domingo, 26 de fevereiro de 2012

ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – MESSIAS, O BENZEDOR.


ASSIM ERA FRANCISCO SÁ – MESSIAS, O BENZEDOR.

Enoque Alves Rodrigues

Calçadão - Centro Brejo - EAR
Ele não tinha do que reclamar. Estava, indubitavelmente, atravessando uma época muito próspera e favorável em sua vida. Até então tivera uma vidinha bem insossa. Apertada ao extremo onde até mesmo o básico necessário à subsistência lhe faltava. Agora, não. A vida finalmente lhe sorrira. Ele estava feliz. Efetivamente, pensava ele, esta era sua melhor fase. Cada enxadada era uma minhoca. E meditava: “justo ele que até ali tudo o que fez em sua vida foi reclamar de tudo e de todos!” Nada para ele estava bom. Sempre faltava alguma coisa. Mas é sempre assim. Você já percebeu que aqueles que menos fazem são os que mais reclamam da vida? Pois é, ele era assim. Quando lhe “sobrava” um tempinho, entre uma reclamação e outra, vendia alguns dias de serviços nas Fazendas das redondezas. Será que alguém lá de Cima ouviu, por fim, suas reclamações?” É o que veremos na seqüência.

Messias Dias Pereira, era esse seu nome, na realidade, pouco ou quase nada fizera para usufruir de todo aquele conforto. Mas, honesto como era, apenas não gostava muito do batente, nada de errado fizera que maculasse sua irrepreensível conduta. Apesar do sobrenome, nenhum parentesco tinha com Zeca Guida.

Nascido em São Geraldo, criança ainda, descobriu que não tinha muito jeito com o cabo da enxada. Com os cambões de bater feijões, então, nem pensar. Feijão mesmo ele só batia no prato e de preferência bem cozido. Foi desastrosa a sua estréia no “oficio” de batedor de feijões que teve como palco inicial as terras de Saturnino, ainda em São Geraldo. Quando ele punha a mão nos cambões, antes de erguê-los para arriar sobre a montanha de feijões, os camaradas batedores abriam a roda e, com medo de que os cambões fossem soltos sobre suas cabeças, afastavam-se, deixando-o sozinho o que tornava à lide contraproducente. Não demorava muito e o dono do trampo o dispensava. Foi assim, também, na fazenda de Zeca, em Cana Brava, já que ao mudar para o Centro do Brejo das Almas, ou Francisco Sá, ainda rapazinho, pouco ou quase nada fazia que se pudesse classificar como trabalho duro. Como já informei anteriormente, ele, de vez em quando laborava, levemente, em Fazendas adjacentes.

Coincidentemente ou não, entre idas e vindas a uma destas Fazendas, foi que sua vida começou a mudar. Passou a ostentar alguns sinais de melhoria financeira. Naqueles longínquos tempos, assim como o é ainda hoje, guardadas as devidas proporções, entre elas, o aumento demográfico e a evolução cultural da gente Brejeira, não era necessário que o individuo saísse muito dos trilhos para cair na boca do povo. Assim sendo, progredir, sem que se tivesse uma fonte de renda muito bem definida e, de preferência, de conhecimento de todos, nem pensar. Cidade pequena aqui ou em qualquer parte do mundo é sempre assim. Todos se conhecem. A maioria tem algum grau de parentesco mesmo que não o saiba. Não conhecer procedência e filiação de algum morador local era tido como tremenda falta de informação.  No Brejo das Almas dos meus tempos os indivíduos solteiros eram identificados pela filiação paterna ou materna. Eu, por exemplo, era conhecido como “o Enoque da Dona Nazir do Grupo.” O “grupo” aqui se referia ao vinculo de minha doce mãe ao Grupo Escolar onde era professora. Uma vez casados, ganhavam, imediatamente, uma nova identidade. Agora com o nome da esposa ou do marido. Hoje, se ainda no Brejo  residisse, provavelmente seria esta a minha  identidade: “O Enoque da Teresa.”  É isso mesmo, ao contrário do nome da mãe do cabra que era precedido do “dona”, não era comum se utilizar o mesmo ao se referir à esposa. Somente os casais antigos recebiam esta denominação “seu fulano da dona sicrana” e vice-versa.  Passemos adiante.

Rezador era esta agora a lucrativa profissão de Messias. Mas rezador do que? De tudo! Rezava para expulsar das roças e fazendas, cobras, onças, gafanhotos, formigas, escorpiões, carrapatos, lagartas, etc. Tirava quebrantos de criancinhas indefesas. Benzia plantações inteiras, Juntava casais em processo de litígio, amansava burros e cavalos bravios, enfim, ele era o cara.

