sábado, 9 de abril de 2011

AS JOIAS DO BREJO IX– LIBERATO & LAUDELINO

AS JOIAS DO BREJO IX– LIBERATO & LAUDELINO


Enoque Alves Rodrigues


20 de Julho de 1969: O homem acaba de chegar à lua... “Este é um pequeno passo para o homem mais um grande passo para a humanidade!”, berrava a quase 400 mil quilômetros de altitude da terra, Neil Armstrong.
No Brasil daqueles tempos, as noticias chegavam com a agilidade de passos de tartaruga. Já no meu Brejo das Almas querido, lá nos cafundós das gerais, quando elas chegavam, vinham também em passos de tartarugas, só que de tartarugas preguiçosas e sonolentas.
Por isso era muito natural que enquanto nós do Brejo estávamos nos deliciando com certas novidades que nos chegavam através do velho rádio de pilha, de marca "abc canarinho", quase todos os habitantes das demais partes do Planeta Terra já não se lembravam mais delas. Se perguntados, talvez até afirmassem que tal fato não tivesse jamais acontecido. O mundo era lindo e girava lentamente.
28 de Dezembro de 1969, ou seja, passados longos cinco mêses após o grande evento que pouco mudaria os destinos da humanidade no Orbe: “Em Brasília, 19 horas... Começa aqui a voz do Brasil”, falava um locutor qualquer.
“Alô amigos, aqui começa o seu repórter Esso..." -Gritava Heron Domingues -:  “Americanos não acreditam que o homem pisou à Lua”. Eram noticias simultâneas apresentadas pelos principais jornais radiofônicos de então, lembram-se, velhinhos?
Pronto: Este era o mote responsável por lançar a “grande discórdia” entre dois senhores de barbas longas e brancas, que perduraria por semanas e que, assim como o são todas e quaisquer polêmicas desprovidas de embasamentos necessários às evidências de veracidades mínimas, terminavam sem que se houvessem ganhadores.
Sentados no alpendre do casarão da Fazenda Terra Branca, limítrofe com Vaca Morta, no município de Francisco Sá, ou melhor, Brejo das Almas, os dois senhores naquele exato instante observavam lá no firmamento, o principal satélite da terra. Conversavam amenidades até que ouviram a bombástica noticia já produzida acima.
Liberato, ou João Albério Rodrigues, meu avô e dono da fazenda, adventista até a medula, era adepto de que o homem realmente não teria capacidade para ir à Lua. Sustentava sua “tese” com milhares de citações Bíblicas, todas elas atestando a incapacidade do homem, aliás, incapacidade essa que muitas vezes reduziam as condições humanas à total insanidade. Eu, pequeno ainda, mas estarrecido, só observava.
Já o “irmão Laudelino”, – assim o chamávamos -, também adventista, vivia na fazenda de meu avô. Era velhinho e nada fazia. Ele, ao contrário de meu avô, afirmava aos quatro ventos que o homem havia, sim, pisado à Lua. Que devido o homem ter sido feito a imagem e semelhança de Deus, o Próprio o dotara de muitos poderes e um desses poderes seria que o homem conhecesse de perto as maravilhas feitas pelo Criador, etc. Que se o homem tivesse ciência de  suas reais potencialidades, com toda certeza seria capaz de produzir algo muito próximo do Criador. Que o meu avô deveria se aprofundar mais a sua leitura e procurar interpretar melhor as escrituras, etc.
Enquanto ao meu avô, ele replicava, dizendo que não, que apesar de ele ter que trabalhar muito para sustentar seus dez filhos, também conseguia tempo para ler muito. Que o importante, também não era somente ler, mas entender e interpretar. Que de forma alguma, Deus, concederia tanto poder ao homem. Que o homem só sabia fazer guerra e citava a segunda guerra mundial. Hitler, Mussolini e outros que, exceto Hitler, no frigir dos ovos, nem tão bélicos o foram, assim.
Varavam noites nesse diapasão. Não se chegavam a nenhum acordo. Estavam definitivamente em lados opostos. Nenhum dos dois queria “largar a rapadura”. “Dois duros não levantam muros”. Ou ainda, “dois bicudos não se beijam”, assim falamos nós brejeiros.
Pois é, havia entre eles, no entanto, um momento em que todas as diferenças se alinhavam. Todos os conflitos se dissipavam e todas as divergências se convergiam. Esse momento sublime se verificava todos os dias, durante todos os longos anos em que o meu querido avô viveu. Pontualmente ás 5 horas da manhã, ele saltava de seu catre de casal, com sua Bíblia e Hinário debaixo dos braços, junto com minha santa avozinha Justina de Jesus, a “dindinha”. Entoando os seus cânticos, passavam diante dos quartos onde as filhas dormiam. Ao ouvirem o som daquelas lindas melodias, levantavam-se todas e os seguiam em direção a sala da Fazenda, aonde grande mesa de madeira rústica, o altar da família, coberta por branca e límpida toalha de algodão, já os esperavam. Ritualmente, ali, na cabeceira daquela mesa, sobre uma cadeira de madeira em forma de trono, o meu avô se assentava e mesmo com toda a sua humildade, se sentia como se fosse um rei, dirigindo os cultos, onde todos em sinal de respeito e reverência, silenciosamente, o ouviam. Ninguém, nem mesmo o irmão Laudelino, se ousava a discordar do que ele dizia. Ou melhor, ali naquele “pedaço sagrado” daquela imensa casa ele reinava absoluto. Vivalma alguma em sã consciência se atreveria a lhe encher o saco.
É...
Por vezes, ou quase sempre, os reis são, infinitamente incontestáveis.
Visitem meu novo blog: Pra variar, é sobre Francisco Sá: http://enoquerodrigues-earodrigues.blogspot.com/
Enoque Alves Rodrigues, que atua na área de Engenharia, é Colunista, Escritor, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

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