhei a Alameda Montes Claros e fui seguindo. Vi a antiga casa onde antes era a Pensão da Dona Quino, cuja frente servia de ponto para os ônibus que vinham da região de Salinas, Taiobeiras, Grão Mogol, etc.
Mercearia Alameda, Casa Lotérica Lotefrasa,  Minas Bahia Consultoria, até a Farmácia Mineira na mesma Alameda. Sem mais nem menos, vi-me, desta vez diante do Mercado Compre Sempre, na Rua Sete de Setembro, com suas saliências íngremes, João de França Corretor de Imóveis, Diocese de Montes Claros, Fantástico Móveis, Casa Quincas, etc. Saio na Rua Marechal Floriano Peixoto. O Bar do Ronaldo, Casa Rocha, Comercial Moreira, Varejão do Hélio, Mercearia Dois Irmãos, Mercearia São Luiz, etc.  Agora estou na Rua Padre Augusto, diante da Funerária Avelar –cruz credo-, Mercearia São José. Sigo por ela: Sol e Mar, Varejão da Economia. Paro um pouco e antes de virar a direita para sair em frente ao Mercado Municipal, ponho-me a pensar... Quantos, porventura, de nossos conterrâneos saberiam definir o quanto representou o  nome gravado naquela velha placa para o Brejo das Almas?  O certo é que o Padre Augusto Prudêncio da Silva, sobre o qual muito já escrevi neste mesmo espaço foi, juntamente com Jacinto Silveira, um dos maiores beneméritos do antigo Brejo das Almas.
Ao invés de entrar à direita, retorno à esquerda, pegando a Avenida Getúlio Vargas. Passo em frente à Igreja de São Gonçalo. Observo, agora, os prédios da Prefeitura e da Câmara Municipal. Subo,  trôpego, as escadarias da Câmara e posso observar em seu interior. Na portaria uma gorda senhora com uma prancheta à mão. Sequer nota minha insignificante presença. Adentro os interiores. Fotos antigas e amareladas pelo tempo de Legislaturas de há muito passadas. Sento-me numa das cadeiras do Plenário de onde vejo a Nobre edilidade debruçada sobre projeto de grande interesse e relevância para os munícipes brejeiros. Depois de acirrada discussão, aprovaram-no por maioria absoluta. Saio de lá feliz e convicto de que o meu povo a minha gente, os meus queridos iguais, estão sendo muito bem representados. Que, sem duvida alguma, os seus anseios e suas necessidades mais prementes e comezinhas estão sendo, aos poucos atendidos.
De igual modo, entro no prédio da Prefeitura. Feinho, claro, assim como o da Câmara, faltam algumas reformas. Nenhum obstáculo. Alias esta é uma das grandes vantagens de viver e morar em pequenas localidades. Os acessos são livres. Se você for um local, conhecerá a todos e todos o conhecem. Mas se você não for local, acaba passando despercebido. Agora estou defronte ao Gabinete do Prefeito. Posso vê-lo com sua bela “pena” a sancionar o Projeto de Lei que momentos antes tivera eu o privilégio de ver sendo discutido e aprovado na Câmara de Vereadores. Sem quaisquer delongas, o grande chefe do Poder Executivo Brejeiro, homem de grande sensibilidade política e elevado espírito público, comprometido em mitigar facilidades que beneficiem seu povo,  com uma só canetada enquanto eu piscava, zás... Com um só risco, com o seco e assertivo “cumpre-se” dos magistrados, libera toda aquela papelada à Secretaria para que seja registrada nos anais. 
