segunda-feira, 19 de agosto de 2013

HISTÓRIA BREJEIRA I – INÍCIO DO SÉCULO XX


*Enoque Alves Rodrigues
O deputado Camilo Prates visitava seu Compadre e fiel correligionário, o coronel Olímpio Dias em sua residência de Brejo das Almas, ou Francisco Sá, que se preparava para mais uma
eleição. A agitação era geral e comícios pipocavam por todos os lados. As duas únicas forças políticas que ditavam a ordem naquela pequena localidade e que, portanto, traçavam os destinos do
povo brejeiro era exatamente o Coronel Olímpio Dias apoiado pelo deputado Camilo Prates e o Coronel Jacinto Silveira que por sua vez tinha o apoio do deputado Doutor Honorato José Alves cuja base eleitoral, assim como a base eleitoral de Camilo Prates, ficava em Montes Claros.
Ao contrário do que ocorre hoje em muitas regiões do Brasil dito civilizado, onde adversários políticos são também ferrenhos inimigos no campo pessoal, aqueles dois baluartes da política brejeira eram, antes de tudo, grandes amigos, ou melhor, eram compadres. Divergiam apenas e tão somente em suas ideologias político-partidária. Suas diferenças ficavam ali. No mais eram cordiais, respeitadores e afetuosos no trato mútuo. Frequentava um a casa do outro onde o assunto com certeza não era política, por que naquelas ocasiões tratavam apenas de amenidades, pois também não era costume falar mal da vida alheia.
Entretanto, nos dias de eleições postavam-se cada qual em um lado da entrada da única secção eleitoral existente e “observavam” o eleitor desde a sua chegada à secção até a saída, de maneira que finalizada a votação já se sabia de antemão quem havia sido o eleito. Hoje isso é ilegal não obstante sabermos que ainda campeiam ilícitas e grosseiras artimanhas, apesar do grande advento cibernético eleitoral onde se realizam apurações de milhões de sufrágios em algumas horas. Somos pioneiros nesta tecnologia a qual exportamos para Países econômica e socialmente desenvolvidos, mas que quase nada avançaram nesta direção.
Bem, voltemos à visita de Camilo a Olímpio no Brejo das Almas naquela tarde quente outonal. Antes quero ressaltar que a distância de dez léguas ou sessenta quilômetros que separam Montes Claros onde vivia o Doutor Camilo do centro do Brejo onde residia o Coronel Olímpio ainda era percorrida no lombo de cavalo. Somente depois de muito tempo é que o Dr. Camilo adquiriu seu primeiro possante: um “fordeco” de bigodes.
Após passar pela Fazenda na encosta do morro do mocó adentrou, por fim, o lugarejo. Parou na fazendinha de “Sá Jacinta” uma anciã de setenta anos que tinha algumas vacas leiteiras. Lá bebeu água e trocou alguns dedinhos de prosa com a dona da casa. Passou pelo Largo do Comércio e na Farmácia de Francelino, tomou uma pitada de bicarbonato e rumou finalmente para o casarão que se localizava próximo ao antigo mercado onde o anfitrião já o esperava no alpendre. Efetuados os formais cumprimentos seguiram-se para a espaçosa sala de visitas para falarem do assunto do momento. Eleições.
- Como andam as eleições no Brejo, compadre? Indagou Camilo Prates a Olímpio Dias.
- Vai bem, compadre. Mas os eleitores estão muito ariscos. Já não querem mais votar senão mediante alguns agrados!
- Mais isso não está certo... Todo Cidadão tem de exercer o seu dever de votar espontaneamente!
- Pois é, compadre, aqui por estas bandas, as coisas ainda não mudaram nada. Imagine o senhor que na eleição passada além de ter de amargar a derrota ainda perdi quase duzentas cabeças de porcos!
- Mas, o que foi isso?
- Epidemia?