Certa vez estava ele enchendo o talo no “Pé na Cova”, aquele boteco que ficava bem em frente ao velho cemitério. Não demorou muito e eis que surge ali o Capataz que trabalhava na Fazenda de Elpídio, de nome Manoel da Conceição.

Eles não se conheciam. Jamais antes se viram. Mas quem foi que disse que bêbado precisa se conhecer para se engatar uma boa conversa? Qualquer banalidade entre os amantes do pileque é motivo mais que suficiente para vararem dias e noites. Falavam de tudo. Menos, claro, da vida alheia ou de temas complexos e relevantes dos quais não possuíam o domínio do conhecimento. Eram exatamente 9 horas da manhã quando aquelas duas almas, puras e imaculadas apesar do cheiro forte do suor do sertão, causado pela “brisa brejeira”, misto de calor e poeira, se encontraram naquele genérico de bar. Começaram dialogando sobre porcos, galinhas, carros de bois, roças, secas, águas e, por fim, chegaram a “morte da bezerra,” literalmente.

O bom Manoel informava ao bondoso Messias, que já não agüentava mais conviver com a morte de tanta rês na flor da idade. Que as onças não estavam dando trégua. Que era preciso que alguém fizesse alguma coisa. Bem, mesmo ele não sabendo, estava falando com a pessoa certa. Messias, incontinenti, informou-lhe desta sua especialidade. Inclusive deu-lhe como referência algumas fazendas  onde houvera prestado seu trabalho eficaz. Esgotados todos os assuntos. Não tendo mais sobre o que falar, despediram-se.

Dias depois, Elpídio, patrão de Manoel da Conceição, mandou chamar Messias à sua fazenda. Queria fechar com ele o valor para que expulsasse as onças. Mas antes queria uma prova. Messias valorou seu trabalho por cabeça de onça expulsa. Elpídio aceitou, mas continuava querendo provas. Não haveria problemas, a prova seria dada.

Rumaram todos para a porteira de entrada principal da fazenda. Messias pendurou-se no mourão enquanto que Elpídio e Manoel puseram-se sobre a cerca. Num estalar de dedos e ao pronunciar “pintada um” surgiu a primeira onça. Messias desceu, falou-lhe alguma coisa ao ouvido, a onça saiu e Messias voltou para o mourão. Pronto, a prova estava dada. Fecharam ali mesmo o negócio. Iniciou-se o processo e várias onças foram expulsas. A manada agora vivia na paz do senhor, tranqüila, serena e sem sobressaltos. Livre estava das onças ferozes. Será?

Decorridos noventa dias Elpídio chama Messias de volta à fazenda. Novilhas voltaram a aparecer mortas. As marcas registradas dos dentes de onças eram visíveis. O que haveria acontecido? Pergunta Elpídio. É simples, responde Messias, a reza é válida por noventa dias. Depois disso tem que ser revalidada. A cada revalidação eu vou ter que cobrar outra vez e assim, sucessivamente.

- Uai, sô, indagou-lhe Elpídio, mais não tem como você fazer este trabalho de uma só vez? Que diabo de reza é esta que você usa que tem prazo de validade? Deus não trabalha desse jeito. Tudo Dele é definitivo. Depois tem mais uma coisa: Deus não cobra para fazer nada e você me cobrou, e muito. Há alguma coisa errada nisso ai que eu gostaria muito que você me explicasse. Afinal, sua tralha, para que diabo de santo você reza?

- Bem, respondeu-lhe Messias, você quase acertou. Só que não é nenhum santo não senhor. Pode até ser que exista alguma coisa de errado. Mas quem foi que lhe disse que eu tenho alguma coisa a ver com Deus? Eu não trabalho com Ele e nem para Ele. O meu negócio aqui não é com o “Cara lá de Cima”, mas sim, com o “cara lá de baixo” e você sabe que ele não perdoa nada. Ele cobra por qualquer coisa. O que recebi de você na primeira reza, repassei tudo para ele. O meu lucro está exatamente nas revalidações. Se você não revalidar, tanto eu quanto você, ficaremos no prejuízo. Aquele diabo dos infernos é assim mesmo, meu caro, não dá ponto sem nó. Ele nunca perde. Só ganha.

É...

Fazer o que!

Por vezes, ou quase sempre, é melhor não procurarmos saber o nome do santo que realizou o milagre. Ele poderá nos ser, deveras, demasiado frustrante e assustador.

E tenho dito.

Enoque Alves Rodrigues, brejeiro de nascimento e convicção, que atua na área de Engenharia, é Escritor com dois livros a serem lançados, (Liderança Conquistada e Brejo das Almas em Crônicas), Colunista, Historiador e divulgador voluntário de Francisco Sá, Brejo das Almas, Minas Gerais, Brasil.

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