Êxtase incomensurável mesclado com prazer e sentimentos de uma pequenez pessimista e abstrata, invadiu  meu ser. Pensei comigo: Que coisa feia... Por que razão eu imaginava que as celeridades  para com as decisões e aprovações de coisas que beneficiam realmente o povo não aconteciam? O que me levou a subestimar algo tão transparente e cristalino? Sei lá...
O certo é que a felicidade sobrepunha os questionamentos de inferioridades de minha reles pessoa. Poderia ali mesmo encerrar aquele périplo pelas ruas do Brejo. Mesmo assim continuei caminhando sem rumo. Correios, Espaço Rural, Asilo São Vicente, Funasa, Construpena, etc. Na Praça Duque de Caxias, vejo o antigo casarão que pertencia a Rogério da Costa Negro, Casa Prado, Hidrogás, Farmácia Nossa Senhora das Graças, Humberto Ruas e Cia, etc. Na Olimpio Dias, Banco Itaú, Tribunal de Justiça de Minas, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Kenya Criações, etc. Na Alfredo Sá, Policia Rodoviária e Cartórios de Protestos e do Primeiro Oficio. Na Francelino Dias, Rádio Raízes e outras. Na Rua Capitão Enéas, O Instituto Municipal de Previdência. Na Lauro Oliveira, o prédio da Escola Estadual Donato dos Santos, Tiburtino Pena, a Augusta e Representável Loja. Na Zeca Guida, o Instituto Mineiro. O Café Cometa da Rua Sargento Mor. Na Rua Belo Horizonte a Secretaria Municipal de Saúde. Na José Patrício Silveira, o Sindicato Rural de Francisco Sá. A Doce Magia Modas, da Rua Tremendal. O Colégio Pirâmide, na Rua Minas Gerais. Na Travessa do Rosário, o Sacolão Brejeiro. O Hospital São Dimas e oTribunal Regional Eleitoral na Rua João Catulino. O Centro de Saúde da Praça Rogério da Costa Negro. Hotel Avenida, da Avenida Padre Silvestre. Depois de muito caminhar me vejo à frente do Hotel Amaralina, onde, “supostamente” estou hospedado. Na mesma praça de onde iniciei a minha caminhada. O corpo pede repouso. Observo, de soslaio, do outro lado da Praça dois conterrâneos ao lado de um boizinho sofrível, com uma selinha ao lombo e com uma garrafa pet a servir-lhe de penico.
Uai, eu não havia dito, supostamente?
Pois é!
Todo esse transe de felicidade ímpar seria muita “areia para o caminhãozinho deste pobre mortal”. Eis que na calada da noite, não demorou muito e a invenção de Alexandre Graham Bell, toca...
Ao tira-lo do gancho, antes mesmo que eu falasse “alô”, uma voz feminina que de pronto identifiquei começou.
Dr. É a Luzinete...
Oi, Luzinete, qual é o problema?
Desculpe-me, doutor, pelo adiantado da hora... Mas eu estou te ligando para avisar que aquele treinamento que o senhor ia dar para o pessoal da Obra de Candeias, na Bahia, foi antecipado para hoje.
Luzinete, sua “demônia”, mas eu não lhe disse que não queria ser incomodado quando estivesse em minha terra? Você, por acaso, não sabe que eu estou aqui em Francisco Sá? Desmarque essa joça, imediatamente...
Desculpe-me, doutor, mas acho que o senhor está enganado, pois eu estou ligando para o telefone fixo de sua residência daqui de São Paulo. Assim sendo, o senhor se encontra aqui em SAMPA e não lá no seu “Brejo das Almas”. E com uma gargalhada sarcástica e escrachada, própria dos tiradores de sarro, ainda me comeu o toco... Acorda prá realidade, doutor...Ha, ha, ha, ha,ha,ha...
É...
Por vezes, sem que saibamos, o maior dos pesadelos está em nosso próprio despertar!!!
Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá:
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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

