quinta-feira, 30 de maio de 2013

CENAS BREJEIRAS 10 - FINAL - NANÁ PRAXEDES



CENAS BREJEIRAS 10 – FINAL - NANÁ PRAXEDES

*Enoque Alves Rodrigues

Contemporânea de Sá Antonina que tinha seu Sitio bem na entrada de Francisco Sá ou Brejo das Almas, Naná Praxedes era uma senhora de idade já avançada.  Morena, alta, enviuvou cedo de Nonô que contava quarenta anos quando faleceu de amarelão. Como herança deixou-lhe aquela fazenda denominada “barriguda” que se localizava a beira da antiga estrada de Cana Brava ou especificamente na “baixa da migrada”, no município do Brejo. Tinha ela o jeitão das matronas da época, quando, a mulher, divino ser, não conseguia revelar sua feminilidade a não ser na condução austera dos destinos do lar, e da família. Eram comuns as dificuldades que a mulher tinha naqueles tempos quando se via de repente só. Naná, muito pelo contrário, depois de perder Nonô arregaçou ás mangas e foi à luta. Com dois filhos já adultos, Deda e Durval que a ajudavam nos trabalhos da fazenda, não demorou muito e aquele amontoado de torrões ressecados ganhou uma nova visão panorâmica de um verde indescritível.

Tudo que Naná plantava, independente da época, vingava. Ela, que ao lado de Nonô, tinham seis vaquinhas sofridas que nem crias davam juntamente com aquele pobre e fraco genérico de reprodutor que até mesmo para comer o colonião seco tinha que encostar-se nos barrancos, agora possuía uma grande manada de gado. Vacas leiteiras, bois de corte, bezerrinhos mamando, desmamando, nascendo, etc. No chiqueiro a porcada só reproduzia e Naná feliz progredia. O paiol abarrotado de milho, feijão, algodão e outras culturas. A peonada na roça se desdobrava para dar conta de tanto trabalho. O arado não parava um minuto sequer. A terra fértil reclamava o lançar da semente para em pouco tempo, leal, faceira e orgulhosa, devolver a Naná o resultado multiplicado milhares de vezes.

Carretas saiam da bela MOC e de outros confins e se aportavam diante da fazenda “Barriguda” para retirar produtos comprados a peso de ouro. Mas o que era aquilo? Enquanto a seca castigava quase todas as regiões, consumindo sítios e fazendas, a “barriguda” jamais sentia qualquer revés. Seguia produzindo de tudo e em grandes quantidades...

Enquanto isso Manoel Flor, ou “Mané Fulô”, vizinho e proprietário da fazenda “Pau D’alho” que fazia divisa com a fazenda de Naná, desolado e com inveja observava todo aquele movimento. Tentava buscar, inutilmente, em suas lembranças, algo parecido ou próximo de todo aquele sucesso. De tanto retroagir, eis que se achou no dia de seu próprio nascimento. Na mesma fazenda setenta e três anos antes onde se viu chorando de fome. Aquilo não era vida! Como foi possível ter passado todo aquele tempo sem que ele sequer saísse do lugar? O que teria acontecido de tão grave que o impediu de crescer? Será que ele tinha caminhado para trás? Sim por que aquela fazenda ele havia herdado do pai e como já mencionei, mesmo fazendeiro, ele sempre viveu em dificuldades.
O que mais o corroía, de inveja e de ódio, era ver aquela mulher prosperar. Como podia ser aquilo? Quando o marido vivia as terras deles que eram divididas por um pequeno afluente do Quém-Quém não produziam nada e agora... Bem, ele continuava não produzindo, mas, e Naná...

“Aquela mulher” – agora era assim que ele se referia a sua vizinha e amiga de infância -, estava lhe tirando o sono. Próximo, pensava ele, estava o dia em que todos mangariam dele... Deixou-se vencer por uma mulher... Naná, imbatível... Naná, “sortuda”... Por que será que só Naná colhia? Por que será que ele não conseguia colher? Por que será... Por que será?