- Não... Foi voto mesmo. Comprei... Paguei mais não levei. O infeliz do eleitor ao invés de me entregar o voto, acabou votando no compadre jacinto que nem pagou nada... Foi só na lábia!
- Mas compadre, isso não existe. Enquanto houver alguém que se propõe pagar haverá sempre alguém pronto para vender.
- Vamos mudar isso?
- Vamos!
Naquela noite grande palanque estava montado no centro do Brejo. O comício, como o próprio nome diz, comia solto e com ele brejeiros homens que votavam e brejeiras mulheres que ainda não votavam, mas lá estavam, saboreavam os apetitosos comes e bebes sendo que os comes compreendiam-se robustos espetos de carne de boi atravessados sobre serpenteante valeta que se perdia de vista. Quanto aos bebes, entendam-se, se possível, a mais pura e destilada aguardente acompanhada de bebida adocicada denominada Cinzano de um tal de Francesco que pelo nome devia ser Italiano.
Lá pelas nove horas da noite antes que aquela “bomba” ou coquetel começasse a explodir, quando o respeitável público presente teria, certamente, dificuldades em reter na cachola algum fragmento do discurso e por consequência não se lembrar do compromisso do voto que firmariam com Olímpio, este, acompanhado de Camilo e mais de uma dezena de candidatos regionais subiram ao palanque.
Enquanto isto, em pequena roda, conversava animadamente, Nezinho Pena, João Caixeiro, Patrício Pena e Estelito, todos comerciantes, além do escrivão de paz Pedro Ferreira.
- Desejo, - iniciou Olímpio seu discurso - agradecer a todos vocês pela massiva votação no pleito anterior, mas que não foi suficiente para me eleger, devido alguns que mesmo tendo empenhado sua palavra de votar na minha pessoa na hora “h” acabaram por votar no outro candidato...
“Muito bem... É isso aí... Temos de votar bem para melhorar o Brejo das Almas. Vamos escolher o homem certo para gerir bem essa joça!” – Respondeu ao fundo um grupinho de comisseiros etílicos contumazes, enquanto Olímpio prosseguia...
- Estou certo que desta vez será diferente, por que espero que todos aqueles que aqui estão desfrutando deste saboroso churrasco regado com o que há de mais puro em termos de bebida votarão em mim. Este momento maravilhoso permanecerá gravado em suas memórias inclusive na hora do grande sufrágio... Vocês se recordarão, certamente, do meu nome na boca da urna, pois estou convicto que ninguém por estes lados foi capaz de lhes proporcionar tão inesquecível regalia.
“Muito bem... É isso ai... Temos de votar bem para melhorar o Brejo das Almas. Vamos...”.
Olímpio escutava aquele grupinho que se manifestava sem uma palma sequer. Mesmo assim sua verve e eloquência se afloravam cada vez mais dando ao seu discurso inusitado e desproporcional entusiasmo.
 Enquanto Olímpio divagava em sua tentativa de empolgar a massa, Nezinho Pena interveio.
- Coronel Olímpio...
- Pois não!
- O senhor não está notando algo errado?
- Não... Não estou!
E utilizando-se de palavras firmes e ríspidas, próprias dos coronéis de antanho, inquiriu.
- Como é que eu vou saber diabo, se você não me explicar?
- Pois é, coronel... O senhor não entendeu... O povo está dizendo que “vai escolher o homem certo para gerir bem o Brejo. Só que o povo não disse que esse homem certo vai ser o senhor!”.
- Puta merda, caralho, é mesmo!
Agora foi a vez de Camilo Prates intervir, jogando uma pá de cal nos sonhos de Olímpio.
- Tá vendo? Não é o que eu lhe disse, compadre? Esse povo não se deixa vender por nada. Política não se faz assim. Vai dar Jacinto de novo!
E deu Jacinto!
É...
Por vezes, ou quase sempre, o melhor atalho é fazer a coisa certa. Quanto ao resto... Bem, o resto você deixa pra lá.
E tenho dito!
*O autor é Brejeiro.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário