domingo, 1 de fevereiro de 2015

O BREJO E SUA GENTE II - PADRE AUGUSTO


O BREJO E SUA GENTE II – PADRE AUGUSTO

*Enoque Alves Rodrigues

Augusto Prudêncio da Silva nasceu no dia 31 de Julho de 1856, em Montes Claros, quando esta localidade situada ao norte de Minas Gerais já não era mais uma colônia dos temidos índios tapuias ou do bravo Bandeirante Antônio Gonçalves Figueira. A praça onde hoje se encontra erguida a velha Matriz era o ponto central da comunidade. Algumas ruas adjacentes já eram calçadas o que dava um aspecto limpo e civilizado ao lugar.

Aos cinco anos de idade, seus pais, Camilo Prudêncio e Maria já notavam sua forte inclinação para as coisas eclesiásticas. Aos sete anos Augusto Prudêncio já acompanhava o vigário, o cônego Chaves, seu padrinho, no lombo do cavalo em viagens pelas freguesias. Dois anos depois de o primeiro bispo de Diamantina, dom João Antônio dos Santos fundar o Seminário Diocesano naquela cidade, em 1865, Augusto, então com 11 anos foi internado neste Seminário no ano de 1867, graças á influência do cônego Chaves, de onde, 12 anos depois se sagraria padre, após receber a ordem de subdiácono em 20/06/1878, de diácono em 21/12/1878 e ter lecionado latim no próprio Seminário enquanto aguardava completar a idade mínima de 23 anos para ser consagrado padre o que viria a ocorrer no dia 03/08/1879.

Augusto era aos vinte e três anos quando se tornou padre, um jovem muito bonito, alto, (media 1,81 metro), musculoso, loiro, de olhos azuis, lábios grossos e usava óculos com lentes pequenas e aros de ouro em decorrência de leve miopia que segundo diziam, fora causada pela intensa leitura muitas vezes á luz de lamparina altas horas da noite.

Aos 23 anos ou precisamente no dia 16 de agosto de 1879, vestindo uma batina nova de tecido brilhante, colarinho rendado e um barrete de três bicos o jovem Augusto Prudêncio acompanhado de uma multidão de amigos e vizinhos, saia da residência de seus pais em direção a Igreja Matriz, que naquele tempo se denominava de Paróquia de Nossa Senhora da Conceição e São José de Montes Claros, onde celebraria a sua primeira missa. Augusto foi o terceiro pároco daquela Igreja construída inicialmente no ano de 1769 como simples capela passando por várias mutações até chegar ao estágio atual. A primeira criança batizada pelo padre Augusto, ainda em Montes Claros, chamou-se Osório tendo o jovem padre se afeiçoado tanto a este menino que o tomou como pupilo e foi responsável pela sua criação e educação. Talvez tenha iniciado ai o seu grande amor e devoção que demonstrou durante toda a sua vida de quase 75 anos de idade pelos pequeninos menos favorecidos que ampararia em seu orfanato na cidade que adotaria como berço como veremos na sequência.

De vez em quando o Padre Augusto, montava a cavalo e chegava até o distrito de São Gonçalo de Brejo das Almas, a fim de visitar os parentes. Ele já ia ali anteriormente para ministrar as festas religiosas, hospedando-se em casa do coronel Jacinto Silveira. Falecida a sua mãe, em Montes Claros, consolidou-se a sua transferência em definitivo para a freguesia de Brejo das Almas.

Em 1904, depois de haver exercido o cargo de presidente da Câmara de Vereadores e chefe do Executivo municipal (prefeito – 1901/1904) em sua terra natal, Montes Claros, após eleição disputadíssima e cheia de peripécias, por solicitação própria feita a Dom Joaquim Silvério, sucessor de Dom João, foi transferido para a freguesia de São Gonçalo de Brejo das Almas, hoje Francisco Sá. Tratava-se de um recanto solitário, para onde nenhum outro padre se arriscaria. Pequeno lugarejo próximo á serra do Catuni cuja origem remonta á época colonial, quando o garimpeiro audacioso se aventurava pelos sertões à procura de pedras preciosas, no mesmo lugar onde um dia (02/11/1704) certo bandeirante fincou um rústico cruzeiro em madeira e bradou alto e bom som um vaticínio que infelizmente ainda hoje em dias atuais do ano da graça de 2015 não se confirmou completamente de que aquela terra se transformaria em um comércio próspero e que muito orgulho daria aos seus locais. O amigão ao qual me refiro que não era Mineiro do brejo como nós, mas Paulista de Santos, só não conseguiu ver em sua bola de cristal os obstáculos que seus pósteros teriam de transpor para levarem adiante a árdua tarefa diagnosticada em sua otimista premonição da qual podemos dizer com a imparcialidade natural de filhos das Alterosas que até o momento pouco se cumpriu, a não ser o amor, orgulho e devoção que mantemos pelo Brejo das Almas, nossa terra, que permanecem impregnados, incondicionalmente, em nossa mente, coração e espirito e como bons Brejeiros que somos almejamos um dia ver todas as predições do grande desbravador cumpridas.

Sua posse como vigário do Brejo foi festejada durante oito dias seguidos, recebendo a freguesia das mãos do vigário de Grão Mogol, padre Agapito. Como a paróquia não tinha casa para residência do padre, Augusto passou a residir em companhia de Jacinto Silveira.

No Brejo das Almas o grande Brasileiro, pescador de almas, Augusto Prudêncio da Silva, foi escrevendo, paulatinamente, com a caneta da humildade e amor ao próximo os seus exemplos de vida, cuja marca persiste até hoje não obstante decorridos 84 anos desde que partiu (17/03/1931) vitimado por um câncer na garganta, primeiramente descoberto pelo competente “doutor da farmácia” Niquinho, e depois confirmado pelo doutorzão João José Alves, na bela MOC.

A primeira escola pública de Brejo das Almas deve a sua criação ao Padre Augusto, que a construiu ao lado da casa de Jacinto Silveira. Como a esposa deste era normalista, a seu pedido, o Governo nomeou-a professora, abrindo assim a primeira picada no ensino primário naquela diminuta povoação. Árduo defensor dos pobres e oprimidos construiu anexo à casa paroquial um orfanato onde amparava a infância órfã de quarenta crianças o qual mantinha á duras penas com os parcos recursos que conseguia angariar.

Realizou a ampliação da antiga igreja e no campo da religião promoveu verdadeira revolução litúrgica junto aos fiéis que só fazia aumentar. Comandava pessoalmente as festas religiosas com danças, cânticos e gincanas onde a população prazerosamente se divertia. Nas artes, com os meninos de seu orfanato, organizou uma banda de música a qual deu o nome de LIRA que tinha a frente o Mestre José Maria e com ela disputavam torneios musicais com bandas de Montes Claros. Com isto o padre Augusto incentivava o culto das artes e das letras completando a formação intelectual de seus alunos, pois os mesmos já tinham oficinas de carpintaria e sapataria onde aprendiam o ofício para a conquista do pão.

Na Política Brejeira Augusto foi vereador atuante (1924/1930) na primeira legislatura do recém-instalado município. Na ordem pública, peitou muitos bandoleiros em inúmeras colunas de desordeiros que antes se formavam nos confins do nordeste e que se dirigiam ás localidades ermas para promoverem a barbárie como assaltos, estupros e assassinatos de pessoas indefesas. Entre os bandoleiros, Manduca e Alfredo, vulgo “Alfredão” eram os mais temidos. O primeiro cismou de amarrar um cavalo no cruzeiro em frente à igreja quando o padre rezava missa. Incontinenti, pediu licença aos fiéis, interrompeu a missa, foi lá fora e passou o maior sabão no valente Manduca que, amedrontado com o padre, desamarrou a animália do cruzeiro, mas no dia seguinte foi à forra, roubando-lhe três vacas que o padre de igual forma o fez devolver debaixo de vaias de seus capangas. Já Alfredo teve de interromper várias festas que promovia ao som de músicas altas e muita cachaça. O padre Augusto chegava, dava um horário para o bandoleiro por fim a farra e não tinha mais conversa.

Possuía o dom da premonição e clarividência. Com o seu simples olhar mandava quebrantos e outras mandingas para o espaço. No tempo em que viveu, a lei do mais forte era mantida á mira da escopeta. A sua forma correta de ser e agir o fez se encontrar muitas vezes na mira de alguém com o dedo no gatilho que, no entanto, não disparava por que na hora “h” o dedão do valente borra-botas travava o qual pilhado pelo padre em seu desafortunado intento se derretia todo se ajoelhando aos pés do padre a pedir perdão que só era dado depois de grande sermão que invariavelmente deixava o absolvido em palpos de aranha. São inúmeras as ações com as forças ocultas que tem o padre Augusto no centro. Possuía uma força no olhar capaz de ver atrás dos montes e mover montanhas. Não as utilizava, no entanto, salvo quando necessário.

Em seus aniversários a Rua da Amargura onde morava era toda enfeitada. Em 31/07/1916 quando ele completou sessenta anos, vários discursos foram ali proferido sendo o que mais o emocionou foi o da menina Edith Silveira com o menino José Galvão Bicalho que lhe ofereceram um ramalhete de flores.  Á missa de ação de graças comparecia quase toda população brejeira.

Afirmam os médicos que o câncer é uma das doenças mais cruéis e que mais atormenta o organismo do homem. Como corolário aos que vieram ao mundo em missão santificada, o padre Augusto Prudêncio da Silva colhido que foi pela doença, muito sofreu. Jamais a amaldiçoou. Ao contrário, cansado, com 74 anos, vergava agora sob o peso inclemente das dores que nem mesmo a agulhada de morfina conseguia conter. Nestes momentos de dores extensas seus olhos azuis lacrimejavam e ele delirava. Em seu delírio de frases desconexas o que se ouvia entre um gemido e outro eram “Senhor”... “Maria”... “Estou”... “Aqui”... ”Abade”... “Confessor”...

A folhinha marcava 17 de março do ano de 1931. Um velho patacão talhado em madeira localizado em sua cabeceira assinalava 15 horas e 23 minutos, quando o Padre Augusto Prudêncio da Silva deu o seu último suspiro após receber a extrema unção que lhe foi dada pelo Cônego Marcos Premonstatense, Salineiro, de origem belga.

Ninguém ali queria acreditar que um ser tão bondoso fosse colhido nas malhas da morte. O imenso cortejo o levaria de novo à velha Matriz onde merecidamente frui o repouso dos justos. Sim, apenas repousa, por que os justos e bons não dormem, jamais.

E tenho dito.

*Enoque Alves Rodrigues nasceu no Brejo das Almas.