sábado, 31 de março de 2012

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ - TONICO LOPES

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – TONICO LOPES

Enoque Alves Rodrigues

Durante muitos anos o único acesso que qualquer ser vivente teria que utilizar para atravessar o Rio Verde Grande, na estrada que liga Montes Claros ao Brejo das Almas, ou Francisco Sá, era pela Fazenda de Tonico Lopes. Havia ali um ponto onde as águas eram baixas propiciando a passagem sem quaisquer dificuldades, de manadas de gado, além de servir de pouso de curta temporada para muitos vaqueiros e, nos tempos das colunas, de bandoleiros a caminho do Sertão.

Grande fazendeiro, Tonico Lopes era muito influente naquela localidade em tempos hoje já muito distantes. O Rio Verde atravessava ao meio toda a extensão de suas vastas e férteis terras, onde ele além de cultivar várias culturas como arroz, milho, feijão, algodão, cana de açúcar, alho e outras, ainda se dedicava a criação de gado de engorda com a qual abastecia os frigoríficos de toda a região. 

Casado com Lindalva com quem tinha quatro filhos labutava aquele grande brasileiro de sol a sol no sentido de prosperar a cada dia. Dotado de índole impecável e coração bondoso, colaborava com todos os transeuntes em passagem por suas terras. Nos períodos de chuva as cheias invadiam grande parte da Fazenda cuja Sede ficava no alto de um pequeno morro. O casarão da Sede funcionava naquelas ocasiões como a uma verdadeira “arca de Noé” porque todos os viajores surpreendidos pela elevação das águas não conseguiam seguir viagem e lá permaneciam até que as águas baixassem. Tonico Lopes a todos socorria sem pedir nada em troca.

Premido pelas circunstâncias, contemporâneo das maiores e mais importantes forças politicas regionais, não demorou muito e aquele sinuoso e íngreme caminho passou a receber as benfeitorias necessárias a sua adequação em prol dos transeuntes para que pudessem utiliza-lo sem riscos ou traumas.

Agora aquele mísero genérico de ponte estava finalmente de cara  nova. A coisa ficou muito bonita. Empedraram grande parte da estradinha que levava à Sede e tudo agora estava às mil maravilhas. Tudo dentro dos conformes. Tudo na paz do Senhor.
Será?

As coisas e as pessoas estão em constantes modificações. O que não está melhorando, está piorando. A vida não é estática, é dinâmica. E ela gira em torno de si própria numa velocidade assustadora que é impossível ao nosso cérebro e raciocínio acompanhar. Aí, como não conseguimos acompanhar, surgem a nossa frente, inicialmente pequenos hiatos que, à medida que não os ocupamos inteiramente, vão se avolumando e, de repente, em fração de segundos nos vimos diante dos mais difíceis e intransponíveis obstáculos já que estamos falando aqui de “estradas,” “pontes,” “acessos,” “passagem”, etc.

É oportuno e de salutar importância ressaltar que segundo estimativas  confiáveis feitas por quem entende realmente do riscado, aproximadamente 95% dos nossos dissabores são atribuídos a nós mesmos, principalmente por nossas incertezas. Quando na maioria das vezes pensamos termos certeza de alguma coisa, partimos para a ação precipitada, exatamente no momento mais inoportuno possível, quando o cavalo selado da vida de há muito já passou, ou sequer se aproximou ainda de nós, e assim, ao nos jogarmos, caímos, inevitavelmente, com os fundilhos no chão. Essas reações adversas acontecem, exatamente porque quase sempre, as nossas ações e atitudes são tomadas em cima dos nossos próprios egoísmos e de interesses mesquinhos. Não conseguimos pensar por muito tempo no coletivo. Já que deitamos, dormimos e acordamos com o nosso “eu” interior, claro está que é mais fácil pensarmos em nós mesmos. Quanto aos outros? Bem... Isto já é uma “outra história.” Não é comigo... Assovie... Olhe para os lados. Disfarça que lá vem gente. Os outros não são da nossa conta. Eles que se virem. Farinha pouca, meu pirão primeiro. Não é assim?