SER BREJEIRO É... AMAR O BREJO SOBRE TODAS AS COISAS...

SER BREJEIRO É...  AMAR O BREJO SOBRE TODAS AS COISAS...
Enoque Alves Rodrigues
Há algum tempo atrás li em minha página de relacionamentos “face”, aparte de um conterrâneo ao outro que me sugeria escrever sobre determinado tema relacionado, como sempre, ao Brejo das Almas, do qual supunha ele deter eu o domínio do conhecimento.
Na breve missiva, o conterrâneo que aparteava a quem agradeço de coração, do alto de sua inquestionável sapiência, manifestava-se surpreso devido o outro ter sugerido a mim, que nem no Brejo vivo e não a ele, mencionado tema.  Finalizava informando que sai do Brejo muito cedo e que, portanto, não poderia discorrer com natural propriedade tal assunto, etc.
Tenho por premissa me resguardar de comentar ou me envolver com temáticas polemicas onde não consigo visualizar claramente o trinômio principio, meio e fim. É que na área de Engenharia onde atuo, lidamos muito com ciências exatas, cujo cume é o resultado. Assim sendo, as coisas que não se enquadram neste perfil, julgamo-las, abstratas ou descartáveis o suficiente a não nos permitir que debrucemos sobre elas para tomarmos ações que certamente nos levarão do nada a lugar algum.
Não tenho nos dias atuais nenhum vinculo familiar, qualquer parentesco ou contato físico com alguém que vive no Brejo. Ando por suas ruas sem ser sequer notado. Ninguém me conhece fisicamente. Os poucos, que lá ficaram,  com os quais convivia, já estão, certamente, no andar de cima. Devo aqui ressaltar que sou brejeiro de nascimento, por amor e convicção. Apenas isso já bastaria para justificar esse meu inexplicável apego à terra que me serviu de berço. A incondicionalidade do amor que nutro pelo Brejo das Almas, sua gente e suas mazelas, está lastreada nas mesmas dificuldades que me obrigaram um dia a sair de lá, e principalmente, pelos parâmetros comparativos que pude estabelecer, diante de várias localidades e povos que vim a conhecer aqui mesmo no Brasil e em outras partes ao redor do Mundo, como no Oriente Médio, por exemplo. Em São Paulo, onde vivo, creio ter atingido o modesto pedestal pelo qual lutei e que a vida me reservou, durante longuíssimos anos de labuta.
Mas... E então, não deveria eu nesse caso, amar muito mais a São Paulo que me acolheu, quando necessitava, dando-me guarida, após haver, com seu coração hospitaleiro e cheio de bondade, me convertido através de seus costumes, sotaques diferenciados dos Italianos da Mooca, com suas pizzas e bracholas, em um de seus iguais?
Não. Negativo!
Amo São Paulo assim como amaria qualquer outro lugar que tivesse me proporcionado constituir minha família, participar de seu crescimento e ainda por cima, depois de comer o pão que o capeta amassou, chegar ao ápice da vida com algum no bolso para me sustentar, sei lá, por quanto tempo, sobre as já frágeis e trêmulas pernas que ás vezes insistem,  como as mulas empacadeiras do meu Brejo querido, em não mais querer sair do lugar, carregando o peso de minha saliente barriga. É a vida, meu nêgo.
Amar, já dizia o Poeta, é dar-se sem pedir nada em troca. O meu amor pelo Brejo das Almas, ou Francisco Sá, “beldade do norte de Minas” vem daí. Desde que nasci até hoje, muitos anos se passaram desde que amassei pela ultima vez a bosta das vacas da Fazenda Terra Branca de propriedade de meu avô, no Município do Brejo das Almas. Mesmo assim, ainda hoje meus pobres pés, ao palmilharem alguns importantes centros financeiros, palácios de convenções, centros empresariais e conferências inerentes a minha atividade, conseguem tropeçar em algo de natureza mole e tonalidade verde e escorregadia, que no final, pasmo, as narinas que jamais me traem, constatam tratar-se da mesma bosta de vaca dos tempos de outrora.
O amor, meus queridos amigos e conterrâneos é algo que sobrepõe o nosso querer. Nós não escolhemos o que ou quem vamos amar. Dessa forma, por me faltar argumentos dentro da objetividade, por não dispor de palavras suficientes que me permitam relatar com clareza, todas as causas, motivos e peculiaridades que canalizam o meu amor pelo Brejo das Almas, resta-me apenas me homiziar por detrás do meu mineirismo brejeiro, para lhes afirmar categoricamente, que somente o fato do Brejo ter produzido esse povo simples, lindo e maravilhoso onde eu, igual algum encontrei pelas diversas plagas percorridas, esse povo que transita pelas empoeiradas ruas do Brejo onde eu, muitas vezes, em vigília do espírito invisível, também me encontro a caminhar, basta-me para seguir amando-o com todas as forças do meu ser, sem quaisquer outras justificativas. Assim é o amor.
E tenho dito!
Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/ 