Manoel se questionava, mas sem se preocupar em procurar as verdadeiras razões de sua desgraça. É próprio dos fracos e derrotados de nascença buscar no sucesso dos outros o motivo de seu insucesso ao invés de ir à luta.

A vegetação seca e rasteira há muitos anos havia invadido aquela sua imensa fazenda, não obstante, privilegiada pela Natureza que a brindou com dois olhos d’agua onde nascia o afluente do caudaloso Quém-Quém. Touceiras de quiçaça esturricada rangiam ao sopro do vento de agosto. A caçarema deitava e rolava a vontade em seus ninhos em copas de arbustos miseráveis, a guisa de cupins. Aliás, pasmem brejeiros, aquele infeliz ser, em sua inabalável inércia atribuía parte de sua desdita ao primeiro surgimento da fétida Caçarema que segundo afirmava, foi a partir dali que a chuva sumiu de vez. Ela era de mau agouro! Mentira. Não era nada disso. Se assim fosse a fazenda de Naná também não produziria.

A Natureza é pródiga para com os que trabalham. Que não têm medo de trampo. Para aqueles que morrem de pé. Mas, também, sabe ser implacável para com os preguiçosos, insolentes e fúteis que desejam passar pela vida sem vivê-la. Sem deixar uma marca por mais simples que seja.

A terra também é assim. Quando não é cultivada pelo menos de vez em quando, revolta-se contra a desídia e abandono do agricultor. Ela empaca. Fica estéril e ai, meu nego, não produz porra nenhuma. Nem quiçaça ou ervas daninhas brotam mais. Por que seria diferente com Mané Fulô?

Pois é...

Um belo dia, quando a voz da consciência se lembrou dele, pediu-lhe que fosse imediatamente à luta. Que saísse a semear sem mais perda de tempo. Velho, reumático por que as juntas haviam se enferrujado durante o longevo tempo de ociosidade e obsolescência, 72 janeiros no espinhaço, todo torto, lá foi o infeliz se reconciliar com aquela que já não lhe suportava mais o peso do corpo esquelético. Com uma má vontade dos diabos deu ali a primeira enxadada. Sentou-se para descansar.

Ele estava cansado de não fazer nada e o corpo agora só queria sossego.

- O senhor vai semear este ano, seu Mané?

- Sei não, uai! – Estou pensando o que vou fazer desta terra improdutiva. Aqui não se produz mais nada, sô!

- Mas como é que o senhor sabe? – Quando foi que o senhor a cultivou pela ultima vez?

- Sei não, uai, mas me parece que já faz uns trinta anos, mais ou menos!

- Sendo assim, fica difícil!

- Eu acho que vou vender essas terras... Mais quem vai comprar isso?

- Eu compro suas terras, seu Mané! – Bota ai o seu preço. Considere-se que estamos negociando uma terra improdutiva!

- Mané arregalou os olhos. Aquilo era uma visagem. Aquela proposta não era verdadeira. Mesmo assim, entre aturdido e desconfiado, pôs o preço.

- O interlocutor que só queria trabalhar e produzir não pensou nem um segundo. Fechou o negócio ali mesmo. Em cartório no Centro do Brejo registrou-se a escritura onde Mané recebeu sua bolada. No Centro do mesmo Brejo das Almas, cinco anos depois, Mané mendigava para sobreviver sem um centavo sequer nos bolsos.

Fazer o que se essa foi á vida que ele pediu pra Deus!

Enquanto isso a fazenda barriguda, que teve seu tamanho triplicado com esta aquisição feita por ninguém menos que Naná, só prosperava.

É...

Por vezes, ou quase sempre, não é preciso muita força para converter pedra bruta em ouro fino. Um pouquinho de vontade já é suficiente.

E tenho dito!

*O autor nasceu no Brejo das Almas, MG.