Ele começou a crescer os olhos. A mente dele, antes bem articulada, agora se achava em pandarecos. Pudera, deitava e não dormia. Qualquer coisa dava-lhe nos nervos. Agora a movimentação por suas terras era muito mais intensa. Ele precisava fazer alguma coisa. Tinha que tirar proveito daquela situação. Aquela agitação por suas terras poderia lhe render muitos dividendos. Mas como começar? Até ali jamais houvera lucrado um centavo sequer com isso. Puxa vida ele não havia pensado naquilo! Como foi capaz de ser tão tonto durante todo aquele tempo? Quanto dinheiro ele teria arrecadado se tivesse cobrado antes? Não, não cobraria nada. Teria que ficar como estava. Não lhe parecia justo cobrar de alguém que estava apenas em transito por sua fazenda até porque não havia outro acesso. Não se prevaleceria disso agora. Bem... Pelo menos, por enquanto. Talvez um dia, quem sabe. Estas indefinições por si só já são mais que suficientes para indicar que o caboclo está “balançando.” Que os dois “diabinhos” um do bem e o outro do mal (uai, existe diabo bom?) estão pelejando entre si lá dentro do coité do peão. Quando é assim basta um pequeno empurrãozinho que o sujeito capota. Pois foi o que aconteceu.

José Maquinista. Esse brejeiro foi o primeiro a dirigir um veiculo por aquela região. Era um FORD de bigodes. Ele não era o dono, era chofer e ás vezes conduzia também o Ministro Francisco Sá. Chegou ao anoitecer no casarão da sede da fazenda de Tonico Lopes naquela tarde chuvosa depois de haver atravessado o rio verde. Ele trazia em sua companhia um cunhado seu de nome Raimundo que vinha da Capital. Pernoitaram por lá. Na manhã seguinte o acesso que permitia a passagem para o outro lado do rio verde aonde o viajante podia continuar sua jornada rumo ao Brejo das Almas e região, se encontrava com uma cancela e, ao lado da dita cuja uma placa com letras de forma e erros gramaticais sofríveis  onde se lia: “PERDAGI DE UM CRUZERO PUR CABEÇA TANTO BOI CUMA GENTE. CARRO E CARROÇA UM E MEIO CRUZERO.” Dois capatazes completavam o cenário bucólico de bornal nas mãos, cobrando ou pelo menos tentando cobrar, daquela gente, pelo simples acesso para o outro lado. Utilizavam uma termologia estranha que até então ninguém por aquelas bandas ouvira dizer: “Pedágio”. Dessa forma conclui-se que a mesma tenha vindo da Capital trazida que fora por Raimundo, cunhado de Zé Maquinista.

Mas como é a necessidade que faz o sapo pular, não demorou muito e os transeuntes conseguiram encontrar alternativa mais trabalhosa porque tinham que dar uma grande volta para atravessar para o outro lado, mas menos onerosa, pois não tinham que pagar nada. Precavidos, colocaram outra placa “desvio a 500 metros”. Agora todos passavam por ali. Enquanto no pedágio, ninguém ia. Maior fiasco. A coisa miou. O tiro saiu pela culatra. A esperteza, como dizia Tancredo Neves, acabou engolindo o esperto. Pouco  tempo depois a cobrança foi extinta. Tardiamente, alguém de bom censo veio lhe alertar que aquilo não valia a pena. Que era muito mais fácil para ele continuar sendo bom. Que cobrar dos outros para que transitassem por alguns metros sobre suas terras não era a melhor prática a ser adotada. Que era infinitamente muito mais valioso continuar ouvindo dos passantes o “Deus lhe pague.” “Deus lhe ajude.” “Deus te abençoe,” ou na pior das hipóteses, um “muito obrigado”. Dinheiro nenhum no mundo conseguiria substituir estas simples e fluídicas palavrinhas mágicas que brotavam do coração eternamente agradecido daqueles andantes. 

É...

Por vezes, é preferível deixar como está para ver como é que fica. Se você não tiver certeza sobre que passo dar, que caminho seguir, plantar-se ao chão é o melhor negócio. E reze para que os ventos não o balancem.

E tenho dito!

Enoque Alves Rodrigues, que vive em São Paulo, é brejeiro de nascimento e convicção. Atua há 40 anos na área de Engenharia. É Escritor, com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

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