sábado, 2 de março de 2013

CENAS BREJEIRAS 7 - MARIANA PERES



CENAS BREJEIRAS 7 – MARIANA PERES 

*Enoque Alves Rodrigues

Ela estava decidida. Não ficaria nem mais um minuto ali. Dificuldades extemporâneas à sua rotina e a atual decepção amorosa a estavam escorraçando de sua linda e querida Lagoinha, pequena comunidade pertencente ao Município de Brejo das Almas ou Francisco Sá, ao norte de Minas Gerais, onde nascera. Nenhuma oportunidade de estudos tivera. Mariana Peres tinha as mãozinhas calejadas pela lide pesada na lavoura de onde tirava o sustento próprio e de sua prole constituída com Juca Peres composta de oito boquinhas nervosas.

Juca, caboclo forte e destemido, pau pra toda obra, sempre pronto a ir à luta em busca de dias melhores agora estava desmotivado e já não se dedicava ao trabalho e a família com a mesma intensidade de antes. Autoestimas pífias aproximavam aquele brejeiro da inércia total. De repente ele que era um batalhador incansável começou a encostar o corpo. Foi em uma de suas muitas idas ao centro de Francisco Sá que aquela mudança inesperada se apoderou dele. Agora, levantava-se de manhã e ao invés de ir para a roça, já com o mato a invadir as plantações, o fazia pelos caminhos dos botecos brejeiros, ou especificamente no humilde, mas sempre badalado “pé na cova” aonde se enturmava com outros desocupados bebuns. Lá ele passava todo o dia lamentando a sina e degustando as “detonam fígado” de então. Ali ele marcava o ponto. Era, por mais incrível que pareça, naquele paraíso ás avessa que ele encontrava o sossego almejado. 

Não adianta buscar no campo da psicologia uma explicação lógica e racional que permita definir com clareza necessária o que se passa na mente humana. Tampouco, nem mesmo Sigmund, conseguiu entender os motivos capazes de arrebatar alguém de uma vida simples e pacata, mas digna e cheia de sonhos e perspectivas, atirando-o ao mais triste e tenebroso atoleiro de dúvidas e incertezas. Ocorre que o nosso cérebro é habitado por vários mundos, sendo quase todos eles impenetráveis. Pois é. Imaginemos então que as ideias de nosso amigo e conterrâneo Juca Peres, de Lagoinha, estavam uma verdadeira quiçaça assim como na quiçaça estavam suas roças que reclamavam sua presença, pois há muito tempo não viam o fio da enxada, nem ouviam o seu tilintar contra as pedras na defesa das viçosas floradas sem as quais vargem alguma vingaria, comprometendo, assim, quaisquer quesitos relacionados à colheita e fartura. Juca havia mergulhado de cabeça na bebida e ociosidade e agora não conseguia sair do marasmo que tornou sua existência. Aliás, na verdade, não saia por que nenhuma força de vontade tinha. Entregou-se inteiramente ao vicio e agora via escapar por entre os dedos eventuais oportunidades que a vida, porventura, lhe havia reservado. Não há, no modesto raciocínio deste escriba, nada que antes tenha sido arquitetado por qualquer plano, impassível aos nossos próprios desejos de mudar ou transformar. A vontade que nos impulsiona a seguir adiante é a mesma que nos leva a mudar aquilo que está à nossa volta, adequando-o ao nosso “modus vivendi”. Mais Juca não queria sair do lamaçal. Fazer o que?

Por conta destes motivos vemos agora Mariana lamentando a sorte que ela não escolheu. Estava, aquele divino ser, entre a cruz e a caldeirinha. Mas ela tinha de fazer alguma coisa. E fez.