sábado, 30 de julho de 2011

BELEZAS DE NOSSA TERRA - BREJO DAS ALMAS

BELEZAS DE NOSSA TERRA - BREJO DAS ALMAS

Enoque Alves Rodrigues

Desde os mais longínquos primórdios, as belezas da terra que me serviu de berço, o Brejo das Almas, ou Francisco Sá, “beldade do norte de Minas”, são desfiladas em prosa e verso pelos mais diferentes Poetas e Escritores, amantes daquele abençoado torrão. Sejam eles nascidos ou não, naquele recanto. O Itabirense Carlos Drummond de Andrade que o diga. Fascinado com as maravilhas de nossa terra, dedicou todo um livro, uma de suas principais Obras Primas, marco da Literatura Brasileira, ao nosso “Brejo das Almas”.
Encravada no denominado polígono da seca, lá está ela desde Antonio Figueira, linda e faceira a produzir com a mesma lentidão da vida mineira, os seus naturais encantos.
No Brejo, nascemos e vivemos entre vários rebanhos bovinos, caprinos e suínos. Dormimos e acordamos sob o som de imensa orquestra regida por pássaros silvestres de todas as etnias  que nos brindam com os seus mais diferentes cantos. O perfume inconfundível das florzinhas agrestes que o vento em lufadas divinas insiste em brindar nossas casas, entrando por portas e janelas, a impregnarem seus interiores é algo difícil de narrar. As suas ruas, estreitas, algumas empoeiradas, outras com pavimentações precárias, cujo traçado por vezes leva o  nada a lugar algum, mas que seguiram a topografia natural do lugar, dão- nos a sensação nítida de que o Brejo das Almas foi todo esculpido e moldado sob medida para o nosso deleite.
A beleza das águas paradas da antiga Lagoa das Pedras, que refletiam qual espelho, as imagens das árvores frondosas circundantes, dos bovinos à sombra, deitados, depois de mitigada a sede, dos marrecos, dos ariris, e patos nadando sobre sua superfície, na qual refletia o azul celeste do céu de sol claro, tudo isto, restam-me retidos no recôndito, idelével.
De onde surgiu a denominação “Brejo das Almas?”. Não sabemos. Conheço todas elas. No entanto, nada disso importa. O certo é que antigamente a simples enunciação do nome “Brejo das Almas”, causava aos que desconheciam o nosso lugar uma repentina fobia. Mesmo não sendo eu tão velho assim, me lembro que houve tempos que os próprios brejeiros temiam ao ouvirem sua denominação. Nos dias de finados isso ficava mais patente. Em Montes Claros e outras Cidades adjacentes quando alguém falava: “vou dar um pulo no brejo” fatalmente se ouvia com toda naturalidade: “mas você vai voltar?” “Cuidado, não vá se afogar!”. Depois... “Ande com cuidado por que senão alguma alma penada vai lhe puxar as pernas!”.
A este temor não escapou nem mesmo o grande professor, jornalista e poeta, nascido em 1898, em Camanducáia, MG, Mário Casassanta, em sua belíssima crônica relatando seu regresso de uma excursão ao Norte de Minas em 1933, quando assim escreveu: “Deixando Montes Claros, poucas horas depois, Brejo das Almas. Eu fazia de Brejo das Almas uma idéia tenebrosa. Por que? Pelo nome? Pela distancia? Não sei.”
Para o Dr. Mário Casassanta o nome de nossa querida terra se associa à nossa memória as imagens do ermo dos pântanos e ao silêncio do alem... ” Entretanto a sua visão de homem sensível captou algo as belezas naturais de que somos dotados, e a sua capacidade de homem percuciente e de relevante cabedal de estudos, soube ver as nossas reais possibilidades." E deste modo finaliza sua crônica: “Brejo das Almas dá-me assim, longínqua e doirada de sol como a vi – com a sua opulência florestal, com o seu solo fecundo, com os seus rebanhos, com os seus laticínios, com a sua linda serra, com os seus engenhos, com o seu algodão, com a sua escola fecundíssima, com a sua linhagem de Tiradentes, com a sua linhagem de homem de ideal – Brejo das Almas dá-me assim uma impressão perfeita e encantadora de como é rica de aspectos e de como é cheia de imprevistos a Civilização de Minas Gerais”.
Há também os que acham “excêntrico” o nosso antigo nome. Nós Brejeiros também pensamos diferente. Achamo-lo sugestivo e poético. Ele é simplesmente lindo. Desculpem-me, pelo bairrismo.
O grande “Brejeiro” Olyntho Silveira, orgulho maior de nossa gente, assim como todos os “Silveira”, que ainda hoje, para nossa felicidade povoam nossa terra como guardiães da honra, brindando-a com exemplos de probidade e lisura, no campo político, social e econômico, desencarnado em Montes Claros com quase cem anos, -de quem empresto aqui a maioria das palavras que utilizo hoje nesta crônica- dizia do alto de sua inigualável sabedoria:
“Eis o ideal para os nomes dos lugares – sugerirem à inteligência uma suposição, criarem um estado d’alma,  desencadearem a delicada máquina da imaginação que, abalada, de roda em roda, acaba produzindo um sonho acordado. Maravilhoso poder de uma palavra, que logo entra a mexer em nossos arquivos cerebrais, alvoroçando recordações visuais, reconstituindo sonhos e perfumes que a muito se dissiparam, etc. Infelizmente já se tornaram raros e não tardarão em desaparecer as denominações locais, assim ricas de sugestões, poesias e saudades... A rua dos Junquilhos, breve e modesta como a plantinha amiga da sombra sua madrinha, manter-se-á quanto tempo reste de vida a um chefete político a quem alguns amigos pretendam prestar uma homenagem após sua morte. Será em breve a rua Coronel Filismino ou Praxedes, cuja memória aliás nada ganhará.”
Pois é... Isto posto, ficamos assim...
Em que pese o grande homem publico que foi o Dr. Francisco Sá, sobre quem eu, um reles genérico de escritor, especializado em engenharia, tanto escrevi, enaltecendo as inquestionáveis virtudes das quais era possuidor, apenas empresta sua imaculada nomenclatura a nossa Cidade como mera “marca de fantasia”. O nome real recebido na pia batismal da localidade onde nasce o rio São Domingos, onde se encontra a Serra do Catuni, os dois riachos, o morro do mocó, um pouco mais adiante o morro da maceira, a Igreja Matriz e a Igreja de São Gonçalo, entre outras... O calçadão do centro por onde transitam desde a mais pura nata ao mais simples proletariado, meus iguais, e principalmente devido a infinidade de brejos que a compõem,  chama-se “Brejo das Almas”.
E tenho dito!
Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/ 

