domingo, 15 de maio de 2011

AS JOIAS RARAS DO BREJO III – O PADRE SILVESTRE
Enoque Alves Rodrigues
Se o caro amigo leitor fizer parte dos quase cem mil que acessaram minha humilde página no CityBrasil, certamente já deve ter lido pelo menos umas três crônicas que escrevi sobre o Padre Silvestre, antigo pároco da minha, da sua, da nossa linda Cidade de Francisco Sá, o velho e querido Brejo das Almas.
Pois bem, naqueles tempos era comum que as crianças fossem batizadas somente após ter alguma consciência da vida. Fui, portanto, batizado pelo Padre Silvestre lá em São Geraldo, Município de Francisco Sá, no ano de 1960, quando já tinha sete anos. Vários foram os episódios que presenciei os quais tinham como protagonista o Padre Silvestre, a minha “jóia rara do brejo” de hoje, cuja memória, não obstante os meus relatos nem sempre favoráveis ao querido amigo, reverencio sempre. Era um amor de pessoa. Um santo na terra, a meu ver, claro.
Tipo físico europeu, estatura mediana, pele rosada, olhos azuis, cabelos loiros, e com  sotaque característico dos “deutschers”, tribo alemã de onde se originava. Falava fluentemente o alemão enquanto se expressava com extrema dificuldade em Português.
Fora as ocupações que mantinha no clero, tendo sob sua responsabilidade toda a comunidade católica brejeira, o Padre Silvestre Classen também era ligado ás coisas da terra e mantinha algumas fazendas de cultivos naturais, além da criação de porcos. Inovador na arte da irrigação, foi pioneiro e grande entusiasta da agricultura familiar, ensinando ao matuto brejeiro, várias técnicas aparentemente primitivas, mas de resultados economicamente positivos e incalculáveis  para o homem da terra de antanho. Na suinocultura incentivou grandes pesquisas que resultaram na mudança dos padrões genéticos da porcada que antes era considerada “curraleira”, ou seja, desprovida de qualquer pedegree. De repente o jeca brejeiro passou a conviver com “marcas de porcos” de palavras difíceis como “landrace” e “duroc” e uma leva de outros denominativos difundidos pelo Padre visionário e empreendedor. È isso mesmo, o caipira do brejo não falava  “raça de porcos” mas, “marca”, sim senhor.
Certa ocasião, Mudinho do Correio, levou até o Padre Silvestre, um envelope pardo  de aspecto bonito e luxuoso, subscrito em letras bonitas e garrafais onde o remetente se apresentava como um certo doutor Castro, que mantinha, segundo ele, um laboratório na Avenida do Contorno, em Belo Horizonte, Capital das Alterosas.  Ao abrir o envelope, e principalmente depois de iniciar a leitura da missiva,  o Padre arregalou seus grandes olhos azuis e por alguns instantes ficou estático. Havia ali, certamente, algo que muito lhe interessava.
Estudioso, meticuloso e curioso extremado. O Padre Silvestre era daqueles que se necessário fosse, varava noites analisando fórmulas que viessem propiciar melhorias e facilidades a vida difícil do homem caipira e dele próprio. Agora andava as voltas com uma nova invenção sua a qual estava a divulgar nas redondezas. Tratava-se de uma engenhoca que consistia em cortar curvas de níveis dos rios quase secos da região, receber as águas das chuvas escassas e encaminhar para as roças. Produziu também o primeiro “espantalho de formigas” que já vi na vida. Este sim era estranho e porque não dizer, até difícil de descrever: tratava-se de cabaças onde ele contornava toda a face, a imagem e semelhança de grandes tanajuras, com dois orifícios dianteiros e traseiros que captavam e liberavam o vento sob um som triste e melancólico, as quais  colocava estrategicamente na porta do formigueiro. Segundo ele, quando as pequenas formigas davam de cara com as tanajuras gigantes, ainda na saída do formigueiro, com medo, retornavam imediatamente para dentro de seus “habitat” e de lá não mais saiam para devorar suas plantações. Quanto aos gafanhotos, ele vivia também às turras. No entanto, até o dia em que sai do Brejo, o placar era de dez para os gafanhotos e zero para o Padre. Ele não gostava de matar nada, por isso, fazia sempre o possível para se livrar dos inimigos de suas plantações “sem derramamento de sangue”. Já contra os passarinhos, rolinhas, pombas amargosas, periquitos, pássaros pretos e outros glutões admiradores de suas safras de milho, ele utilizava-se do bom e velho espantalho. Aquele boneco feito de panos velhos.
Mas que noticia tão importante havia naquele envelope para que o Padre Silvestre ficasse tão entusiasmado? Sobre o que falava o tal doutor Castro?
Pois é, uai, dizia a carta:
“Prezado Padre, tenho a honra de comunicar a vossa Reverendíssima, que o meu Laboratório localizado na Avenida do Contorno, número 2144, em Belo Horizonte, acaba de realizar a grande descoberta que finalmente irá por fim a praga dos gafanhotos que tanto assolam as vossas plantações. É muito simples, caro Padre. Trata-se de uma fórmula. No entanto para que eu possa vos enviar, é necessário que o Sr. me mande dois mil e duzentos cruzeiros para custear as despesas, etc., etc.”. Essa quantia naqueles tempos era suficiente para se comprar várias cabeças de gado.
Dois Meses depois, estava eu em frente à loja da dona Bezinha, quando vejo o Mudinho do Correio com um envelope semelhante, passar em desabalada carreira em direção à Igreja. Curioso, segui-o.
O Padre vivia impaciente e desconfiado. Não obstante ter ele pago aquela imensa quantia antecipadamente, o bendito envelope com a fórmula jamais chegava. Foi por isso que nem bem mudinho entrou na Igreja e o Padre já o interceptou. Arrancou de suas mãos o envelope e ao ler o seu conteúdo, transformou-se. Mudinho e eu agora víamos um Padre transtornado, andando de um lado para o outro, puxando os cordões da batina em frente ao altar, a resmungar enquanto lia e relia o teor da carta em voz alta:
 “Prezado Padre, ainda não foi desta vez. O senhor precisa ter um pouquinho mais de paciência com os gafanhotos. Eles também são filhos de Deus. Houve um revertério muito grande na nossa fórmula o qual estamos tentando corrigir. Um grande abraço para o senhor e fique com Jesus. Amém!”
Ao longe, assustados, Mudinho do Correio e eu só ouvíamos os berros do Padre num português sofrível  a dizer:
“E você, seu ladróne amardiçoado de una figa, fique com todos os diabros e que se queimem no fogo das profundas. Quanto a fórmula que você ia me mandar, ponha-a no... Bem, isso eu num posso dizê... Que assim seja!”
É...
Por vezes, e principalmente quando são passados para trás, os santos também perdem a paciência e compostura. E ai, salve-se quem puder, uai!
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.
Visitem meu novo blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/ http://www.citybrazil.com.br/mg/franciscosa/usuario.php?id_cadastro=7585

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