Ao retornar certo dia de mais uma bebedeira Juca encontrou a casa vazia. Mariana foi embora com as crianças. Mudou-se para Grão Mogol distante aproximadamente setenta e seis quilômetros do Brejo. Juca até que a procurou durante alguns dias, mas depois desistiu de vez. Ai foi que a coisa entornou mesmo. Juca afundava cada vez mais na bebida pela qual trocou seu Sitio com todas as roças e algumas cabeças de gado. Depois de beber tudo que tinha tornou-se indigente. Morador de rua. Elegeu como seu “point” a escada, de apenas três degraus, da antiga Igreja de São Gonçalo, no centro do Brejo. A todos quantos ali transitavam mendigava uma moeda para, segundo dizia, comprar um pão para matar a fome. 

Compadecido do deplorável estado de Juca, certa ocasião o grande Feliciano Oliveira, cujos pais eram donos de fazendas na região, convidou-o para colaborar com os mesmos nas tarefas diárias da fazenda e em troca receberia um soldo a cada fim de mês.

Quem de longe observasse veria, por certo, o segundo personagem desta verídica história ocorrida no Brejo das Almas no inicio da década de 1960, se esvaindo em lágrimas, procurando, improficuamente, lá no fundo de seu limitado vocabulário palavras de gratidão àquela mão salvadora.  No dia seguinte Juca amanhecia na fazenda dos pais de Feliciano, dedicando-lhes toda a sua longa existência no árduo trabalho não mais voltando ao vicio da bebida. Foi eternamente grato a Feliciano a quem jamais decepcionou.

Enquanto isso, em Grão Mogol, Mariana refazia sua vida. Contraiu novas núpcias e a prole só fez aumentar. Com quarenta anos era mãe de doze filhos. Quase todos, exceto um, Djalma, o mais velho, viviam com ela. Firmino Ferreira, seu atual esposo era um sujeito de posses e não deixava que nada faltasse a Mariana e aos meninos. Mariana estava muito feliz. Pudera, ela não se acomodou. Correu atrás da própria felicidade e agora em idade madura a alcançava. Que bom. Finalmente, depois de vários trancos, a vida agora lhe sorria.

Será?

Residiam na Rua Alfredo Colares no Centro de Grão Mogol. Manhã de uma primavera de pouco verde. Era outubro de 1961. Saudosa de sua Lagoinha, lá estava ela a visitar parentes. De lá se dirigiu ao velho Centro do Brejo das Almas.  Às quinze horas encontramos aqueles delicados pezinhos, antes rachados, a palmilharem as ruas adjacentes empoeiradas. Passou em frente à Igreja Matriz e continuou sua caminhada que, no entanto, foi interrompida abruptamente. Ao chegar diante da Igreja de São Gonçalo, ao fixar seu olhar em algo, na realidade, um farrapo em forma de gente que se encontrava estirado sobre o último degrau do solo sagrado, atônita, não conseguia acreditar no que via. Por alguns instantes permaneceu estática. Teimava em não aceitar o que o destino cruel lhe reservara. Prostrado ali, à beira de um coma alcoólico, no mesmíssimo lugar onde antes, num passado distante, se encontrava o pai Juca, lá estava seu filho mais velho Djalma. Todas as tentativas empreendidas por aquela mãe desesperada resultaram-se infrutíferas, pois desta vez o maldito vicio conseguiu vencer, ceifando, três meses depois, a vida do jovem Djalma.

Carma? Coincidência? Premeditação? Estava escrito? E, nesse caso, como ficaria a irremovível vontade de mudar as coisas da qual falei logo atrás?

Uai, sô, quantas perguntas difíceis de responder! Se nem Sigmund as responderia, por que eu? Por via das dúvidas... Bem, não vou entrar nessa... Prefiro não ter opinião formada a esse respeito... Faço meus os seus pensamentos, comentários e interpretações, mesmo não sabendo quais são... Caititu fora de manada é papo pra onça.

É...

Por vezes, quando não conseguimos identificar de pronto à origem de certas provas que a vida nos impõe, o melhor mesmo é aceita-las, sem questionamentos.

Um forte abraço, brejeiros. Até mês que vem! 

E tenho dito!

*O autor nasceu em Francisco Sá, Brejo das Almas, MG.

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