sábado, 23 de julho de 2011

MINEIRISMO BREJEIRO - “CHUVA FINA E TEMPESTADE”


Enoque Alves Rodrigues

Quando em Março de 1931 o médico Dr. Paulo Cerqueira Rodrigues Pereira assumiu a Prefeitura da terra dos meus encantos, Brejo das Almas, ou Francisco Sá, na condição de seu primeiro Prefeito, iniciou-se um tremendo quebra-quebra na pacata Cidadezinha. Não, não se tratava de nenhuma confusão ou levante de revoltosos refratários à nova administração. Já naqueles tempos assim como nos dias atuais, a paz que muitos anseiam em várias partes do Mundo, sempre se fez presente naquele “pedacinho de céu” que quis a Divina Natureza me servisse de berço. Obras e mais obras pipocavam por todos os lados. O Dr. Paulo era na verdade um Médico com espírito de Engenheiro. O homem era foda!
O antigo Largo da Matriz, hoje Praça Jacinto Silveira, assim como a maioria das casas, se achavam sobre grande elevação mais parecida com um morro em pleno centro. Não teve jeito: o nivelamento das ruas e praças do velho Brejo das Almas era inevitável.
Incontinenti, iniciaram-se os trabalhos, árduos por sinal. Naqueles tempos eram absolutamente desnecessárias as famosas tomadas de preços e licitações. Claro, ninguém roubava.
Assim sendo, todas as atividades inerentes ao corte do mato, poda da grama, retirada e recolocação de empedramentos nas ruas, escavações, terraplenagens, movimentação de materiais, eram executados na base da enxada, foice, picareta e carroças puxadas por mulas. Os funcionários pertenciam aos quadros efetivos da Prefeitura.
Formaram-se, então, duas frentes de trabalho. Todas elas tinham seu “front” no próprio Largo da Matriz. Elas eram batizadas com os nomes de seus capatazes, ou seja, o cabo de turma. Esse indivíduo era o responsável por comandar o pessoal, realizar as medições das tarefas executadas que eram reportadas, implacavelmente, ao Ilustre Prefeito. Senhor alto, magro, olhos claros, que vestia-se, impecavelmente, pela mais pura gabardine e ternos bem cortados pelos melhores alfaiates de Montes Claros. Era nascido na região e apesar de tudo, fazia da simplicidade a sua maneira de ser.
A primeira frente, uma barraca coberta com lona onde os peões guardavam seu ferramental, ficava logo atrás da Igreja, onde hoje é o número 41, da Rua Padre Augusto. Esta era comandada pelo Salineiro Geraldo Salinas, cujo sobrenome fazia jus a sua terra de nascimento e também a cachaça de mesmo nome produzida na Cidade de Salinas, da qual era ele fiel adepto. Enquanto que a outra frente de trabalho, comandada pelo brejeiro Gedeão Picareta, ficava no final do Largo da Matriz, no exato lugar onde se encontra atualmente o Hotel Amaralina. Sua equipe, por sinal a mais produtiva, era composta por vários indivíduos entre eles, o baiano “Zé Mãozinha”, apelido que fazia alusão a sua deficiência física, por não possuir a Mão direita, que, no entanto, não o impedia de ser o “rei da picareta”. Era o melhor de todos. O carroceiro era o Jerônimo “pernas tortas”, codinome este que indicava suas curtas pernas arqueadas à guisa de uma torquês. Para completar o trio de aleijados, a própria besta, encarregada de puxar a carroça também possuía as patas dianteiras tortas, igual ao seu carroceiro. Qualquer incauto que observasse aquele trio fora de ação não daria um tostão furado por ele. No entanto, quando ás 6 da manhã ouvia-se o tilintar da pedra sobre a velha enxada pendurada em frente à tenda, o trio se transformava e não tinha pra ninguém. Eram metros e mais metros cúbicos de terra escavados e puxados.
O Estelita Pena, além de vendeiro, fora nomeado fiscal da Prefeitura. A ele cabia fiscalizar a todos e levar diretamente os reportes ao Prefeito Dr. Paulo.
Certa ocasião, a mais produtiva frente de trabalho, a frente do final do Largo, a do trio de aleijados, não contente com o “ganhame” e principalmente por ver que a outra frente da “rua do Padre” que não produzia quase nada e, no entanto, ganhava igual, resolveu fazer corpo mole. Ou melhor, “cozinhar o galo”. Só que o galo era muito velho. Sabendo disso, o Dr. Paulo recomendou ao Estelita Pena “fechar o cerco” sobre mencionado trio. As atenções do Fiscal foram redobradas para que o trio voltasse a dar a produção de antes.
Mas não teve jeito. Ai entrou em ação o “mineirismo brejeiro”. Os outrora senhores produtivos, incluindo ai a pobre besta, se transformaram em malandros, cheios de tretas e artimanhas que utilizavam para driblar as atenções do Fiscal Estelita. Combinaram, então, “Zé Mãozinha” e “Pernas Tortas”, menos a besta que puxava a carroça, coitada, linguagem cifrada na qual se comunicavam com os demais trabalhadores. Ao Dr. Paulo Cerqueira, Prefeito, por ser exaltado e exigente,  deram o apelido de “tempestade”. Já para o Fiscal Estelita Pena, alcunharam-no de “chuva fina”. E assim passavam longas horas enrolando cigarros e mais cigarros de palha e bebericando uma cachacinha dentro de um corote, providencialmente escondido sob uma moita, sem que se ouvisse qualquer zumbido de picaretas a agredirem as pedras, nem o barulho natural das enxadas escavando a terra, ou das pás jogando-a sobre a carroça e nem a voz de comando do carroceiro “Pernas Tortas” à besta: “Vamos tortinha, levá mais essa terrinha. O Brejo pricisa de nóis”.
Paradões estavam... Enquanto fumavam e bebiam, conversavam amenidades e, claro, sempre às espreitas, observavam o movimento. A desídia definitivamente se abatera sobre aquela produtiva equipe.
Quando, no entanto, o Fiscal Estelita Pena surgia ao longe, percorrendo o caminho entre a Prefeitura e o Largo, hoje convertido em Alameda principal, por onde transitam os lindos pezinhos da mais pura “beleza brejeira”, meu povo, meus conterrâneos, meus iguais, ouvia-se os gritos dos agora “malandros”
- “Chuva Fina!”. Lá vem “chuva fina...” Pronto. Era este o grito de guerra... As picaretas que até então estavam imobilizadas subiam ao ar freneticamente e ao descerem-se retiniam sobre as pedras arrancando delas faíscas de fogo como verdadeiros meteoros. A pobre mula, ou melhor, a besta, que até então dormia o “sono dos justos”, atarantada, não conseguia entender porque agora era acordada com os gritos desesperados de seu carroceiro “pernas tortas”, que ainda lhe xingava: “Vamos lá, sua mula pernas tortas de uma figa, levá esta mardita terra, senão no fim do mêiz num sobra nada prá nóis, diabos!”
A cada aparição do Prefeito seguiam-se no mesmo diapasão, só que a senha era outra: “Lá vem a tempestade” e ai o pau comia solto de novo.
É...
Por vezes, é muito tênue a linha que separa o trabalhador dedicado e comprometido com sua lide, do malandro imaginário.

Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/ 

sexta-feira, 8 de julho de 2011

MINEIRISMO BREJEIRO – JUCA E SATURNINO

Enoque Alves Rodrigues
São Geraldo, 1960. A bela Florisbela, 18 anos, era minha Professora, tendo a Dona Ana Lucila, como substituta, enquanto que minha querida mãe, ser angelical, era Diretora daquele humilde, no entanto, importante, por ser o único, Grupo Escolar. Diminuta casa de  alvenaria de uma porta só, que ficava bem em frente ao cemitério daquele outrora pequenino povoado de São Geraldo, que pertence ao Município de Francisco Sá, ou Brejo das Almas. Nossa casa ficava bem ao lado do Grupo Escolar, tendo como cenário ao fundo, vasto e seco serrado onde de verde restava apenas um antiguíssimo pé de umbu, em cujas copas e folhagens algumas maritacas tagarelavam, sem cessar. O sol ali era abrasador. Mamonas nativas estalavam ao longe demonstrando suas fragilidades diante do calor que se assemelhava a densidade do mesmo que se esvaia das fogueiras das inquisições onde os santos ardiam. A cigarra, incondicional amante da seca, inseria seu cantar a plenos pulmões, a cada intervalo de um pipocar e outro. Era a vida que fluía por aquelas plagas, implacável, mas preguiçosamente...
Na sede do Município, Francisco Sá, Silveira, Oliveira e outros se sucediam. Em Cana Brava Zeca reinava absoluto, enquanto que em Burarama, Enéas, já no final de sua linda e proba existência, ainda dava as cartas como o dono do pedaço e senhor absoluto. Muito fez em defesa de seu povo e de seu torrão que hoje se denomina Capitão Enéas,  a Cidade das avenidas, por suas vastas, planas e bem traçadas ruas, cuja planície, presente da Natureza, por concessão única ou quiçá por descuido dos deuses, àquele abençoado recanto localizado ao norte de Minas, estado que se encontra em quase seu todo, coberto por montanhas e elevações, dai vindo o seu codinome “alterosas”.
Em São Geraldo, Juca e Saturnino ou Saturnino e Juca, conduziam os destinos políticos e econômicos daquela plebe proletária cuja subsistência muitas vezes ou quase sempre, dependia de alguma ação por parte daqueles dois caciques que, cada qual a sua maneira, se desdobrava  no intuito de atender os mais comezinhos reclamos e, por via de conseqüência natural, colher algum dividendo, quer ele político, social ou mesmo convertido num simples massagear de ego.
Logo na entrada do lugarejo ficava o casarão da fazenda de Saturnino, cuja densidade geográfica ia até a metade do lugar. A partir dali entrava-se nos domínios de Juca, com sua grande e assobradada casa, dentro de um grande manguezal,  localizados na saída do povoado de São Geraldo. Eles eram adversários políticos, sendo um da antiga ARENA e o outro do MDB. Evidentemente que nas eleições eles faziam campanhas e Comícios fartos para os candidatos de suas respectivas predileções e assim, ganhava o candidato daquele que conseguia arregimentar aos tais comícios quantidade maior de pessoas.
Será?
Nem sempre!
O certo é que se você fosse visto em Comícios de Saturnino não poderia nem pensar em dar as caras nos Comícios de Juca e, vice-versa. É ai que entrava em cena a grande “expertise” ou jogo de cintura às avessas, do proleta “brejeiro-geraldino” – seria esse o gentílico? Sei lá, não importa! O fato é que a barriga dos frágeis “bacuris” ainda em idade tenra,  reclamava os teores calóricos necessários a uma subsistência digna. Não tinha conversa bonita, não. Era rango no prato e pronto! Nada mais interessava. E como dizia o senhor Madruga, personagem do seriado “Chaves”: “quando a fome aperta a vergonha afrouxa”. E afrouxava mesmo. O caboclo, para não perder a “boquinha” do churrasco fácil com cachaça, o fiado no vendeiro da esquina, a peça de tergal para cobrir as vergonhas da mulher, o emulsão scott para expelir as solitárias das barriguinhas de “mandi de enchente” dos filhos, tinha mesmo que ir à luta. Nem que para isso tivesse que gastar o seu autêntico mineirismo. Quando alguém era pilhado em Comícios adversários, era comum ouvir-se o seguinte diálogo:
- “Vi-o, ontem à noite, no Comício de Saturnino!”
- “Negativo. Jamais estive lá. Era o meu irmão gêmeo!”...
- “Uai, mais você não é o filho único da dona Maria do seu Lalau do açougue?”
- “Sou! Por acaso você não sabe que acabaram de adotar um irmão para mim lá em casa?”
- “Não. Não sei. Tudo que sei é que se o seu irmão é adotado ele não pode ser nenhum gêmeo seu. Portanto, não deveria parecer nada com você!”
- “É que você não entende de genética,  sô!”
“Uai, espere um pouco. Se você esteve ontem no Comício de Saturnino e viu o meu irmão gêmeo, que diabos você está fazendo aqui no Comício de Juca?”
- “E quem foi que lhe disse que eu estive lá?”
- “Uai, mas você acabou de me dizer!”
- “Por acaso eu lhe falei que estive lá, pessoalmente?”
- “Não. Isso você não falou. Você só disse que havia me visto lá. Nada mais!”
- “Então,  pronto. Está tudo explicado... Já ouviu falar num negócio chamado “espírito?”
- “Já!”
- “Pois é, seu bocó,  quem lhe viu ontem a noite, comendo churrasco e bebendo cachaça lá no Comício de Saturnino, foi o meu espírito, enquanto eu dormia!”
- “É verdade, sô. Acabo de me lembrar...” – finalizou o outro agora preocupado em ficar bem na fita: “o sujeito feio, desdentado, faminto e barrigudo que o seu espírito viu lá no comício de Saturnino comendo churrasco e bebendo cachaça também não era eu não. Era o meu espírito, aquele sem-vergonha, que fica batendo pernas por ai enquanto eu durmo como um anjinho.”
É...

Por vezes, o melhor mesmo é fingir-se de morto para não correr o risco de se perder a boquinha.
E tenho dito!
Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá,  Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil. Visitem meu blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/